A ovelha chama

E o lobo ataca.

É assim desde sempre

Desde os tempos das Parcas

A ovelha chama

E o lobo ataca

Era uma interessante dupla. Interessante, intrigante, improvável. Predador e presa, aliados. Predador e presa, interligados. Quem resistiria então? Com tanto poder mesclado? Quem resistiria a esta infame união? Ovelha amável, lobo de ambição. Juntos, sim! Juntos! Comandando a todos da Floresta! O lobo que forma, a ovelha que leva.  Então, os outros bichos nem desconfiam... Que a ovelha serve ao lobo soturno. Lobo e ovelha caminham lado a lado. Ovelha, diurna. Lobo, noturno. Ovelha, centelha. Lobo, incendiário. Ovelha que murmura em mélica voz gentil. Lobo que ordena com voz de fogo ardil. Lobo, ovelha... Duas entidades. Ovelha assegura o bem, lobo a maldade. Lobo e ovelha... Sempre tão desiguais! Ovelha festa santa, lobo bacanais... Ah, como a ovelha fora cair ao charme deste lobo? Como, pelos deuses, isto sustentar? Claro que sua vida estivera em jogo... Caninos pontudos, lobo a uivar!

Lobo e ovelha. Liberdade e opressão. Lobo e ovelha. Submissão e vaidade.

Ovelha detém conhecimento, mas lhe falta a lábia do lobo encarniçado.

Lobo detém tudo – Nada escapa de seus olhos agitados – Mas não entende, realmente não compreende a beleza de estar livre no prado.

Ovelha, tudo prega. Lobo, tudo mente. O que ovelha nega, lobo consente. Lobo foge do reino da morte, ovelha entrega tudo à sorte.

Lobo e ovelha. Reinado de dor e amor!

Porque se sentes desejosa, ovelha? Para com este que é teu eterno algoz? Porque não matas logo, Lobo? A esta que lhe é tão apetitosa? Sei que tu estas a pensar: Ovelha é boa de prosa. Ovelha é quem deve caçar, tanto seguidores, tanto o jantar! Lobo precisa fanfarrear! Lobo precisa reinar! A verdade é esta: Se o leão é o rei da savana, porque não ele é o rei da floresta?! Mas tão rígido é este lobo... Quer empurrar tudo ao povo! Despótico, a ovelha lhe chamou. Isto é uma questão de ótica, o lobo retrucou. Mas, de qualquer forma, é assim que ela lhe ajuda: Todos confiam na ovelha vestida de lã. Todos confiam naquela que é considerada sã. E assim, lentamente, um a um... Viam-se todos ligados, aquele lobo mirrado. Claro que ao mesmo tempo, o lobo observa calado, a ovelha dormir ao seu lado. Sempre ao seu lado.

Lobo resiste à fome

Ovelha resiste ao resto de sanidade

Lobo reaparece e some

Ovelha acata com veracidade.

É noite daquelas silenciosas

Portanto, a ovelha descansa.

O lobo não ergue sua voz

Ovelha é protegida pelo lobo feroz

E o lobo feroz é protegido por sua ovelha querida

E há continuar assim, sempre assim

Por toda uma vida

Porque quando o Lobo ordena

A ovelha chama

E o lobo ataca.