Através do Tempo escrita por Biax


Capítulo 3
Caça ao Livro




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Aloys terminou de comer e levantou com o prato e os talheres. — Onde posso lavá-los?

Rebeca indicou a pia. Ele foi até lá, a analisou, e olhou para garota, meio perdido.

— Deixa que eu lavo. — Levantou e foi até ele, pegando a louça e a colocando dentro da pia. Pegou a esponja, colocou detergente e começou a ensaboar, seguido do enxágue.

— Oh! Funciona igual aquilo do banheiro. — Aloys disse, fascinado. — Como você aprendeu as coisas daqui tão rápido? Queria entender como você chegou aqui primeiro, na verdade.

— Não faço a menor ideia. — Terminou de levar e deixou a louça junto com o resto, escorrendo. O olhou. — E agora?

— E agora o quê?

— O que você vai fazer agora? Vai procurar seu livro?

— O livro é seu... — comentou, meio triste — Não sei o que você fez com ele.

— Muito menos eu — falou um pouco impaciente. — Escuta, de onde você veio? De outra cidade? Você é um mendigo?

— O que é mendigo?

— É uma pessoa que não tem onde morar, não conhece niguém, não tem nada na vida e fica vagando por aí.

— Que horror... Não, eu tenho onde morar, é a... — Olhou ao redor. — Acho que não é mais aqui... Está tudo tão diferente... É, eu não tenho mais nada, realmente.

Rebeca sentiu-se mal por ter tratado o garoto tão grosseiramente. Em nenhum momento ele havia levantado a voz com as ironias dela. Ele não parecia merecer isso.

— Bom, veremos isso. Você tem algum lugar em mente? Onde o livro poderia estar?

— Não. Naquela confusão toda, não sei onde você o colocou. Talvez tivesse o enterrado no quintal?

— Boa sorte para cavar esse quintal todo. Não tem outra opção? — Eu realmente estou caindo na história dele? Eu acho que estou bem entediada.

— Não sei. São muitas possibilidades — comentou, pensativo.

Essa história está mal contada. Bom, o que vou perder entrando na onda dele, né? — Tudo bem, estava de noite, certo? Você disse que estava de noite quando aconteceu.

— Sim, estava.

— E o que você fez?

— Eu só me lembro do barulho das pessoas. Estavam começando a colocar fogo na casa. Eu falei para você correr. — Colocou a mão direita na testa, parecendo fazer força para se lembrar. — Eu... te puxei para fora e corremos para a floresta... — Estava fazendo tanta força que começou a ficar vermelho.

— Ei, não se force. — Rebeca tocou o ombro dele.

Aloys permaneceu de olhos fechados, e um pouco depois levantou a cabeça e olhou para ela. — Você estava com o livro... Corremos bastante... Até que não tínhamos mais fôlego. Você... estava chorando quando paramos. Você se ajoelhou no chão com o livro e o abriu, procurando algo. Eu perguntei o que você estava fazendo, e você me mandou calar a boca. — Deu um sorriso fraco. — Você começou a lê-lo baixinho. Com todo aquele barulho eu não conseguia ouvir. Então você terminou bem quando eles estavam perto de nós. Você pegou o livro e voltamos a correr. Estávamos correndo mais rápido ainda, mas tudo começou a ficar mais escuro, eu fiquei atordoado, e acho que desmaiei. E então senti-me caindo no lago. Assim que levantei, estava claro e silencioso.

— O que você quer dizer? O que ela... eu fiz?

— Você me salvou. Você fez um feitiço e me salvou — disse sério. — Fiquei com medo de que não tivesse conseguido se salvar. Você... se lembrou de algo? — perguntou, esperançoso.

Rebeca o olhou, não sabendo se dava risada, mas com um pouquinho de medo daquela história. — ... não.

Aloys suspirou e voltou a sentar-se na cadeira, apoiando a cabeça nas mãos. — Eu preciso pensar.

Ele está querendo dizer que ela/eu era uma bruxa? Realmente ele...

