Mentes Quebradas escrita por Nando


Capítulo 17
Cacos


Notas iniciais do capítulo

E eu voltei com mais um cap! Espero que gostem!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/732491/chapter/17

         Estou cansado. Por mais que tivesse tentado, não tinha conseguido dormir, devido ao peso que a minha consciência estava a exercer sobre mim. A minha família sabia, agora, que eu pertencia aos Unknowns, embora não soubessem que eu era o administrador. O meu pai tinha perdido as eleições, algo que me deixava com um aperto no estômago pois eu também contribuí para que essa derrota acontecesse. E, o pior de tudo, a nossa família estava definitivamente quebrada, como um vidro partido, não havendo maneira de voltar a juntar as suas partes. Pensando bem, acho que desde a morte da minha irmã nunca mais fomos os mesmos, e foi esse o acontecimento que partiu o espelho a que chamamos família. Mas nós recusámo-nos a admitir, tentando ao máximo colar as peças, o que se revelou ser em vão, pois cacos não se podem voltar a juntar. Ana limitou-se apenas a apontar a verdade…

            Ao passar pela sala, deparei-me com os meus pais deitados no sofá, encostados um no outro. Pelo menos tinham conseguido dormir… Decidi deixá-los em paz e ir para a cozinha. A partir daí entrei num modo máquina, fazendo tudo lentamente e com movimentos mecanizados. A minha mente estava num turbilhão, como se fosse um emaranhado de fios que não tinham nenhuma ponta por onde se pegar. Não sabia o que pensar. Estava cansado. Queria dormir, mas sabia que não o conseguiria fazer…

            Depois de tomar o pequeno-almoço, olhei para o relógio e reparei que ainda era cedo demais para acordar a minha irmã mais nova. Provavelmente também devia ter-lhe custado a adormecer, e quanto mais descansasse melhor seria.

            Quando estava a voltar para o meu quarto, o meu olhar pousou no quarto da minha irmã mais velha e fiquei uns momentos a fintá-lo. Não tinha voltado a entrar lá desde que a polícia o revirou de cabeça para baixo, á procura de pistas. Não tinham encontrado nenhuma e, depois, a minha mãe tinha decidido arrumar tudo sozinha. Lembrava-me desse dia ao pormenor, foi o dia anterior a eu ter decidido a criar os Unknowns. A imagem da minha mãe parada, no meio do quarto, a observar todas as coisas que foram de Matilde enquanto lágrimas lhe fugiam dos olhos, fixou-se na minha mente. Dei um passo na direção do quarto da minha irmã mais velha. A imagem da minha mãe foi substituída por pessoas vestidas de preto a chorar em volta de uma campa aberta. Aproximo-me, e deparo-me com Matilde deitada e de olhos fechados, num sono eterno. Sinto algo a fugir dos meus olhos. Lágrimas.

            Dei outro passo, sem desviar a trajetória. Na minha mente, as imagens voltam a mudar. O local imaginado era o mesmo onde me encontrava, e assim que abri a porta deparei-me com o corpo de Matilde, preso pelo pescoço com uma corda, a imagem que iria aterrorizar os meus pesadelos. Ao ver aquele cenário de um filme de terror, dei um berro que soou e vibrou apenas na minha mente e a imagem desvaneceu-se.

            Mesmo assim, dei outro passo. Imagens de Matilde a sorrir e do nosso quotidiano enquanto família unida, aumentaram a velocidade dos meus passos e só parei quando cheguei mesmo á frente da porta. Respirei fundo e abri-a. Assim que olhei para o quarto, não consegui evitar que as lágrimas fugissem dos meus olhos. O quarto estava exatamente como se Matilde ali estivesse, só faltava o elemento mais importante…

            Com os olhos inundados, entrei pelo quarto e fiquei a fintar todos os objetos, como se os estivesse a ver pela primeira vez. Reparei nos bonecos em cima do armário, e não consegui reprimir um sorriso. Ela sempre tinha guardado esse lado infantil dela. Lembro-me que uma vez tínhamos discutido por causa de um boneco qualquer e, no final, ela tinha acabado por levar a melhor.

