A Criança da Vontade Suprema escrita por Stavroguin


Capítulo 1
Capítulo único




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Meu nome é Laura. Hoje tenho 22 anos. Tem algo que me incomoda, tenho que contar a alguém. Não se preocupem, eu falarei o mias rápido possível - mas ouçam, por favor.

Quando mais nova, trabalhava informalmente como empregada na casa de algumas mulheres que conheciam minha mãe - que também era empregada. Não éramos "empregadas": não era um emprego formal. Éramos só ajudantes, fazíamos um serviço e recebíamos por isso. Nisso, acabei conhecendo algumas famílias, e tem de tudo: há boas e ruins, depende da sorte da gente. Mas tenho que dizer que uma delas me chamou atenção - até demais.

Sabem, em algumas dessas casas havia crianças, e eu sempre me dei bem com os pequenos. Mal posso esperar por ter eu mesma um. Não sei se vocês se lembram, mas é costume as crianças se apegarem aos outros, mesmo que sejam só visitantes ocasionais. Quando se apegam muito a esse visitante como choram quando ele tem que partir - parece até que se está tirando uma parte das coitadinhas. E para mim esse era um costume: já vi uma vez um garotinho de uns 5 anos trancar a porta e sair correndo pela casa, desesperada, implorando com os olhos para que eu não partisse. Para mim isso era o normal - nessas situações, eu costumava me acocorar diante delas para ficarmos com a mesma altura, e então, eu a olhava bem nos olhos, sorria e dava um abraço cheio de carinho. Em seguida, é claro, pegava a chave e ria um pouco com o desespero delas - no fim, elas acabavam aceitando e pediam para eu voltar. Não me julguem, foi a solução que eu encontrei para não vê-las chorar!

Mas como já estou me prolongando muito,vou ao caso de um garotinho em particular, que é o motivo de eu estar aqui. Eu fui para a casa dos pais dele à primeira vez. Ele morava com a mãe, os pais eram divorciados. Era um rapazinho franzino, com olhos altivos e encantadores. À primeira vista ele não me deu atenção - eu varri, espanei, estopei a casa - enfim, limpei tudo - e fui embora, e ele nem me notou, até pareceu ter um certo desprezo por mim. O que dizer, eu era só a faxineira, nada além disso. Na minha lista mental, este seria apenas mais um dos casos em que a criança não se apegou a mim - o que tornaria mais fácil a separação, já que eu só era chamada de vez em quando para as casas.

Mas nas vezes seguintes em que fui a casa da Cecília, a mãe do garoto, ele começou a me observar mais e mais, e, como o garotinho que contei há pouco, sentiu o mesmo desespero quando eu tinha que me despedir - mesmo que ainda fosse voltar outra vez. Pobrezinho, ele parecia estar, na sua inocência infantil, até apaixonado por mim. Um dia, porém, aconteceu: eu estava me despedindo da Cecília e recebi o meu pagamento por aquele dia de serviço. Ela, como de costume, me agradeceu, com o tom cheio de si, e em seguida eu fui em direção à porta da sala de estar para ir embora. Nesse instante, o garotinho já se adiantara na minha frente gritando desesperado "não vai, não vou deixar!", e trancou a porta e ficou segurando a chave na minha frente, olhando-me com uma expressão de desafio. Eu estendi a mão e pedi-lhe a chave. Ele se recusou. Como era o meu costume, tentei me baixar para falar com ele à sua altura, mas, nesse instante - ah pestinha! -, ele correu. "Você não vai!" Olhei ao redor para ver se sua mãe estava nas redondezas, mas a casa era grande, ela devia estar nos aposentos mais ao fundo.

Eu esperei em pé ao lado da porta, ainda vendo o garotinho: ele correra pelo corredor, mas de repente parara. Parecia petrificado. Juro a vocês: se naquele instante a mãe tivesse gritado com ele, batido nele, eu entenderia, mas, ao que ouvi dizer, ela era uma mãe incrivelmente amorosa e jamais sequer levantou a mão diante do pequeno, bater então nem se fala. Mas ele parara ali, diante dos meus olhos, no corredor, e se virava maquinalmente em minha direção. Parecia outra pessoa, estava com uma expressão diferente. Antes ele estava chorando e as lágrimas corriam tão rápidas quanto ele, mas agora, ele soluçava e parecia puxá-las de volta. Ele levantou o rosto e olhou para mim em tom de desafio, mostrando a chave. Eu sorri e ia agradecendo o seu gesto, elogiando seu ato: "você é um rapazinho muito educado", eu dizia, mas - ah, pestinha! -, ele sorriu com aquele sorriso de traquinagem de criança e, contrariando as minhas expectativas, ele próprio colocou a chave na fechadura e abriu a porta.

— Pode ir - disse ele, apontando para a saída. - Você não quer ir? Então vá.

Tive um susto naquele momento, mas o que eu podia fazer? Eu queria ir embora, afinal. Aliás, eu tinha que ir embora. Não se engane, eu realmente me apegava aos pequenos (a uns mais do que a outros), mas o que fazer? Trabalho é trabalho, e eu tinha minha vida, minhas obrigações, então tinha que partir. Mas ali, naquele instante, tendo aquela reação, eu fui até a soleira da porta e me virei, olhando mais uma vez para o pestinha. A última coisa que vi dele foi uma expressão tão sombria, tão dolorosa: era um misto de coragem e dor. Um coração partido. Pobrezinho. Senti tanta pena que não pude esquecer da expressão daquele garotinho. Mas o que eu podia ter feito? Tive que ir, e ele bateu a porta e trancou-a novamente.

Não tive mais notícia daquela família. Não sei se foi por causa desse episódio; imaginei várias vezes que talvez o garotinho tenha ficado triste e a mãe tenha concluído que foi culpa minha - por algum motivo que nem ela nem eu temos certeza e, dessa forma, não quis mais me chamar. Uma amiga minha disse que foi porque eu não sei fazer uma limpeza decente nas casas. Quem sabe.


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