O gosto do sal escrita por Jude Melody


Capítulo 1
Capítulo único




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Eles se conheceram quando um tinha 17 anos, e o outro, 26. O mais novo era surfista. Com seus cabelos loiros e o eterno gosto salgado em seu corpo, dizia-se “a batata da onda”. O mais velho apenas ficava na sua, alisando os bigodes e murmurando para si mesmo como era gostoso. Logo vinha o pequeno, encharcado de água do mar, parava ao seu lado e se sacudia, espalhando água. O homem grunhia, erguendo os braços para se proteger. Murmurava algumas palavras de censura, mas o guri apenas se sentava diante dele na pequena mesa da casa de praia, sorrindo todo, todo no auge de sua alegria juvenil. Ao final da tarde, aparecia seu irmão, um garoto com ar de fazenda que não parava de ajeitar o boné e o macacão jeans. Os dois meninos iam embora, e o homem ficava triste e solitário.

Passaram-se os anos. O guri cresceu, mas continuava moleque. Dançava para as garotas que se aproximavam das máquinas de comida, sorrindo zombeteiro e mexendo nos óculos escuros. O mais velho às vezes vinha ao seu encontro e lhe dava um pescotapa. Para de palhaçada, magrelo. Comporte-se como homem! E o outro apertava os olhos, fazendo beicinho. Deixa de onda, velhote bigodudo! Saía correndo, sem dar chance de resposta. Voltava para a praia, onde se sentia bem, onde o vento era mais gostoso, e as águas, da mesma cor que seus olhos. Só arredava pé dali quando anoitecia. Caminhava despreocupado pelas ruas, mãos nos bolsos dos jeans. Até que parava ao ouvir o som daquela voz. Em um bar próximo, o mais velho cantarolava baixinho enquanto tomava uma caneca de cerveja. Diante de si, uma latinha de refrigerante qualquer. E o guri sabia que o refrigerante era para ele.

Quando estava em seus vinte e tantos anos, largou a prancha de surfe pela primeira vez. Ela caiu na areia sob seus pés, tão solitária quanto o jovem se sentia. O velhote bigodudo não estava mais por perto. Arranjara uma namorada, mulher bonita, cabelos ruivos, com um cheiro embriagante. Vivia se vangloriando de seus tomates, seja lá qual fosse o significado disso. O guri secou a água que derramava de seus olhos. E correu até a fazenda do irmão, em busca de apoio emocional. Encontrou-o sentado sobre a cerca, devorando uma espiga de milho. Sentou-se ao seu lado, abriu um meio sorriso e aceitou uma espiga também. Ficaram assim, em silêncio. Acima deles, as nuvens vagavam preguiçosas pelos céus. Até que o guri suspirou. Irmão, como é gostar de alguém? O outro continuou mastigando. Mastigou por tanto tempo que o surfista quase desistiu. Enfim contou sua história. Estou apaixonado por uma garota de vestido de oncinha que cheira a requeijão. A vida é uma merda.

“Merda” era uma caracterização gentil. O surfista voltou para a cidade cabisbaixo, murmurando baixinho o trecho de uma música. Passou sem querer pelo bar de sempre, mas não lhe deu satisfação. Estava quase na esquina quando finalmente se deu conta da voz. E ela o chamava. Virou o rosto, os olhos azuis arregalados. Ali estava o bigodudo, jogado de qualquer jeito na cadeira, segurando uma caneca de cerveja. Chamou o guri outra vez e bateu na mesa, indicando outra caneca igual à sua. O surfista tremia da cabeça aos pés quando se sentou diante do mais velho. Perguntou pela namorada ruiva. O homem apenas franziu o cenho. Que namorada o quê? Era apenas uma amiga. Os olhos azuis piscaram. Aquelas palavras eram reais? Eram mesmo reais? O velhote sorria.

De súbito, o guri libertou seus sentimentos. Disse um monte de coisas sem pensar, invocou memórias do tempo em que ainda era adolescente, revelou sonhos constrangedores que terminavam com um beijo áspero e bochechas coradas. Sentiu o gosto salgado em sua boca, mas ele não vinha da água do mar, e sim das lágrimas que escorriam por seu rosto. Prensou os lábios, envergonhado. Fez menção de se levantar, ir embora dali o quanto antes, sumir, desaparecer. Ir para qualquer canto longe o suficiente para nunca mais ser encontrado. O mais velho segurou seu pulso e o puxou para si. O beijo foi áspero como no sonho do surfista, um atrito de seus desajeitados lábios macios contra o bigode farto do outro. Afastou-se com as faces em chamas. Se antes queria fugir para longe, agora queria acabar de vez com a própria existência, tão intenso era o olhar que o homem lhe dirigia. E o maldito ainda ergueu o queixo, deliciando-se com toda aquela timidez. Deixa de onda, moleque!


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