As duas caminharam lentamente pelo corredor. Annie estava aflita, pensando em todos os problemas possiveis que teria que enfrentar dali em diante. Mas a pergunta que não saia de sua cabeça era : "O que aconteceu com John?"

Pela cara da Senhora Beth, não era uma boa noticia, ela estava calada e olhando para o chão segurando Annie e a desviando dos outros que estavam no corredor. Os olhos fundos e cansados diziam que ela tinha ficado acordada a noite toda e a expressão de espanto e descrença era o que mais denunciava que o pior estava acontecendo. 

Os olhos curiosos dos outros pacientes fazia Annie se sentir enjoada de tanta raiva, eles não tinham nada a ver com aquilo e então porque estavam olhando e cochichando? Se pudesse, ou tivesse forças para isso, dava meia volta e socava cada um deles. Mas logo elas passaram pelo corredor cheio e encontram um médico que estava de pé ao lado de uma porta de madeira.

- Como ele está? - Elizabeth perguntou soltando Annie

- Bem... melhor que antes, porém.. não está em seu melhor estado senhora, devemos alerta-la...

A voz do médico não parecia ser muito boa e pela experiencia que tinha com médicos, Annie resolveu arriscar um pequeno palpite.

- Como ele está se sentindo exatamente? - Ela disse com a voz meio tremula.

- Desculpe mas, quem é você? - Ele disse rudemente.

- Ninguem que você conheça, mas sou uma amiga de John, somos quase irmãos por isso respeite a minha pergunta... 

A voz de Annie saiu desafiadora, mas não intimidou o médico, ele só a deixou passar porque Elizabeth disse que estava tudo bem. Annie correu para dentro do quarto indo em direção da cama e se ajoelhando perto de John.

- Meu deus John... o que aconteceu com você...

Ele estava pálido, seus olhos avermelhados e inchados, tossindo muito e claro, deitado na cama todo coberto. Ele parecia um.... semi-morto.

- Eu estou bem.. - Ele disse com a voz meio fraca e logo tossindo - ... alias, vou ficar bem... nada demais, apenas uma crise...

- Mas... é a primeira vez que vejo você tendo uma! Digo... - Ela parou por um instante e pegou na mão dele - ... nunca teve nada desde que eu cheguei aqui... 

- Isso porque... - ele se sentou na cama e puxou Annie para si, a abraçando - ... você é o meu remédio... você é tudo pra mim, tem sido tudo pra mim Annie, não vê?

- O que? John.. eu não... entendo...

- Annie... - Ele a segurou pelos ombros a encarando com um doce sorriso - ... preciso mesmo dizer?

- Claro que precisa John... eu não entendo... o que...

Annie estava confusa e não conseguia dizer uma só palavra. Seu coração batia rapido, parecia martelar alguns avisos, seu peito doia e ela não sabia se era de felicidade ou angustia. O que John queria dizer com tudo aquilo? Ele estava debilitado e em uma cama, sendo atendido por varios médicos, porque logo agora ele resolveria contar tudo aquio? E tudo aquilo o que? Enquanto Annie se perdia em seus pensamentos John a puxou novamente colando seus lábios nos dela iniciando um doce beijo. De inicio ela respondeu, porém achou aquilo tudo muito errado e empurrou John o olhando assustada sem muito o que dizer á aquela situação.

- Sinto muito... fui indelicado com você? - Ele parecia decepcionado.

- Não... mas... me... assustou um pouco ... John, o que você fez agora significa uma coisa... que... é o que estou pensando?

- E seria outra coisa? Annie, meu coração pertence a você... - Ele disse docemente.

Annie continuou calada apenas o encarando.

- Acredita nisso, não é mesmo? 

- John... isso é... coisa demais pra mim, alias, por um dia... não... quer dizer, o dia mal começou e eu estou aqui no seu quarto, com você doente, e então você me beija e diz isso, eu não sei mesmo o que pensar... eu estou nervosa... 

- Não tem o que pensar ... - ele tossiu um pouco e logo voltou a falar - ... eu escolhi você, desde o inicio eu sabia disso, sabia que você seria a pessoa certa a ficar do meu lado neste momento, agora que chegou a hora...

- A hora? - Annie perguntou confusa.

- Annie... eu não quero ir... não posso... aquele lugar é... repugnante..

- Que lugar John?

- Aquilo costumava a ser meu lar... mas mudou muito de uns tempos pra cá... 

- Quanto tempo? Do que está falando?

- Annie... - Um medico entrou na sala e agarrou Annie pelo braço - ... Saia... 

- O que? Mas eu não terminei de falar com o John! O que é isso? Me larga! - Ela dizia gritando tentando se soltar.

- Precisamos leva-lo... 

- Leva-lo? Ele está doente! Leva-lo a onde? Não encostem nele!

Annie escutou apenas um "não me deixe ir" vindo de John e o médico a tacou para fora do quarto trancando a porta. Elizabeth estava saindo pela porta principal junto com outros dois médicos e então Annie correu atrás deles e olhando pela porta a onde estavam indo. O que ela achou mais estranho, era que eles entraram na floresta e todos os outros pacientes do local tinham sumido.

