Mentes Quebradas escrita por Nando


Capítulo 13
Luísa


Notas iniciais do capítulo

E estou de volta! Agora a história centra-se em Luísa, a mãe do nosso personagem principal. Aproveitem!



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            -Então você batia na sua própria mulher? – Disse com um certo tom de irritação a transparecer na minha voz.

            O homem acenou afirmativamente com a cabeça. Estava pálido e as roupas que usavam estavam sujas e desgastadas, e pelo odor que emanava podia-se afirmar que não se lavava á mais de duas semanas. Suspirei, pensando no que iria dizer. Em casos destes só me dava vontade de lhe dar uma estalada na cara, mas tinha de me controlar. Tinha-me habituado. Ser psicóloga leva-me a lidar com casos destes quase duas vezes por semana. Eu estava ali para ajudar, não para criticar ou julgar.

            -Há quanto tempo estavam casados?

            -Iria fazer sete anos no próximo mês.

            -E á quanto tempo bebe álcool diariamente?

            -Há mais ou menos cinco anos.

            -O que o levou a ter esse vício?

            -Tudo começou numa noite com amigos. Geralmente não passava de dois ou três copos ou cervejas, mas estava tão animado que decidi tomar mais. No dia seguinte ouve um problema no meu trabalho devido a um erro meu e o meu chefe arriscou pôr-me na rua. Nessa noite decidi voltar a beber. A partir daí não consegui parar.

            -Quando é que começou a bater na sua esposa?

            Salientei a palavra esposa na esperança que se tornasse uma seta e perfurasse o coração daquele homem. Acho que ao menos consegui arranhá-lo. A resposta veio após um momento de hesitação:

            -Mais ou menos duas semanas depois. Ela notou que eu andava a beber demasiado e avisou-me várias vezes. Não havia grandes discussões até ao dia em que fui despedido do meu trabalho devido a constantes faltas de atenção. Nesse dia bebi demasiado, perdi a noção do que era certo e do que errado, quando cheguei a casa contei-lhe que tinha sido despedido. Ela percebeu logo que tinha sido por causa de beber demasiado e, ao reparar no estado em que estava, começou a discutir comigo. Foi a maior discussão que tivemos. Não me lembro dos detalhes, apenas me lembro de estar em cima dela. - A voz dele começou a tremer – E ela estava a tremer,… enquanto sangue saía do seu lábio e… - Engoliu em seco - de outros lugares. – Respirou profundamente antes de continuar - No dia a seguir, ao acordar, ela estava cheia de nódoas negras e avisou-me que iria pedir divórcio, tentei chamá-la á atenção mas ela não me ouvia, apenas tremia. A sua voz estava fraca. Tentei pedir-lhe desculpas, mas ela não as aceitou e chamou-me monstro. O resultado já você deve imaginar…

            Respirei fundo enquanto tentava imaginar o sofrimento daquela mulher. Doía-me o corpo só de pensar. Voltei às perguntas:

—Ela nunca mais voltou a pedir o divórcio?

            -Não. Ela tinha medo do monstro em que me tinha tornado… - A sua voz estava melancólica e algumas lágrimas tentavam escapar dos seus olhos, mesmo assim eu não conseguia ter pena dele.

            -Então ela só contou o caso à polícia há apenas umas semanas atrás?

            O homem voltou a acenar com a cabeça enquanto as lágrimas que ele tentara guardar começaram a escorrer-lhe pela face. Ele tentou esconder a cara, enquanto soluçava. É bom que tenhas vergonha daquilo que fizeste. Encostei-me na cadeira deixando que ele chorasse e soluçasse o quanto quisesse. Cinco anos. Quase cinco anos que aquela mulher sofreu às mãos daquele homem. E ele tinha a vida com que muita gente desejava. Um parceiro maravilhoso e um trabalho que desse para pagar as despesas, quem sabe se com o tempo não teriam também um filho, ou até mais, e pudessem ser uma família feliz… Mas não. Isso não iria acontecer. E tudo porque ele decidiu beber demais.