            Os meus olhos começaram a percorrer todo o espaço. Reparei na secretária, arrumada e organizada, reparei nos papelinhos, aqui e ali, com anotações sobre coisas para fazer e objetivos a cumprir, e reparei nos livros que preenchiam as prateleiras, ela foi sempre uma fanática por livros e gostava de ler vários géneros e sobre os mais diversos tópicos, e também adorava organizá-los. Acho o facto de ela querer tudo organizado até ao último detalhe, era uma das qualidades da minha irmã que podia até ser irritante para quem lidasse com ela diariamente.

         A minha atenção foi mudando de objeto em objeto com cada um levando-me a ter uma memória diferente, era interessante o facto de ter visto tudo aquilo quase diariamente, mas agora ao observá-los sentia como se estivesse a levar vários murros no estomago, aumentando o tamanho do buraco que sentia dentro de mim. Mas tudo á minha volta parou, quando fitei a minha atenção num objeto em particular, o computador. Tinha sido ele o intermediário de uma conversa com um terrível desfecho, se ele não existisse, Matilde ainda podia estar aqui…

            Soltei um pequeno suspiro. Mesmo tendo ido contra o meu próprio pai, entendia perfeitamente o seu ponto de vista, e, no fundo, eu sentia o mesmo que ele, embora tivesse plena consciência de que esse não era o caminho a tomar.

            Enquanto os meus pensamentos divagavam, os meus olhos continuaram fixos no computador e, num misto de loucura e curiosidade, debrucei-me sobre ele e liguei-o. Não sabia de que estava á procura, quando até os polícias tinham afirmado que Matilde não tinha deixado nenhuma pista para trás, mas ainda assim ansiava por respostas. A teoria que mais se ouvia era que este “assassino” conversava com as pessoas online e que, através do uso de uma psicologia avançada, conduzia as pessoas ao suicídio, mas eu simplesmente não conseguia acreditar que Matilde seria levada a suicidar-se, por melhor que fosse a psicologia desse psicopata, simplesmente não podia acreditar!

            O computador mostrou o ambiente de trabalho e eu comecei a procurar em todos os locais. Usei todo o meu conhecimento a nível tecnológico que, embora não fosse muito, conseguia lidar com o básico. Abri todas as pastas e entrei numa pesquisa frenética, abrindo tudo o que me parecesse suspeito.

            Após uns quinze minutos, quando já estava prestes a desistir, encontrei uma pasta com umas letras colocadas de forma confusa. Fitei-a por uns momentos. Por algum motivo aquilo que estava escrito parecia-me familiar. Franzi o sobrolho e cheguei, enfim, á conclusão. Aquelas letras não estavam escritas de forma aleatória pois formavam o meu nome só que escrito numa linguagem que eu e Matilde tínhamos criado quando eramos mais novos. Memórias passaram pela minha cabeça, lembrando-me de quando inventamos aquela estranha linguagem. Fitei outra vez aquela pasta. Porque teria ela deixado uma pasta com o meu nome escrito daquela maneira? Decidi abri-la em busca de respostas. Dentro estava um atalho para o “bloco de notas”. Intrigado, dei ordem para abrir o atalho. A página abriu-se e deparei-me com um monte de letras e números escritos também da mesma maneira. Lembrei-me, então, que, para duas crianças, tínhamos levado esta brincadeira longe demais

            No meio destas lembranças, múltiplas perguntas surgiram na minha cabeça. Por é que ela se tinha dado ao trabalho de me escrever nessa língua defeituosa? O que é que ela me queria dizer que mais ninguém poderia saber? Será que teria ali a verdadeira razão da sua morte? A curiosidade começou a palpitar cada vez mais dentro de mim e tentei traduzir a mensagem, algo que se tornou quase impossível pois a memória falhava-me.

