Mentes Quebradas escrita por Nando


Capítulo 16
Albert


Notas iniciais do capítulo

E estou de volta com mais um cap! Desta vez no papel de Albert, o nosso novo presidente! Aproveitem!



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            Enquanto os meus olhos se fixavam na televisão, a minha mente entrou numa viagem temporal. Vi-me, subitamente, num corpo muito mais pequeno e frágil. Devia estar na primária. Três rapazes, mais altos e fortes do que eu, estavam a pedir-me os trabalhos de casa de uma forma um tanto quanto agressiva:

            -Então vais-nos dar os teus trabalhos de casa ou não?

            Eu olhei para eles tremendo de medo, mas tentando-o ocultar ao máximo. Eram os rapazes que estavam sempre a colocar desordem na sala de aula, interrompendo por tudo e por nada. Nunca gostei deles, ao contrário do resto da turma que os idolatravam. Nunca tinha percebido essa admiração. Eram todos idiotas, não passavam de mosquitos atrás de três luzes pequenas.

            -O espertinho esqueceu-se de falar? – Disse o mais alto.

            Os outros riram-se. Aquela piada não tinha graça nenhuma, mas eles tinham de manter a pose como ajudantes de crime que eram. Para piorar tudo ele ainda me tinha chamado de espertinho… Tentei ao máximo impedir um sorriso. No final, tudo não passava de inveja por eu ser mais inteligente. Decidi responder-lhes:

            -Não vos vou dar nada, cada um faz os seus!

            O mais alto agarrou-me pelo colarinho e olhou-me nos olhos:

            -Parece que não estás a entender… Nós não fizemos os trabalhos de casa, e queremos que nos deixes copiar os teus, pois a stora sempre os adora. Vais nos dar?

            Embora parecesse uma pergunta, não era. Mas eu também não os deixaria levar a melhor:

            -Desculpem, mas não. A professora disse que não podemos dar os trabalhos de casa aos outros.

            O alto olhou para os outros e sorriu. Voltou-se para mim:

            -Parece que vou ter de os tirar á força.

            Deu-me um soco em cheio na cara, fazendo com que eu caísse no chão, sem qualquer reação. Antes sequer de recuperar os sentidos, os outros dois juntaram-se e comecei a receber socos e pontapés de todos os lados. Comecei a esbracejar-me, tentando acertar-lhes, mas nada resultou. Quando se cansaram de me bater, tiraram-me a mochila, e de seguida os meus trabalhos de casa, enquanto diziam:

            -Parece que o menino da stora vai-a desapontar…

            Viraram costas e saíram com os meus trabalhos de casa, enquanto se riam da minha figura. Amaldiçoei-os. Olhei para cima para o céu azul que se estendia até ao horizonte. Amaldiçoei-o também. Não devia começar a chover, nestes momentos? Porque estava tão limpo, como se o dia fosse belo? Cerrei o punho, cheio de raiva e deixei-me estar estendido no chão. Doía-me o corpo, mas sentia um aperto dentro de mim que era angustiante…

            Nunca cheguei a contar a ninguém sobre o incidente, se contasse chamar-me-iam choramingas ou queixinhas, e eu não queria que pessoas como eles me chamassem dessa maneira. No entanto, bastou pouco tempo para que a turma toda soubesse, excluindo os professores. Sem sequer ter tempo para digerir tudo isto, já estava a sofrer bullying de todos os membros da turma. É verdade, o agora presidente sofreu bullyng de meia dúzia de garotos. Que palavra misteriosa, não acham? Bullying. Tantas vezes mencionada nas escolas e ainda assim os casos continuam sempre a aparecer. Era a natureza do ser humano achar-se superior e demonstrar ao máximo essa superioridade quando encontravam alguém que aparentava ser mais fraco que eles…