            Assim que o homem se conseguiu acalmar eu voltei-lhe a dirigir palavra:

            -Voltou a ter mais algum trabalho?

            -Tive alguns, mas eles não duravam mais do que umas semanas devido á minha constante falta de atenção…

            -Até quando vai a sua pena?

            -Quatro anos.

            -Ouça, enquanto estiver na prisão você vai refletir consigo mesmo e vai entender o quão precioso era aquilo que perdeu, se o não está a perceber agora mesmo. Pense nestes quatro anos como uma terapia para curar o seu vício do álcool. Vai ser doloroso mas você vai ter de se aguentar. Não faça nada que possa piorar a sua situação. Porte-se bem que ainda poderá sair mais cedo. Depois de sair, você começará uma nova vida. Arranje um trabalho o mais rápido que puder e aproveite os seus tempos livres para sair e conhecer outras pessoas, sem nunca tocar num pingo de álcool. Aconselho também a arranjar um hobby, para o ajudar a manter entretido. Tem de ter em mente que tudo o que você fez vai atormenta-lo para sempre na sua cabeça, vai ser uma batalha eterna, e também pode dificultar na busca de emprego. Quanto mais depressa aprender a viver com isso, mais depressa poderá seguir adiante. É tudo o que tenho para lhe dizer, espero que tenha ajudado.

            Ele levantou-se desajeitadamente da cadeira:

            -Ajudou imenso. Estou arrependido de tudo o que fiz e acho que a pena é justa. Voltarei a vir aqui quando acabar o meu tempo na prisão.

            Embora os olhos ainda estivessem vermelhos, ele tinha-se acalmado e cessado o choro:

            -Espero que quando nos voltarmos a ver, eu possa estar perante um homem corajoso e pronto para admitir o seu crime e viver com ele. Até esse dia, Connor.

            Estava a mentir. Não me importava minimamente com o futuro daquele homem. Por mim podia apodrecer na prisão.

            Despediu-se e saiu porta fora. Assim que a porta se fechou recostei-me á cadeira inspirando e expirando profundamente. Tinha conseguido aguentar. Às vezes arrependia-me de ter começado a consultar criminosos, mas cada caso com que me deparava levava-me a saber, cada vez mais, até onde a mente humana podia ir. No entanto, casos como este deixava-me sempre a pensar: “E se fosse comigo?”. O que faria eu se tivesse no papel da mulher? Diria logo o caso á polícia ou o medo tomar-me-ia durante cinco longos anos? Não sabia. O meu marido nunca me tocou num fio de cabelo de forma agressiva e a primeira grande discussão tinha sido apenas há alguns dias. Seria essa discussão um despontar de algo mais? Não. Embora não tivesse regressado nessa noite a casa, no dia a seguir ele pediu-me desculpas pelo seu comportamento, embora afirmasse que continuaria com os seus ideais assentes. Não o contrariei. Não havia razão para discussões. Um casal não precisava de estar sempre de acordo, ainda mais quando o assunto tinha originado por causa da morte da filha… Apertei o peito com força. Tinha que tirar aqueles pensamentos da cabeça. Ela tinha morrido, era verdade. A perda de uma filha é uma dor insuportável e o pior de tudo é quando o assassino ainda anda á solta…

Olhei para o relógio, não tinha mais consultas naquele dia e já era tempo de me ir embora. No entanto, quando comecei a arrumar as coisas recebi um toque da minha secretária. Atendi:

            -Tem uma rapariga do liceu para a ver.

            -Mas eu não tenho nada marcado, pois não?

            -Não, minha senhora.

            -Como se chama a rapariga?

            -Alice.

            -Estrutura física?

            -Não é muito alta. Tem os cabelos castanhos e ondulados e olhos também castanhos.

            -Mande-a entrar.

            Pela descrição parecia a rapariga por quem o meu filho estava apaixonado desde pequeno. Porque estaria ela ali?