            Levantei-me e pensei em procurar no quarto dela um dos dois dicionários que tínhamos feito, mas ocorreu-me que ela provavelmente ter-se-ia livrado do seu, se quisesse mesmo que apenas eu visse o que a mensagem contia.

            Com isto em mente, fui até ao meu quarto e comecei a desarrumar tudo, em busca do meu dicionário. Só passado vários minutos, e após ter deixado o meu quarto numa enorme confusão, é que o encontrei, perdido no fundo de uma gaveta, agarrei nele e voltei para o quarto de Matilde, com o corpo inteiro a tremer. Será que descobrirei a verdade por detrás do suposto suicídio da minha irmã? As perguntas que eu tinha estavam a vir todas de uma vez, aumentando a minha ânsia por respostas.

            Sentei-me na cadeira e voltei a olhar para a mensagem. Abri o “dicionário” e descobri que não tinha uma ordem como um dicionário normal, provavelmente a minha irmã deveria ter ficado com a versão mais limpa e organizada, o meu tinha servido apenas como base de dados.

            Dei um estalo com a língua e passei as mãos pela cara, em sinal de frustração. Não tinha tempo para me queixar, mais valia começar já a traduzir.

            Só após praticamente uma hora é que dei por terminado o trabalho. Tinha demorado mais do que esperava, pois para além da falta de organização, notou-se que o nosso conhecimento sobre formas verbais era limitado nessa época, obrigando-me a conjugar tudo naquele momento. Para piorar, algumas palavras tenham ficado sem tradução, pois não estavam em lado nenhum no meu dicionário, mas, mesmo assim, conseguia entender a mensagem e o seu conteúdo foi pior que um balde de água fria:

            “Querido irmão, se estás a ler isto existe uma grande probabilidade de eu já não estar mais ao pé de ti, algo que me está a dar a volta à cabeça todas as noites. Como será morrer? O que haverá após a morte? É assustador… Mas não é nada disto que eu te queria dizer. O que te quero dizer primeiro é que, se o pior já aconteceu, por mais que toda a gente diga o contrário, eu não fui levada ao ______, eu fui assassinada…”

            Parei nesta parte. Mesmo não sabendo a tradução daquela palavra tinha quase a certeza que era “suicídio”, algo que dava uma nova luz a este caso. A minha irmã não se tinha suicidado, assim como sempre pensara! Mas, então quem tinha sido o c***** que a tinha assassinado?! Como é que esse tal “Quebra-Mentes” tinha feito com que isto acontecesse?! E quem é que ele era na verdade?! Quem quer que fosse, se o visse á frente eu não o iria perdoar, iria fazê-lo jurar não ter nascido! Com os nervos á flor da pele, decidi continuar a ler:

            “Eu sei que deves estar pronto para começar a explodir e tenho a certeza que tens mil perguntas para fazer, mas não te posso responder a tudo. Peço-te que não contes nada do que aqui está a ninguém, repito, ninguém! Também preferia que não tentasses descobrir mais, mas sei que tu vais, ou já estás, a revirar o mundo do avesso. Enfim, devo-te dizer que a pessoa que se dá pelo nome de “Quebra-Mentes” é poderosa e ires contra ele(a) de frente só te vai levar a ter o mesmo destino que eu. Eu não sou pessoa para te dar lições, eu tive muitas oportunidades para sair desta caça aos _____, mas não quis parar, o meu senso de _____ não me deixou. Tu conheces-me, se vejo algo que penso estar errado, tento ao máximo chamar á razão, algo que, desta vez, me saiu muito caro.