            O incidente repetiu-se mais vezes, o que gerou uma certa desconfiança nos professores, mas nenhum deles chegou a uma conclusão. A minha família também começou a achar estranho o facto de chegar todo sujo a casa, mas eu conseguia sempre enganá-los com alguma desculpa. Sentia-me patético. Eles não passavam de amostras de seres humanos e nenhum deles tinha um pingo de inteligência moral, e, mesmo assim, tratavam-me como se eu fosse inferior a eles… Quem pensam eles que são? Provavelmente, muitos deles iriam acabar com um emprego fraco ou até desempregados. O meu ódio por aquele tipo de pessoas começou ali. No momento que a escola acabasse, eles iriam ver quem iria ficar por cima. Eles eram apenas pedras no meu caminho para a vitória. Ah, como eu gostava de lhes esfregar isso na cara! E como eu gostaria de ver a cara deles quando o fizesse…

            Foi naquele momento que uma ideia me veio á cabeça. Este mundo está cheio de pessoas como os alunos da minha turma. Elas precisavam de alguém que as pusesse no lugar. Mas quem seria esse alguém, e como o faria? Precisava de ser uma pessoa com poder, e a figura que representa mais poder neste país era o presidente, mas aqueles que se tornavam um não ligavam a mínima para isso… Tinha de ser alguém com a mesma mentalidade que eu, ou melhor, tinha de ser eu!

            Senti uma mão a tocar-me gentilmente no ombro, libertando-me das memórias do passado. Era Helen, a pessoa que mais me tinha apoiado nesta jornada:

            -Porquê tão sério? Acabas-te de ganhar as eleições! Não era o que querias?

            Sorri-lhe, antes de responder:

            -Estava só a lembrar-me de tudo por que passei para chegar até aqui…

            -Isso inclui o bullying que sofres-te?

            Acenei afirmativamente com a cabeça.

            -A escola não deve ter sido nada fácil para ti…

            -Pois não. Todos os dias eles aprontavam alguma coisa nova. Só tive paz nos últimos anos, pois os principais tinham já chumbado ou ido para outro sítio. Mas, mesmo assim, os alunos restantes não se davam comigo e falavam mal de mim nas costas.

            -Nunca te cheguei a perguntar, mas nunca tiveste amigos?

            -Tive alguns, mas eles acabavam por mudar de lado. Acho que amigos verdadeiros só tive um. Apesar de toda a gente lhe dizer para se afastar ele negava e continuava a andar comigo. Eventualmente, muita gente deixou de andar com ele, ouve até uma vez que ele impediu um rapaz de me pregar uma rasteira e começaram os dois á luta. Quando, mais tarde, lhe perguntei porque é que tinha feito aquilo, ele respondeu: “Odeio que maltratem as outras pessoas. Eles têm apenas inveja de ti e, para te ser sincero, eu também tenho. Tu és bom a todas as disciplinas e dás esse ar de que não precisas de te esforçar muito. No entanto, quis descobrir por mim mesmo como é que tu eras e descobri que és uma pessoa com quem se pode conversar amigavelmente, embora se tenha de passar por esse coração de pedra. Não te preocupes com eles, tu tens um futuro mais brilhante que o deles…”

            -Que comovente! Como se chamava?

            -Se não estou em erro chamava-se Daniel.

            - E o que aconteceu á vossa relação?

            -Ele acabou por ser transferido e perdemos contacto. – Fiz uma pausa para voltar a olhar para a televisão - Mas aquilo que gostava de ver mesmo era a cara de todos os que gozaram comigo. Ah, quem me dera!

            -A vingança serve-se num prato frio, não é?

            -Nem imaginas o quanto sonhei com este dia…

            -Pois deixa de sonhar! És o presidente! És o comandante deste país!

            Olhei para ela. Não podia ter arranjado melhor esposa! Perguntei-lhe:

            -Lembras-te de quando te pedi em namoro e, mais tarde, em casamento?

            -Então não havia de me lembrar? Conhecíamo-nos há pouco tempo e tu vieste logo a pedir-me em namoro, e eu não consegui recusar pelo mesmo motivo que não recusei o teu pedido de casamento. Porque vi algo em ti, tal como esse teu amigo. Algo diferente de todos os outros que me tinham pedido em namoro antes. – Começou-me a alisar o cabelo – E esta noite só vem provar que tanto eu como ele estávamos certos este tempo todo.