Por que Rebeca seria a pessoa que ele diz? Sua vida sempre foi normal, sem muitos altos e baixos e muito menos com feitiços e livros estranhos. Só os livros de matemática, mas aquilo não contava.

— Sinto muito por não conseguir te ajudar.

— Tudo bem, você não tem culpa. — Sorriu de forma compreensiva. — Você sempre cuidava de tudo, agora é minha vez de cuidar. — Levantou. — Já sei onde podemos começar a procurar.

— Onde?

— Na floresta. Eu falaria que poderíamos procurar no celeiro, ou no galinheiro, mas duvido muito que você tivesse tido tempo de ir até lá.

— Na floresta...? — perguntou, receosa.

— Sim... O que foi?

— Eu... não acho aquela floresta muito convidativa.

— Você está com medo? Eu estarei com você.

Rebeca engoliu seco. Seu medinho por florestas grandes sempre foi irracional, assim como todos os medos, claro, mas agora parecia um pouco pior. — Tá... Vamos lá.

Os dois saíram de casa e atravessaram o quintal, parando próximo do começo da floresta.

— Estou aqui. — Aloys disse. — Quer segurar minha mão? — Estendeu a mão para ela.

— Não. — Cruzou os braços. — Vamos logo.

Ele riu e entrou na floresta, e Rebeca seguiu logo atrás. Aloys olhava todas as árvores, na raiz, ao redor, na grama, procurando algum sinal de terra que foi retirada. Rebeca olhava também, mesmo sem saber exatamente o que procurar. Eles andaram até chegarem no lago.

— Uau, que lindo. — Rebeca falou olhando o horizonte.

— Sim, é mesmo bonito.

Ela foi até próximo da água, pisando nas pedrinhas. Agachou e tocou a superfície. Mesmo estando gelada, mexeu nas pedras de diversas cores, até que algo diferente chamou sua atenção. Tinha algo brilhoso um pouco mais a fundo. Ela deu um passo para frente e mergulhou a mão até alcançar o pequeno objeto, e o olhou de perto assim que pegou. Era uma corrente de ferro, com um pingente do mesmo material. Era um crucifixo simples.

— Olha o que eu achei. — Levantou e foi até Aloys, mostrando a corrente.

Ele ficou surpreso e a pegou. — Onde você achou?

— Estava preso entre as pedras. É seu?

— Sim. Você me deu de aniversário. Eu não havia percebido que tinha perdido. Obrigado. — O colocou ao redor do pescoço.

— Por nada.

— Creio que não acharemos o livro aqui — disse olhando ao redor. Do nada, encarou Rebeca como se tivesse lembrado de algo e saiu correndo de volta para a floresta.

— Ei! — Rebeca correu atrás dele.

Correram e ele parou em uma árvore, não muito perto do lago, e olhou para cima. E então começou a escalá-la.

— O que você está fazendo?!

— Eu preciso olhar ali em cima — disse subindo rápido. Quando chegou perto do topo, olhou algo dentro da árvore, mas por sua cara não havia nada ali. Desceu e pulou para o chão. — Eu tinha certeza que poderia estar ali.

— Por que o livro estaria ali?

— Ali é uma toca de corujas... pelo menos era. Todos os dias você subia nessa árvore para ver o casal de corujas que morava ali. Eles estavam sempre com filhotes, e você os alimentava. Ninguém nunca tinha visto você fazer isso além de mim, então seria um bom esconderijo.

Rebeca balançou a cabeça levemente, sem saber o que falar. Isso pelo menos era a cara dela. Subir em uma árvore para alimentar animais. Já tinha feito isso com pássaros quando pequena. Pegava as minhocas que tinham no jardim, as colocava em um pote e subia a árvore para alimentar os passarinhos.

— E agora?

— Não sei.

— Podemos voltar para casa? — Aquela floresta a estava deixando gelada. Por dentro e por fora.

— Claro. Vamos.

Os dois voltaram para dentro de casa e sentaram-se na mesa. Ficaram se olhando um tempo. Rebeca soltou o cabelo e deixou o elástico em cima da mesa.

