Fortuito escrita por Tamires Vargas


Capítulo 8
Contra a lógica há sentimentos


Notas iniciais do capítulo

Era para ser o último capítulo. Era...
Boa leitura!



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Naoko havia percebido a ausência de Hisoka. Fisicamente de início, depois da voz e por fim de notícias. O mágico abandonara o picadeiro sem deixar qualquer rastro. Uma perfeita execução de um truque de desaparecimento.

Sem Hisoka, Naoko caminhava mais uma vez de braços dados com a solidão. Não que ele fosse companhia, mas era a pessoa que mais imitava isso. Quem ela sabia que estava por perto, mesmo que esse estar fosse desagradável. Havia também um quê de sentimento de segurança. Como se entre eles tivesse um acordo silencioso: apenas uma pessoa no mundo poderia matar Naoko.

Hisoka.

Sem seu ceifador particular, o pescoço de Naoko estava livre para qualquer um que quisesse lhe passar a faca. E ela sabia que os lobos reconheciam o cheiro de uma ovelha indefesa. Era questão de tempo para que alguém ousasse uma emboscada.

Por semanas Hisoka fez questão de mostrar que estava por perto. Agora ele simplesmente desaparecia. Típico de quem deixa cair em algum canto aquilo que não mais lhe interessa. Encaixava-se com perfeição à personalidade dele.

Naoko concluiu rapidamente que Hisoka havia lhe tirado da estante de brinquedos para dispensá-la na caixa de objetos indesejados. Feito uma mudança, quando se escolhe o que levar e o que deixar.

Sentiu um incômodo na garganta. Aquele homem a infernizou tanto quanto pôde para num estalar de dedos sumir. Sem uma letra que justificasse. Nem mesmo o “a” de adeus. Passando de tormento à fantasma. De uma certeza repugnante a uma dúvida da memória: Hisoka de fato havia estado em sua vida? Com seu riso debochado, olhar desvairado, fala macia e provocadora? Seus sapatos de bico fino e aquele traje de arlequim? A maquiagem que lhe embranquecia o rosto, a lágrima falsa e o cabelo de um ruivo incomum? Aquele homem caricato, estranho e de caráter deturpado realmente existiu?

Sim. Naoko queria negar. Jogar Hisoka na dúvida, cobri-lo com esquecimento, misturá-lo ao devaneio. Fazer dele uma sombra de lembrança que dança entre o real e o imaginário. Melhor assim do que se perceber sentindo sua ausência, desejando que ela tenha em breve um fim.

De certo seu cérebro não aguentou a carga psicológica sofrida por culpa daquele demônio e registrava a ausência do estresse como a falta de algo que lhe era habitual. Por isso aquela sensação sem nome que fazia Naoko enxergar o mundo com uma lente diferente. Embaçada, envelhecida. Via com o olhar lento daquele que se arrasta por receio de deixar passar o que deseja ver.

Naoko não deixou de sentir, e sim, se acostumou. Precisava pensar na própria pele, em como sobreviver num mundo ainda recente para ela. Havia sido expulsa do ninho, mas ainda não tinha aprendido a voar. O dinheiro que ganhava lutando se multiplicava, porém, a melhor maneira de se manter naquele jogo era cair nas graças de alguém.

Reavaliou a proposta de Safina. Primeiro com a razão, depois os sentimentos invadiram a reflexão e a decisão se fez rápida. Conhecer Yahiko pessoalmente derreteu a frieza de Naoko. Nada no mundo a impediria de curar aquele garoto.

Feito a sua parte, Safina se pôs a fazer dele.

Naoko não precisou lembrá-lo. Continuou a lutar como antes, preparando-se para o dia que só sairia do ringue quando o coração parasse de bater. Mas esse dia se mostrava tão distante quanto inexistente. Não aceitava morrer pelas mãos de um inferior qualquer. Não via chegar quando seria pelas mãos de quem escolhera.

Naoko passou a lutar para se manter viva até entregar a vida a Hisoka. Para merecer ter sua vida tomada por ele.

Aos poucos Safina passou a requisitar sua companhia. Um almoço, um jantar, um lugar no camarote para assistir as lutas. Sempre cortês. Gentil até nas vírgulas. Cuidadoso ao falar, nunca tocando em assuntos que não havia recebido espaço para entrar. Ganhou com algum esforço a simpatia de Naoko, com mais outro, uma pequena parcela de confiança.