            A rapariga entrou dando-me a confirmação de que era mesmo a Alice que eu estava a pensar. Estava mais velha do que me lembrava. Embora os cabelos permanecessem iguais, tinha uma expressão muito mais madura e tinha crescido um pouco. A sua voz também se tinha tornado mais adulta:

            -Desculpe-me a intrusão senhora Luísa.

            -Primeiro deixa-te da parte da “senhora” fazes-me sentir velha! E segundo, não é intrusão nenhuma, senta-te. Queres chá ou café?

            -Pode ser chá, se não se importar.

            Fiz chá para nós as duas e após estar servido perguntei-lhe:

            -Então conta-me lá o que te traz por cá?

            Ela bebeu um pouco do chá e disse:

            -Estou a precisar de alguém com quem desabafar e que me ajude a tomar a decisão certa e achei que você fosse a pessoa indicada.

            Também eu bebi um pouco do chá antes de responder:

            -E tinhas toda a razão, vieste ter com a pessoa certa. Conta-me tudo.

            -Bom, tudo começou na escola. Há um rapaz que eu gosto e ele geralmente trata-me sempre bem. Tinha reparado que ele começava a estar com um ar mais triste e depressivo e um dia tentei-o animar, mas ele foi rude comigo. Parando para pensar, talvez não fosse algo assim tão rude e desastroso, e ele também enfrentou um problema grave, mas naquele tempo senti como se tudo á minha volta se estivesse a partir. Nunca mais voltei a falar com ele e nem ele me dirigiu palavra.

            -Esse rapaz não seria, porventura, o meu filho?

            -N…Não! O seu filho é muito meu amigo mas n…nunca o vi dessa maneira! O rapaz que gosto chama-se… Lucas!

            Não precisava de ser psicóloga para perceber que aquilo que ela tinha dito era mentira. Tinha balbuciado todas as palavras e a sua cara tinha ficado vermelha como um tomate. Mas o que ela tinha dito intrigou-me. De facto o meu filho teve um período com um comportamento um tanto quanto depressivo e rude, talvez devido á ausência da irmã. Mas agora estava mais confiante, o que me fazia estranhar o facto de ainda não ter ido pedir desculpas á Alice… Será que já não gostava dela? Mesmo se esse facto fosse verdade, ele tentaria pedir desculpas na mesma. Algo estava a faltar na história dela…

            -Muito bem conta-me mais.

            Ela levou um pouco de chá aos lábios, antes de prosseguir:

            -No mesmo dia em que esse incidente aconteceu eu cheguei em casa e senti uma enorme vontade de desabafar. Como não queria dizer nada disto á minha família, decidi entrar num site de conversas. Aí conheci uma pessoa que me contou umas coisas acerca do grupo dos Unknowns…

            Aquilo estava a tornar-se interessante. Inclinei-me para a frente, colocando toda a minha atenção nela:

            -Que tipo de coisas?

            -Contou-me que tinha um amigo que tinha pertencido aos Unknowns e começou a agir de uma forma estranha, após algum tempo conseguiu descobrir o motivo. O amigo contou-lhe que eles eram uma rede de tráfico de drogas, e que arranjaram essa ideia de tornar o mundo virtual um lugar seguro para poderem juntar o maior número de pessoas possíveis. Quando as pessoas se juntavam eles mandavam um pacote com um certo tipo de alimento, como se fosse uma espécie de boas-vindas. Só que nesse alimento estava um tipo de droga que causava uma forte adição. Quando as pessoas ingeriam isso elas tinham uma vontade enorme de ingerir mais e era então que o grupo as contactava. Se queriam mais teriam de se juntar ao grupo, por isso não tinham outra escolha se não juntarem-se ao grupo…

            Então era assim que tinha começado o rumor que apenas tinha servido para um dia ou dois de debates na Internet, pois os Unknowns tinham conseguido desmentir todas as acusações, embora algumas pessoas, principalmente no grupo Knowns, continuavam a acreditar vivamente nisso. Talvez fosse melhor apresentar uma prova a Alice. Tirei o meu telemóvel e abri a minha conta no grupo dos Unknowns e mostrei-lhe:

            -Espero que não contes isto a ninguém, mas eu também pertenço ao grupo dos Unknowns, desde o começo, quando éramos apenas doze, e nunca recebi nada, nem nunca me obrigaram a fazer nada. Por isso, o que essa pessoa te contou é mentira.