            Acho que estou a falar demais e não estou a dizer o que quero mesmo dizer, mas só te queria mesmo avisar que o inimigo com que estou a lutar é poderoso, mas não é poderoso em termos de “posses” ou “dinheiro”, é poderoso devido á sua mente cruel e _____, e, o pior de tudo, as pessoas que o seguem, que eu acho que nem podem ser chamadas de pessoas pois não são ______ e farão tudo o que ele  disser, inclusive acabar com a própria vida. Vês agora o quão assustador ele é? Não tenho coragem de te dizer o que eles andam a fazer, mas acho que vais quere descobrir, por mais que eu seja contra.

            Antes de te ir ao elemento mais importante desta mensagem, queria-te de dizer que, caso não esteja aí ao pé de ti, eu sempre vos amei pois sois a melhor família do mundo e sois tudo aquilo que poderia desejar, tu e a Ana sois os melhores irmãos do mundo, só espero que a minha partida não vos separe, e, se as vossas opiniões divergirem, quero que tentes ao máximo impedir que a vossa ligação seja rompida. Eu não aguentaria saber que vos separastes por uma decisão egoísta da minha parte…

            Agora a parte importante, se tiveres decidido a ir contra o “Quebra-Mentes”, basta fazeres a combinação que eu deixei no final desta página e vais ser levado para uma página onde estará um endereço de e-mail. É o endereço do Quebra-Mentes, a pessoa com quem eu tenho conversado e tentado apanhar. Se decidires falar com ele aconselho-te a manter a cabeça fria, não te deixes levar pela sua conversa, assim como dizem os rumores, ele tem grandes conhecimentos de psicologia, acho que nem a mãe lhe conseguiria fazer frente.

            É tudo o que tenho para te dizer. Embora te tenha aconselhado contra, no final, quero que o pares de qualquer maneira. Lamento não te dizer o motivo por detrás do meu confronto, mas tenho medo que mais alguém possa ver esta mensagem.

            É tudo o que te tenho para dizer.

            Amo-te, és o melhor irmão que podia ter.

            Da tua querida irmã, Matilde…”

            Assim que acabei de ler, as lágrimas aumentaram de velocidade. Como é que nenhum de nós tinha reparado no estado em que ela se encontrava?! Podíamos mesmo ser uma família unida, quando nem nos apercebíamos de problemas como este?! Matilde devia passar os dias inteiros a tremer de medo por causa de um psicopata qualquer…

            Limpei as lágrimas e fixei o computador, mais uma vez. Não podia deixar que as coisas ficassem assim, não podia deixar que aquele psicopata continuasse livre. Num movimento rápido, fiz a combinação que ela me tinha deixado. Abriu-se uma página com um endereço. Transferi esse endereço para o meu computador, e desliguei o de Matilde. Após deixar o quarto dela exatamente como o tinha encontrado, voltei para o meu, tentando arrumar o máximo de coisas que podia. Estava para arrumar o dicionário, mas senti que talvez não fosse a melhor escolha. Deveria atirar com ele? Talvez não. Ah! O que raios havia de fazer?

            Senti alguém a bater na porta do meu quarto. Era Ana. Ficámos os dois a olhar um para o outro, sem saber o que dizer. Foi então que a mensagem de Matilde me passou pela cabeça, levando-me a olhar Ana nos olhos, mostrando-lhe um sorriso. Ela baixou os olhos, envergonhada.

            -Não estás chateado comigo? – Murmurou.

            Dei uma gargalhada, deixando-a toda atrapalhada. Cheguei-me ao pé dela e dei-lhe um abraço apertado.

            -Achas mesmo que eu me chatearia contigo?

            Ela suspirou de alívio.

            -Ainda bem…

            Deixámo-nos ficar assim por uns momentos, quando nos separámos ele reparou então naquilo que trazia nas mãos:

            -O que é isso?

            Naquele momento, soube imediatamente o que fazer com o dicionário:

            -Foi um dicionário para uma língua estranha que eu e a Matilde criámos quando éramos pequenos e estava pensar dar-to, que achas?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E então, gostaram? Até ao próximo cap!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Mentes Quebradas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.