Queria oferecer a ela outra perspectiva. Não considerava lutar ruim, mas via em Naoko aptidões que seriam melhor aproveitadas em outras posições. Devagar mostrou a ela uma parcela de seus muitos negócios. Naoko relutou em participar, mas passou a aprender sobre eles.

Dado um tempo, os dois compartilhavam uma leve amizade que aos olhos dos outros tratava-se de um romance não assumido. Safina era um recém-viúvo e muitos se perguntavam quando ele poria fim a essa condição.

Safina era um porto. Naoko desejava tempestade.   

 

♥ ♠ ♣ ♦

 

O nome de Hisoka apareceu na lista de apostas outra vez.

Naoko mentiu para si mesma que havia ignorado, mas logo voltou seus olhos àquele nome: “Hisoka Morow”. Pela primeira vez buscou as informações sobre ele. Gravou tudo na memória. Assistiu a todas as lutas. Pôde ver que ele era um masoquista como constava em sua ficha. “Um masoquista idiota e desprovido de sanidade.” Um homem com sérios problemas psicológicos que “deveria morar num sanatório para o resto da vida.” Assim era ele.

Naoko estremeceu ao ouvir o nome dele sendo pronunciado por Safina e mais quando soube que passara por Hisoka sem perceber. Então cada ligação se tornou um convite para seu coração acelerar. O dia estava perto. Se pudesse o adiantaria, mas Safina havia lhe requisitado para auxiliar na organização do evento para os apostadores. Não poderia negligenciar sua obrigação.

Evitou ao máximo esbarrar com Hisoka naquela noite, porém um verme o favoreceu e logo se viu acompanhando seu anjo da morte para longe dos olhos das pessoas. Falharia com Safina dessa vez. Ansiava por dar fim a sua espera.

 

♥ ♠ ♣ ♦

 

— Não sabe dançar? — Hisoka brincou.

— Não.

— Me acompanhe, mas não só me acompanhe, sinta o movimento. Me sinta.

— Passei semanas me preparando para lutar, não pra dançar.

— Não é bom que possamos ter os dois? — Piscou.

Devagar Hisoka a conduziu no ritmo da música. Ele encontrou os lugares que suas mãos podiam ficar e viu Naoko sair do estado de tensão para retornar a sua neutralidade habitual.

— Você sabe se deixar conduzir. Gosto disso.

Naoko interrompeu a dança. Não queria o toque de Hisoka longe da sua pele. Não podia permitir que continuasse. Falhou em se separar. Puxou um pouco mais de ar.

— O que há entre você e Safina? — Hisoka iniciou.

— Negócios.

— E além disso?

— Nada. — Naoko franziu as sobrancelhas. — E se tivesse? O que você tem a ver com isso?

— É do meu interesse.

Naoko se afastou, fitando os olhos de Hisoka.

— Eu lhe devo uma luta. E vou dar tudo de mim nela. Até que eu não consiga me levantar do chão. Ponto final.

— Você pode pagar depois.

Apenas o cascatear da água da fonte se ouviu por minutos. Naoko procurava o que não entendia nas íris douradas. Hisoka devolvia o olhar. Os dois eram silêncio e dúvida.

— A luta não importa como antes.

— Você só pode estar brincando! — A voz de Naoko se alterou.

— Não.

Ela encostou na mureta atrás de si mesma e deixou escapar um riso irônico.

— Então o quer que agora, Hisoka? Vai dizer que sou eu?

A ironia fugiu do rosto dela no exato instante que ele afirmou. Naoko aproximou seu rosto do dele até alcançar uma distância íntima.

— Qual é o seu jogo agora? — A raiva doou à voz um tom rouco. — Ferra com a minha cabeça e agora quer me levar pra cama?

— É você quem está sugerindo a segunda parte. A primeira, eu assumo.

— Então o quê? Romance? Que tipo de maluco você é?

— Do tipo que quer pagar pra ver se minhas cartas estão certas.

Naoko respirou fundo. Precisava controlar sua raiva antes que ela se manifestasse de forma exagerada. A tentativa de abafá-la lhe gerou outro riso e logo Naoko passou a controlar a vontade de rir e os lábios trêmulos.

— O que suas cartas disseram?

Hisoka desviou o olhar para o lado como se tivesse averiguando se alguém se aproximava. Sentiu-se idiota por ter respondido sem medir as palavras e agora estava prestes a se tornar motivo de deboche. A única saída era mentir.