            Deixámo-nos ficar em silêncio enquanto ela me fazia massagens na cabeça. Ela tinha-se tornado uma das coisas mais importantes da minha vida. Não tínhamos filhos e isso estava bem para ambos. Ter um filho apenas atrapalharia as nossas ambições…

            Ela interrompeu a massagem, levantou-se e estendeu-me a mão:

            -Não achas que está na hora de mostrares a todos o homem poderoso que te tornas-te?

            Acenei afirmativamente e agarrei-lhe a mão, levantando-me de seguida. Deixamos a sala e fomos em direção á saída. Assim que abrimos a porta, o ar fresco da rua envolveu-nos e tivemos de tapar os olhos para não sermos ofuscados pelos flashes das câmaras. A nossa casa estava rodeada de jornalistas e fotógrafos que tentavam gravar o máximo possível daquele momento, o momento em que o seu novo presidente saía de sua casa. Os nossos seguranças vieram ter connosco, indicando o carro que nos levaria até à sede, e abriram caminho entre a multidão, cedendo-nos passagem. Jornalistas pediam desesperadamente por comentários, e eu limitei-me a sorrir e a acenar pois não tinha nada para lhes dizer. Não havia palavras para expressar o que estava a acontecer dentro de mim.

            Um dos seguranças abriu a porta de trás do carro, deixando que eu e Helen entrássemos. Assim que entrámos deparámo-nos com o meu secretário, ocupando um lugar no banco de trás:

            -Boa noite senhor presidente!

            Abri um largo sorriso:

            -Boas noites!

            Acomodámo-nos e fizemos sinal ao motorista para começar a viagem até á sede. Estivemos uns segundos em silêncio, e, quando já não havia jornalistas há vista, o meu secretário tocou-me gentilmente no ombro e falou de forma a que o som fosse apenas para Helen e para mim:

            -A empresa de petróleo já me telefonou e voltaram a relembrar para não se esquecer da dívida que tem com eles…

            Sabia muito bem daquilo que eles estavam a pedir e não precisava que me relembrassem.

            -Não acham melhor deixarmos isso para amanhã? Hoje é dia de celebrarmos!

            Ela tinha razão. Não havia razão para estar a debater esses problemas, hoje. O meu secretário também anuiu, e não houve mais nenhuma palavra trocada entre nós. O carro prosseguiu, passando por um monte de pessoas com bandeiras a meu favor, fazendo um frenesim nas ruas. No entanto, passamos também por uma briga entre sete ou oito pessoas, umas com camisolas a meu favor e outras com camisolas a favor de Telmo, uma cena que se repetia a cada canto. Já era de se esperar que estas lutas atingiriam o seu auge neste dia. Sorri. Eram todos uns tolos… Eram fracos e precisavam de alguém forte e com ideais convictos para os segurar.

            O carro, enfim, parou, ao chegarmos á sede. O palco já estava montado e uma grande multidão aguardava ansiosamente o momento que eu chegasse. O motorista abriu-nos a porta e eu saí sendo imediatamente seguido por Helen. Algumas pessoas já se tinham dando conta da nossa chegada e começaram a fazer grande alarido. Abri um largo sorriso e olhei para Helen. Ela deu-me a mão e apertou-ma com força. Não precisávamos de palavras, sabíamos o que tínhamos a fazer. Subi-mos as escadas e fomos em direção ao centro do palco. Fomos recebidos com aplausos fortes e assobios estridentes, levantámos os braços, sem nunca largarmos as mãos, levando ao aumento da potência de aplausos e assobios. Estava no topo naquele momento…

            Lembrei-me mais uma vez dos três rapazes que começaram o meu sofrimento na escola. Da última vez que procurei sobre eles, um deles estava desempregado e vivia às custas da mãe, outro tinha tido uma mulher, mas esta tinha-o traído, deixando-o de rastos e com um filho para cuidar. Já o mais alto morreu de overdose de drogas. Quem é que saiu vencedor, afinal?


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Notas finais do capítulo

E então gostaram? Fiquem atentos até ao próximo!



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