Aloys apoiou a cabeça na mão. — O que você fez com o cabelo?

— Como assim?

— Está liso. Seu cabelo é cacheado.

— Não é não. Meu cabelo é ondulado.

Ele coçou a testa. — Não estou entendendo mais nada. — Voltou a olhar para o rosto de Rebeca. De repente, levantou, e por cima da mesa, puxou a gola da camiseta dela para o lado, deixando o ombro direito à mostra.

— EI! – Rebeca se esquivou, puxando a gola de volta, ficando vermelha. — O que pensa que está fazendo?!

— Eu só queria ver se você ainda tinha sua mancha. — Voltou a se sentar.

— Como você sabe que eu tenho uma mancha no ombro? — A mancha era um pouco menor do que uma moeda pequena.

— Eu sei, já a vi diversas vezes. Eu só quero ter certeza que não estou ficando louco.

— Quem vai ficar louca sou eu — resmungou, encarando o teto.

Rebeca gelou ao ouvir o barulho das chaves na porta da frente.

— Ferrou. — Levantou. — Escuta aqui, é a minha mãe. Não vem com esses papos de louco com ela, entendeu? Aja como uma pessoa normal, e não abra a boca a não ser para falar "oi".

— Tudo bem — concordou, estranhando.

— V-você vai ser um colega da escola, tá bem? Finge que é da minha escola.

— O que é escola?

— AGORA NÃO. Não fala nada! — Aloys a olhou assustado e concordou.

A mãe de Rebeca, Maristela, entrou na casa cheia de sacolas. Fechou a porta e já viu sua filha e um garoto sentados na mesa. Encarou a filha, já estranhando.

— Oi mãe...

Maristela deixou as sacolas na pia e deu um beijo em sua filha, e olhou para o garoto.

— Esse é... o Aloys... da escola — apresentou.

— Oi, Aloys. — Sorriu. – Seja bem-vindo. Por que não me disse que um colega viria? — perguntou a ela.

— Eu esqueci. Tenho que fazer o trabalho com ele.

— Ah, tudo bem. — Voltou sua atenção as sacolas.

— Vem, vamos subir. — O chamou.

Ele levantou e seguiu Rebeca para o andar de cima, e entraram no quarto dela. Ela sentou na cama, suspirando. Aloys olhou ao redor, para todos os cantos do quarto. Olhou o guarda-roupa, a escrivaninha, a cômoda, os posters na parede, a poltrona e a cama.

— Senta aí. — Rebeca apontou para a poltrona.

Aloys sentou-se. — Hm... Confortável.

— Agora temos que fingir que estamos fazendo o trabalho. — Levantou e sentou na cadeira da escrivaninha, ligando o notebook.

— Você não me disse o que é escola... e trabalho.

— Escola é um lugar bem chato onde você aprende coisas, números, línguas, história. E trabalho é o que a escola manda fazermos para não termos tempo livre.

Aloys levantou e sentou na beirada da cama, encostando na grade e olhando para o notebook. — O que é isso?

— É uma caixinha mágica onde você pode acessar uma coisa chamada internet. Você pode pesquisar tudo o que quiser.

— Tudo o que quiser? Será que podemos pesquisar sobre o livro?

— Duvido muito que tenha algo tão especifico assim. Meio impossível.

— Beca?

Os dois se viraram para a porta. Maristela estendeu a câmera para a filha. A havia esquecido na mesa da cozinha.

— O que as roupas de doação estão fazendo na mesa?

Rebeca pegou a câmera. — É que... quando ele estava vindo pra cá, tropeçou no barro e sujou a roupa dele, então peguei essas que ele está vestindo. Achei que não teria problema.

— Não, tudo bem. Só queria saber. — E saiu.

— É estranho você não se lembrar de nada do que aconteceu, mas lembrar de tudo o que fez aqui. — Aloys comentou, olhando para ela.

— Bota estranho nisso — sussurrou para si mesma.


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Notas finais do capítulo

Obrigada a quem está lendo. Quero saber o que vocês estão achando! Comentem!

Até o próximo :*



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