— Antes de eu te conhecer puxei uma carta para ver o que ela me diria sobre você. — Pausou notando a sobrancelha arqueada de Naoko. — Tirei a rainha de copas. — Exibiu a carta.

— E?

— É óbvio, não?

— Nem um pouco. Não sou taróloga.

— Uma rainha e um coração. Não é difícil de entender.

— O quê? Eu sou uma espécie de paixão prometida?

Hisoka não sabia como responder.

“Era melhor ter mentido. Sempre é mais fácil mentir.”

Naoko abafou o riso.

— Chega por hoje, benzinho. Você já encheu demais a minha cabeça. Ainda tenho trabalho a fazer, então aproveite a festa. — Despediu-se dando duas batidinhas no ombro dele.

Hisoka segurou sua mão. Fitou a expressão surpresa de Naoko. Suavemente trouxe os braços dela para seu pescoço. Um e depois o outro. Segurou-a pela cintura.

Naquele instante, Naoko lembrou da forma lasciva com a qual Hisoka agia de vez em quando e preferiu que ele estivesse lhe tratando assim. A seriedade implicava uma resposta clara, diferente das insinuações que poderiam ser cortadas com grosseria. Sentiu o abraço dele. Prendeu a respiração para impedir seu rosto de transparecer as emoções que lhe tomavam. Racionalizava tudo para não se perder nelas. 

— Eu sempre insisto até conseguir o que quero... Mas você não é uma coisa. — Hisoka tornou cativo o olhar de Naoko. — Então eu vou dizer uma vez e ficarei com a primeira resposta que você me der.

Os lábios de Naoko se desprenderam um do outro. O coração aumentou as batidas. O rosto sentiu um calor quase febril. Estava relaxada nos braços de Hisoka. Precisava sair dali.  

— Eu quero você. — Hisoka disse. Suave e simples. Sem deboche, malícia ou o tom afetado que costumava imprimir na fala.

A voz chegou à mente de Naoko com desconfiança. Não era possível que Hisoka se comportasse de outro modo que não fosse execrável. Menos possível ainda que estivesse falando sério. Quem em sã consciência se envolveria com alguém feito ele? Não existia escolher entre um “sim” e um “não”. Só havia uma única opção. Qualquer ideia fora de um “não” absoluto era inconcebível.

A brisa de um “sim” soprou em seus pensamentos. Naoko a afastou. Não fazia o menor sentido. Seria mesmo uma ideia ruim?

“Pouco tempo perto dele e já fiquei doente.”

Para Naoko, somente um estado patológico poderia distorcer seu julgamento sobre Hisoka e fazê-la pensar sobre ele algo diferente de “um homem detestável e insano.” Não havia nada de bom naquele ser. Se pudesse, teria escolhido nunca cruzar seu caminho.

Naoko ouviu ser chamada pelo ponto eletrônico em seu ouvido. Desvencilhou-se de Hisoka. Respirou alívio. Deu as costas sem dizer palavra.

 

♥ ♠ ♣ ♦

 

No salão, tudo se movia como memórias antigas. Embaçadas, entrecortadas, pálidas. O oposto da lembrança dos momentos que havia acabado de viver. Nítida, vibrante, cheia de detalhes. Hisoka e seu cabelo penteado para trás, seus olhos dourados, o rosto sem maquiagem que o fazia tão diferente.

Trocaram olhares muitas vezes. Hisoka sabia se colocar no campo de visão de Naoko. Inquietava-a. Chamava-a. Fazia-a perder o foco. Contudo, não por prazer ou diversão. Também estava inquieto, também era chamado, tinha ela como foco.

À meia-noite, os convidados começaram a se retirar. Os que ficaram tentavam extrair da noite as últimas gotas de bons acordos. Ainda havia bebida o suficiente para regar as conversas e música para embalar uns poucos sonolentos.  

Os pés de Naoko pediam pelo chão. Ela, porém, precisava manter a aparência de que estava plenamente disposta. Percebeu que Hisoka havia sumido. Procurou. Não achou. Respirou. De alívio e frustração. Pensara que ele não iria embora até ter uma resposta. Engano. Não havia tanto interesse.