- Como assim entrando na floresta com um paciente? 

Quando Annie tentou abrir a porta de entrada ela estava trancada. Por sorte era de vidro, assim ela tomou coragem e quebrou o vidro com o corpo, se jogando e caindo direto na grama. Ela podia sentir alguns cacos de vidro que tinham ficado em seu braço se mexerem enquanto ela se levantava. Não tinha muito tempo para pensar no quanto seu braço estava machucado agora. Começou a correr até onde tinha visto eles pela ultima vez, mas antes de entrar naquela floresta, Annie olhou para trás, vendo que a pintura da casa estava velha e parecia muito mal cuidada, as flores do jardim estavam mortas, era como se tudo estivesse abandonado.

- Mais o que tá acontecendo aqui? - Ela perguntou assustada olhando para os lados, tentando encontrar sinal de vida, mas nada.

O unico jeito era encontrar Elizabeth, os médicos e John, que a tinha deixado na maior duvida do mundo. Na verdade, ela tinha conciencia de seus sentimentos por John, mas sempre tinha achado que era apenas um sentimento comum, que ela tinha pelo irmão, mas não era... e aquele beijo tinha a despertado de tudo. Mas a questão era, para onde tinham o levado e porque. Após incontaveis horas que ela estava correndo pela floresta Annie não sabia mais onde estava e nem tinha mais esperança de encontra-los. Foi neste instante que ela avistou o mesmo coelho branco parado ao lado de uma arvore e parecia machucado. Ela correu preocupada até o pequenino o pegando no colo.

- Senhor coelho? Você está bem? 

- Eu... eu.. eu... - ele disse com medo - .. estou bem... sim sim, bem! Mas ele não está, não está mesmo! Foi pego, não podia! não podia! - ele continuava dizendo indignado - ... meu trabalho foi em vão, a senhora! aquela senhora mentiu! mentiu para você e mentiu para nós! ela trabalha para a rainha!

- Rainha? A senhora Beth mentiu para mais quem? - Annie não estava mesmo entendendo nada.

- Sim! A Rainha recuperou seu premio! Eu tinha que cuidar dele e então você apareceu... tão parecida, tão igual! E não foquei em meu trabalho... - ele estava quase chorando naquele momento - ... a resistencia ficará tão desapontada com meu serviço! Foram anos escondendo ele, sim sim! E a rainha o levou embora, precisamos salva-lo Annie!

- Você sabe meu nome? Bom... não importa... sabe como podemos chegar lá? Realmente quero salva-lo... 

- Saber? Sim! Claro que eu sei! O coelho sabe tudo! Sempre sabe, vamos vamos! Não temos muito tempo...

Annie soltou o coelho no chão e o seguiu até uma gruta que ficava bem escondida atrás das arvores.

- Isso me levará até John?

- Não... não só ele Annie! - O coelho parecia bem apressado - ... mas a pessoas que podem ajudar você éé! isso mesmo, podem ajudar! Mas vou avisar, nada é mais igual, nunca é! O mundo de vocês muda, o nosso muda... tempos se passaram, lugares foram repostos assim como o seu... 

- O que?

Ela não estava entendendo nada, mas tinha que ir atrás de John e aquele povo maluco não é mesmo? Assim, entrou na gruta, mas logo no primeiro passo não tinha chão, era um buraco e assim Annie caiu nele e o coelho foi logo atrás. Enquanto ela gritava em pânico o coelho caia tranquilo tentando acalma-la. Eles cairam por algum tempo até atingirem o chão, o coelho caiu de pé e Annie... bom... Annie foi direto pro chão de cabeça e tudo esfolando ainda mais seu braço.

- A Senhorita está bem... bem ? - o coelho perguntou preocupado.

- Estou... se acalme amiguinho... - ela se levantou com um pouco de dificuldade - ... não sou eu que preciso de ajuda agora... vamos...

O coelho continuou andando e ela foi indo atrás. O lugar em que ela estava era meio indiscritivel. Muito parecido com a ideia que ela tinha da época medieval, mas logo uma ilha de prédios abandonados apareceu e ela não entendeu muito bem.

- Estamos em...?

- "Underland"... Bem vinda... 

- Pelo que li do diário de Alice... não... isso não tem nada a ver! Não pode ser, como tem predios aqui? 

- Já disse, sim sim, o nosso mundo mudou muito nesse intervalo entre você e a Alice... mudou ! Você deveria entender a logica, sim?

- Que logica!?

- Outros tempos... e mais tempos de repressão... você foi atraída para uma armadilha... armadilha! 

- O que? 

- Sim sim... existe alguém que pode lhe contar melhor Annie... bem melhor do que um velho coelho de 260 anos...

- Coelhos não vivem tanto assim... 

- Coelhos aqui... vivem sim.. até 1.000 anos... e é por isso.. é por isso... é por isso... - ele começou a ofegar meio nervoso

- É por isso?

