Lucille - A Pedra Nihil escrita por Karolamd


Capítulo 1
Prólogo


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Lucille pegou o celular em sua mochila. Estava caminhando há algumas horas, e o álbum Never Mind já entrava em seu sexto loop. Por mais que as músicas estivessem conectada a um nível espiritual ao seu humor no momento, ela já se cansara de ouvir qualquer som. Queria um pouco do silêncio da rua escura a sua frente. Para os observadores ela era uma figura peculiar, andando pela estrada mal cuidada de uma cidade que ela nem sabia nomear, Lucille usava um coturno preto de salto gigantesco, que a elevavam para muito além de sua pouca estatura. O cabelo era de um cinza claro. As pálpebras bem maquiadas deixavam seus olhos castanhos, que em condições normais eram ingênuas amêndoas, em orbes desafiadoras e hostis. Os cílios gigantescos, curvados, quase alcançavam as sobrancelhas bem desenhadas. A garota usava uma jaqueta jeans muito maior que seu próprio tamanho, uma blusa preta de alças finas, e uma saia longa e quadriculada. Sua armadura, sua vestimenta para a batalha diária que era sua vida.

Lucille não tivera o começo de vida fácil, e nem um crescimento comum. Lucille não era de maneira alguma uma pessoa comum.

Abandonada em frente a um orfanato numa cidade pequena e interiorana de Santa Catarina, ela descobriu que podia fazer coisas que as outras crianças não conseguiam. Enquanto seus amigos mostravam habilidades de leitura, coordenação motora ou lógica, a garota aprendeu que conseguia levitar objetos, fazer com que eles desaparecessem, pausar o tempo, entre outras várias coisas. Isso fez com que os pobres e simples trabalhadores do orfanato a acusassem de ser o "anticristo", disseram que ela era filha do mal, e que não poderia mais continuar naquele espaço. Eles a transferiram para um orfanato na capital, Florianópolis, onde ela foi adotada por Adelaide.

Foi ai que a vida de Lucille começou a mudar. Adelaide não era a simples bibliotecária que aparentava ser. A mulher era uma estudiosa do ocultismo e dos fenômenos paranormais. Ela não só sabia o que Lucille era, como conseguiu ajudá-la a desenvolver seus poderes, poderes esses que se mostraram muito mais fortes do que qualquer uma delas presumiu.

Quando atingiu a idade de quinze anos, a garota já dominava a prática da necromancia, as artes do caos, os quatro elementos, a leitura do futuro e o controle sobre o tempo. Ela e Adelaide eram melhores amigas, inseparáveis. Foi Adelaide quem lhe apresentou o universo da maquiagem, as nuances do estilo grunge, a importância de parecer mais forte do que se sente. "Nunca perca a confiança em si mesma, minha querida", dizia ela. Foi sob s influência de sua mãe adotiva que Lucille aprendeu o gosto pela leitura, o amor pelas coisas antigas e clássicas, e a noção de que seus poderes não poderiam ser usados para fins maléficos.

Tudo parecia perfeito na vida das duas, Lucille, orientada por Adelaide, ajudava a comunidade com seus poderes, e tentava ao máximo não chamar a atenção. Mas então em uma tarde, há uma semana da garota completar dezoito anos, veio a notícia, um aneurisma que a qualquer momento poderia estourar. Lucille implorou para Adelaide que a deixasse interferir com seus poderes, mas a mulher apenas agradeceu, e disse que as vezes a natureza não deveria ser alterada, que o curso do rio não deveria ser desviado.

Quando a hora de Adelaide chegou, quatro meses depois da descoberta fatídica, Lucille sentiu-se impotente pela primeira vez em sua vida. Recebeu a notícia de que todos os pertences de sua mãe adotiva, agora eram delas. Entrando uma vez mais no apartamento aconchegante e bem organizado que ela dividia com Adelaide, cheio de fotos das duas e dos móveis que sua mãe tanto adorava, Lucille soube que não poderia permanecer ali. Incapaz de vender o imóvel, a garota descobriu inquilinos respeitáveis, e com o dinheiro do aluguel, começou a seguir uma vida nômade, indo de cidade em cidade, ajudando aqueles que necessitavam contra as forças maléficas que atuavam em todos os lugares.

Os humanos em geral eram alheios aos fenômenos sobrenaturais, exceto por algumas mentes mais esclarecidas, como a própria Adelaide, a sociedade de pessoas comuns permanecia em uma confortável ignorância quanto ao verdadeiro mal que rondava cada esquina. Sua mãe adotiva a ensinara sobre as criaturas que se escondiam na escuridão, e Lucille, com seus poderes, podia combatê-los sem grande esforço.

Enquanto ela caminhava naquela rua escura, em algum lugar entre o fim de Santa Catarina e o começo do Paraná, ela imaginava que tipo de monstros espreitavam na floresta ao seu lado esquerdo, ou dentro das pequenas casas a sua direita. Enquanto a garota arrancava os fones de ouvido e os jogava novamente na mochila, pensou em qual hotel passaria a noite. Os Ribeiros, casal que alugara seu apartamento, não falhava um único mês, e sempre a ligavam para falar que haviam depositado o dinheiro na conta. A menina tinha uma boa quantia no momento, e poderia escolher algum bom hotel.