O resto de gente se foi. Finalmente poderia partir. Iria sozinha. Safina havia iniciado uma conversa promissora e pediu desculpas por não poder acompanha-la. Deixou um motorista a disposição. Naoko agradeceu em pensamento por não precisar dirigir, apesar de detestar ocupar outro banco que não o do motorista. Ainda guardava emoções de quando sua mãe controlava sua vida.

Hisoka esperava do lado de fora embaralhando devagar suas cartas. Viu Naoko caminhar em direção ao carro e a abordou. Recebeu uma negativa. Voltar com ele estava fora de cogitação. Pediu a resposta ali mesmo. Silêncio. Era simples, não era? Não para Naoko. Sua voz havia secado da garganta.

 

♥ ♠ ♣ ♦

 

Três e quinze da madrugada. Uma batida na porta. Olhar cansado. Entrou sem dar explicações. Ela estava ali somente para entregar três letras. Ele havia matado o tempo de todas as formas possíveis.

 Hisoka queria tomar a resposta de uma vez. Um segundo era suficiente para definir. Prazer ou frustração. Ter Naoko ou extingui-la de sua vida. Acabou esquecendo de ser direto. Gesticulou para que ela se sentasse.

Naoko avistou as garrafas no bar. Intactas. Não sabia dizer, mas de alguma forma aquilo combinava com Hisoka. “Sem gelo.” Passou os dedos escolhendo a bebida que melhor desceria quente. Saquê. Serviu-se um dedo de copo. Virou. Encheu mais dois.

— Eu te escolhi para ser meu anjo da morte... — Fez o líquido girar dentro do copo. — Mas você sempre complica as coisas. — Virou-o. — Você gosta de estímulos. É masoquista e estranho. Parece um vadio. Tem sérios problemas psicológicos.  

— E você me escolheu como seu anjo da morte... — Hisoka arqueou a sobrancelha.

— Não vou morrer nas mãos de qualquer um. Você é forte. Morrer nas suas mãos vai fazer com que minha vida tenha valor. 

— Você quer morrer para que sua vida tenha valor?...

— Exato.

Hisoka procurou indícios de efeitos do álcool. Nada. Naoko estava sóbria. E sombria. Ou talvez melancólica. Preferia a primeira. Não tinha tato para lidar com a última. Não queria.  

— Viver desejando o amor de alguém que te odeia é uma vida medíocre. — Ela despejou três dedos.

— Não precisa encher a cara para desabafar. — Hisoka tomou o copo da mão de Naoko.

— Por que eu desabafaria com você?

— Falta de opção.

— Tem razão. — Naoko tomou o copo de volta. Virou. — Te incomoda que eu fique bêbada?

— Bêbados são irritantes.

Naoko desistiu da bebida e se sentou. O enorme sofá vermelhou a abraçou. Ela deixou o cansaço se derramar nele. Tirou as sandálias dos pés, girou-os em círculos, alongou-os.

— Sei que não se deve confiar na palavra de um mentiroso, mas prometa que me dará uma grande luta. Lute comigo como você luta na Torre.

— Procure outro para tirar sua vida.

— Eu escolhi você.

— Você nem ao menos tem um motivo válido. — A voz de Hisoka assumiu uma seriedade incomum e ele se colocou diante dela. — Está choramingando porque não consegue aceitar que aquela mulher te desprezava. Mesmo sabendo que ela queria sua cabeça, você continua apenas pensando como uma garotinha que foi rejeitada pela mãe.

Naoko sustentou o olhar por alguns segundos. A garganta queimava. A raiva a revolvia. A vergonha a continha.

— Vá. Para. O. Inferno. Hisoka — sussurrou trêmula.

Levantou, encarou-o. Repetiu as palavras. A garganta queimando mais. Foi traída por uma lágrima. Desejou desaparecer naquele instante. Gelou quando sentiu o calor na pele.

— Não vai mudar o passado. Vingue-se vivendo. — Hisoka manteve o polegar no rosto de Naoko. — Pare de chorar... Detesto ver mulher chorando. É irritante.

— Você é o ser humano mais detestável que eu já conheci.

— Não duvido.  

Outra lágrima banhou o dedo de Hisoka. Era incômodo. Tinha vontade de acabar com aquela cena de uma vez. Observava-a com total atenção. A gota deixando o mar azul, correndo pela pele, molhando seu polegar. Naoko contendo a raiva. Implorando secretamente para ser consolada. Era contraditório e fascinante.

— Você também tem sérios problemas psicológicos.

— Não admito ouvir isso de você.