- Que reconheceria a nova Alice em qualquer lugar... qualquer lugar!

- Não entendo nada... coelho... como? E quem pode me explicar o que está acontecendo? Armadilha... como assim? Eu foi trazida aqui de proposito?

- Pela Senhora... sim sim! Ela estava o tempo todo ao lado da Rainha...sempre esteve! Elas tem algum plano... um plano!

- Não acredito... - ela disse perplexa.

- Venha venha! Vou te levar ao Chapeleiro! Ele saberá o que lhe dizer sobre tudo o que está acontecendo, sim?

- Chapeleiro? Ah..sim... eu li sobre ele, mas...

- Não... esqueça Annie... esqueça tudo o que leu! - ele comentou nervoso - ... tudo mudou... tudo mudou! 

O coelho deixou Annie ainda mais confusa sobre o que estava acontecendo, mas de alguma forma ela sabia que tudo o que estava acontecendo ali estava ligado a ela e ao passado de sua ancestral, o curioso era que não parecia nada com o que ela tinha lido no diário de Alice, estava tudo muito modernizado e aquela cidade que ainda estava um pouco longe parecia totalmente abandonada, mas o coelho não iria dizer nada sensato se ela perguntasse, então era mais facil chegar até o chapeleiro e saber o que estava acontecendo com aquele lugar. 

Quando Annie se deu conta, já estavam na frente de um enorme lago que cercava a cidade e o coelho parou voltando a olhar para ela. 

- Você tem que atravessar... vamos... vamos! 

- Calma calma... estou indo... - ela disse colocando os pés na agua congelante - ... nada melhor do que entrar no mar de pijama... 

Ela disse ironicamente começando a nadar, com o coelho em suas costas a guiando. Nadou até chegar perto de um porto e finalmente em terra.

- Chegamos na cidade! Agora vamos vamos... - Ele disse saindo das costas dela e começando a saltitar - ...a loja de chá fica a alguns passos daqui, estamos perto! perto!...

- Vamos... vamos...

Não demorou muito para que logo Annie percebesse que a cidade era construida em cima dos prédios em uma altura extremamente esquisita. Porque eles não construiam as cidades no chão? É, um mundo onde coelhos falam e te levam a uma loja de chá deve ser muito normal. Eles chegaram logo e entraram na casa abandonada, bom... que parecia abandonada, lá dentro era chique com varias pessoas tomando chá.

- Achei que não tinha ninguém morando aqui na cidade, parece tão abandonada... 

- E não tem... eles são almas que apenas matam o tempo tomando um pouco de chá... se perderam pelo caminho sim sim... 

- Que assustador... 

Ela olhou com mais calma e viu que eles eram meio transparentes e esquisitos. O mundo deles tinha sido completamente dominado por uma Rainha má, a rainha de copas? Mas se o que o coelho dizia era verdade, tudo tinha mudado, então seria outra rainha? 

O coelho abriu uma porta e tacou Annie lá dentro dizendo que estava muito atrasado para contar as boas e más noticias as outras pessoas da resistencia. O que será essa tal resistencia? Não dava mais tempo de perguntar e assim que Annie entrou no lugar uma voz travessa veio de longe.

- Gostaria de uma xícara de chá? 

- É... não... não... obrigada... - ela disse meio incerta procurando o lugar de onde vinha a voz - ... onde você está... ?

- Aqui...

Annie continuou olhando para frente e logo uma das cadeiras brancas se virou mostrando um homem, com olhos fundos, um chapéu comum na cabeça, cabelos um pouco bagunçados castanhos e com uma roupa bem normal para o mundo dela, na verdade, ele tinha uma “Q” a mais de um malandro, um homem que mente, mas não tinha malicia em seu rosto, parecia mais puro do que o de uma criança com aquele sorriso bobo rondando seu rosto. A expressão dele era calma e parecia que a analisava dos pés a cabeça. Claro, ela estava totalmente ensopada e falando com um estranho nada parecido com o chapeleiro que Alice tinha descrito naquela diário. Agora sim Annie estava completamente perdida. 

- Será que poderia lhe fazer algumas perguntas? - ela disse se afastando um pouco.

- O coelho disse que você viria... é... pode sim, mas primeiro responda a minha... – ele se levantou e foi até ela - ... qual é o seu nome e o que faz aqui, então eu poderei lhe ajudar...

- Annie... e estou aqui para recuperar o meu amigo... é... amigo... John... ele foi seqüestrado e trazido para cá, não faço a mínima idéia do porque...

- E pensa que eu posso ajuda-la com isso não é mesmo? - Ele perguntou meio brincalhão puxando o braço dela.

- É... foi o que o coelho me disse... você pode me ajudar ou não? - Ela disse tentando se afastar dele

- Digamos... que... eu posso Annie...- ele a colocou no sofá e foi se sentar em sua cadeira.

- Mas antes... vamos tratar desse seu braço... - Ele disse enquanto levava a xicara de chá até a boca.

- Ah... claro... meu braço... - ela disse puxando a manga da blusa e vendo seu braço todo ensanguentado.