            Ela abriu os olhos, espantada com o facto de eu ser membro dos Unknowns. Baixou a cabeça de seguida, dizendo em voz baixa:

            -Eu sabia…

            -Como assim?

            -No princípio acreditei e juntos criamos o grupo dos Knowns para conseguir acabar com os Unknowns. Muita gente que entrava dizia praticamente o mesmo e essa tal pessoa continuava a falar comigo diariamente. Eu contava-lhe tudo do meu dia-a-dia, e depois ele arranjava sempre maneira de eu continuar a fazer o que ele queria. Foi aí que eu comecei a suspeitar e a pensar que talvez não fosse assim como ele dizia. Agora tenho a confirmação…

            Tudo estava a fazer sentido na minha mente. Sim, tudo batia. Alice estava a correr um perigo imenso, mas eu não lhe podia dizer, nem deixar transparecer nada. Tinha de a ajudar. Não podia deixar que ela tivesse o mesmo destino que a minha filha mais velha. Só de pensar dava-me um aperto no coração:

            -Mas tu disseste-me que querias que te dissesse o que devia fazer, certo?

            -É que eu não sei se deva continuar no grupo e a falar com ele ou se deva sair… Mas agora como sei isto talvez lhe deva dizer e sair do grupo.

            Era a opção mais normal, de facto, mas tinha medo que ele agisse… Dei-lhe outra opção:

            -E que tal dizeres-lhe que te juntas-te a um clube de desporto ou algo do género e que com a escola e assim tens pouco tempo para o clube?

            -Mas não era melhor dizer-lhe logo a verdade?

            -Talvez não, pois ele pode-te começar a chatear para o resto da vida. Não queres isso, pois não?

            Ela acenou negativamente, acho que conseguiria salvá-la. Se pudesse dizer o mesmo da minha filha… Não. Não havia nada a fazer. Tinha de seguir em frente como sempre disse a mim mesma.

            -Olha, só por curiosidade, qual é que era o nome de usuário dele e o nome do site onde vos encontrastes?

            -O site chama-se Let´s Talk e ele chamava-se EagleEye.

            -Hummm… Ok! Tens mais alguma coisa para me dizer?

            -Não, é tudo. Muito obrigado senh… Luísa!

            Abri um largo sorriso:

            -Assim já gosto mais! Lembra-te que sempre precisares eu estou aqui! E qualquer membro dos Unknowns te pode ajudar a superar qualquer dificuldade!

            -Lembrar-me-ei disso! Mais uma vez, obrigada!

            -Até á próxima, Alice!

            Ela saiu e eu tirei o telemóvel mais uma vez. A minha mão começou a tremer. Finalmente. Iria confrontar o assassino da minha filha. Não tinha provas concretas, mas algo dentro de mim fazia-me ter absoluta certeza. Sentimentos negros rodeavam-me. Queria vingança. Vingança por me ter tirado uma das três coisas mais preciosas para mim. Eu sei que não a traria de volta, mas pelo menos podia-me acalmar o espírito. Abri o site e procurei pelo usuário EagleEye. Encontrei-o rapidamente. Respirei fundo e só então mandei uma mensagem a iniciar conversa:

            -Olá, preciso de alguém para falar e uma amiga minha recomendou-te. Será que me podes ajudar?

            A resposta veio pouco tempo depois:

            -Claro que sim, que tipo de ajuda precisas?

Dei um sorriso nervoso. Apanhei-te!


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Notas finais do capítulo

E então, gostaram? Estejam atentos até ao próximo cap!



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