— Então o que explica você estar aqui? Suas lágrimas sendo enxugadas pelo homem que você pediu para te matar.

Naoko intentou afastar a mão dele. Hisoka a pousou completamente sobre o rosto dela. O gesto os aproximou.

— Apenas viva. Não importa se você acha que tem valor ou não. Viver é vontade.

Hisoka estranhou as palavras da própria boca. Aquilo era uma tentativa de confortar Naoko? Não poderia. Não era de seu feitio fazer tal coisa. Só disse a verdade. Estava fazendo isso desde o começo daquela conversa estranha.

Seu pensamento foi interrompido pelo desconforto de ter em seus olhos os de Naoko. Um olhar que avançava para dentro dele, explorava e tocava. Um olhar que deixou de apenas ver e agora enxergava. Mergulhou no incômodo. Aproximou-se um passo. Tinha que ir devagar demais com ela. Havia aprendido. Era um ritmo diferente do seu. Deixava-o impaciente. Andar sentindo por inteiro os pés no chão era difícil para quem estava acostumado a correr.     

— Você não tem nenhum ressentimento? — Naoko sussurrou curiosa.

— Muda alguma coisa tê-los? Arrastar o passado como uma bola de ferro é a melhor maneira de perder tempo. E eu nunca desperdiço o presente.

— Diz como se fosse fácil.

— Prática, Naoko. Pura prática.

A falta de palavras tomou ambos. Havia ali um espaço em que elas não eram necessárias. O espaço do gesto, do toque. Lugar do qual Naoko se ausentou.

— Vou embora. O saquê começou a fazer efeito.

— Temos um assunto pendente.

— Amanhã, 19h. Te mando o local de manhã.

— Naoko...

— Nem um minuto a mais.

— Eu não vou lutar com você. Nunca.

Ela soltou um sorriso debochado.

— Não sou mais interessante?

Hisoka encarou os já ébrios olhos azuis. Úmidos, carregados de um olhar pálido que tentava imprimir força, mas desfalecia ao menor esforço. No fundo deles havia um pedido que contrariava a vontade de Hisoka. Contrariava a forma que lidava com uma mulher... e a si próprio.

— Você é interessante viva e inteira. — Sentiu como se não soubesse o que fazer com a própria língua. Mas que diabos de idiotice estava dizendo?      

— Você é estranho, Hisoka. — Naoko inclinou a cabeça. — De alguma forma bonito... Mas sua personalidade é péssima e seu caráter ainda pior.

Ele engoliu a resposta. Entregou um abraço. Não fazia sentido reagir assim. Era o que os olhos pediam. Ela devolveu. Deitou a cabeça em seu ombro. Ficou. A respiração tranquila de quem encontrou um lugar de descanso.

Era a pior coisa que ele poderia ter feito. Era indescritível. Aquilo era um sinal de confiança? Desafetos não se entregavam a um abraço. Não tocavam as costas do outro de forma tão suave. E as mãos de Naoko diziam “fique”.

— Estou cansada de carregar o passado e não sei o que faço com meu futuro.

— Apenas viva.

Ela aquiesceu. Encontrou ninho na curva do pescoço dele. Respirou ali. Hisoka relaxou junto. A mente inquieta com o rumo da conversa. Findaria a noite sem o fim da história. Ombro amigo era um eufemismo para dispensado. E lá estava ele bancando o idiota. “Patético!” Imaginou por um segundo Illumi rindo de sua cara.  

Naoko deslizou seu rosto no dele até os narizes se tocarem. Afastou-se um pouco. Passeou os dedos pela face nua de Hisoka enquanto lhe admirava. Delineou devagar os lábios. Sentiu o beijo em seu polegar. Então sua mão foi colhida pela de Hisoka e delicadamente beijada. Os nós dos dedos. As falanges. O pulso.

De olhos fechados Hisoka descobria a pele de Naoko. Com os olhos ébrios, Naoko acompanhava a descoberta. O coração dele acelerado pelo esforço de controlar a ânsia de ser objetivo. O de Naoko devagar como se ajustasse seu ritmo aos beijos de Hisoka. O encontro entre os olhares fez o tempo caminhar devagar e Hisoka percebeu que a aflição do seu esforço lhe doava um prazer diferente.

Os lábios de Naoko se aproximaram e, feito um rio que desagua no mar, encontraram os dele.


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Notas finais do capítulo

Até a próxima!



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