Ficar por muito tempo em qualquer lugar a deixava receosa, era um conforto que parecia frágil como o gelo das geadas, Lucille sempre sentia que sua felicidade ia se quebrar, desfazer, então ela caminhava, usando sua resistência sobre humana, para qualquer lugar que seus pés resolvessem levá-la. Se tivesse alguma sorte a cidade a qual chegaria teria uma biblioteca onde ela passaria boa parte do seu tempo.

Lucille divisou um letreiro de hospedagem entre as luzes da cidade mais próxima, e aumentado o passo, resolveu que escolheria um bom quarto e materializaria seus livros e computador assim que se instalasse, passaria a noite procurando por alguma notícia estranha, ou acontecimento incomum que significassem que precisavam dela, mas antes que pudesse chegar a metade do caminho, a garota ouviu um grito floresta a dentro.

A garota se virou quase que imediatamente, começando a correr mata a dentro, em direção ao som. Sua mochila de desmaterializou em suas costas, e salto gigante sobre o qual ela estivera, diminuiu até chegar próximo ao chão, ela não poderia se dar ao luxo de distrações.

Correu, e com um movimento fluído da mão, foi como se tudo ao seu redor entrasse em câmera lenta. A leve brisa que vinha curvando as árvores diminuiu, e tudo no raio de quinhentos metros ficou em um estado de lentidão.

Logo Lucille chegou em uma clareira na floresta, e iluminados sob o luar prateado estavam três figuras vestidas com longas vestes e capuzes cobrindo seus rostos, ao lado delas uma garota era vagarosamente erguida por um ser grotesco, que a Lucille sabia, era um demônio de ordem inferior. Com a cabeça de um javali, corpo de um homem, e longos chifres de antílope, a criatura emanava uma aura distorcida característica dos seres demoníacos.

Lucille fez com que o tempo voltasse ao seu curso normal, e os gritos, até então arrastados da garota, voltaram a histeria anterior. Com outro movimento Lucille retirou a jovem das garras da criatura que a tomaria como uma oferenda. O demônio pareceu surpreso a princípio, assim como os encapuzados e a garota. Mas logo a criatura se enfureceu, investindo contra a garota com poderes, que estendeu a mão aberta, respirando fundo. O demônio parou no ato, como se uma parte invisível o impedisse de continuar.

­Volta pro inferno. — Ela disse apenas, fechando seus dedos ao mesmo tempo em que o demônio era consumido por chamas, se desfazendo em uma fuligem que se uniu ao chão e desapareceu.

Lucille se virou para as três figuras encapuzadas, que pareciam estáticas de medo. Entre eles havia um livro, e mesmo que a garota não pudesse ler o título, sabia que era um daqueles exemplares ocultistas que ensinavam a fazer invocações. — Me entreguem o livro. — Disse, a mulher que serviria como sacrifício soluçava alto atrás dela.

O livro foi jogado na direção dela, e os três começaram a correr em direção a floresta. Lucille suspirou, provavelmente eram jovens imbecis demais para entender com o que estavam brincando, querendo se envolver nas artes maléficas. Finalmente Lucille se virou para a mulher, que tinha o rosto inchado do choro, e o corpo sujo da terra onde estava.

— Você está bem? — A menina perguntou, ao que a outra acenou que não – Qual seu nome?

— Carla. — Disse entre soluços.

— Certo Carla, você me diz onde mora, e eu te levo até lá, O.K.? — A mulher acenou que sim.

Depois de deixar Carla em segurança, há quatro quilômetros dali, Lucille pensou em como era comum que ela tivesse que interromper rituais como aquele. Só naquele mês ela já o fizera sete vezes, mas com alguma sorte ela assustara aqueles jovens o suficiente para desencorajá-los a tentar uma segunda vez.

Voltando todo o caminho que fizera até a casa de Carla, ela encontrou um bom hotel, com uma vista para a praça no centro de Mafra, uma cidadezinha sem grande apelo turístico, mas que parecia ser um bom ponto de parada. Lucille deitou na cama macia, e antes que pudesse relaxar para ler, ela teve uma visão.

Um homem com olhos azuis gélidos a olhava com satisfação, a menina sentia o roçar de uma corda em seus pulsos, e algumas exclamações de vitória eram gritadas as suas costas. Havia uma joia de aspecto caro nas mãos do homem, ela soltava um leve brilho.

Antes que Lucille pudesse ver mais, a visão acabou, a garota quase caiu da cama, escorregando pela colcha. Seu coração estava acelerado e seus sentidos se aguçaram. As pessoas da visão estavam vindo atrás dela.


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Notas finais do capítulo

Desculpem qualquer erro, se gostaram do capítulo me deixem saber :D



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