O País das... Maravilhas? escrita por Lucy


Capítulo 7
Capitulo 6


Notas iniciais do capítulo

Bom, por enquanto os capitulos serão postados nas sextas a noite.
Espero que gostem, e boa leitura!



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Depois de passar horas me admirando na penteadeira, me joguei na cama. Devia ser em torno das oito da noite, e os corredores pareciam movimentados, igualmente aos quartos vizinhos aos meus – que as vezes eu podia ouvir alguns ruídos constrangedores -... o bordel estava em pleno funcionamento, e eu não me atreveria a sair do quarto. Minha mente não parava de pensar na semelhança de Anna com minha mais nova amiga Mandy... as duas tão doces.

Mandy tinha sido incrível comigo, mesmo sem nos conhecer direito, ela me expirava tanta confiança e alegria, fazendo daquela tarde a melhor da minha vida desde o incêndio... Ela tinha o espirito de Anna, que costumava me deixar assim... E mesmo assim, a mãe a prostituía! Isso me revoltava por dentro, apesar do rápido encontro, eu queria defende-la de tudo como se fosse minha irmã.

Então olhei para o lado e vi o armário onde a ruiva estava escondendo seu plano de fuga... e que plano de fuga! Ali havia muitas moedas de ouro e de prata, nenhuma de bronze... os clientes de Amanda realmente pagavam bem. Eu não fazia ideia de valor de mulheres em um bordel, mas estava bem claro que ruivas realmente valiam mais.

Então, uma voz masculina e rouca nos corredores me chamou a atenção. “Mandy! Onde você esta, querida?”... Definitivamente estava bêbado, não só pela voz, mas era claro seus passos pesados e lentos no piso, e estavam se aproximando.

Continuando a chamar por Amanda, o homem parecia se aproximar cada vez mais da minha porta, me fazendo sentar na cama, aflita. Ele não iria entrar no meu quarto, né? Ele não pode simplesmente abrir a porta que qualquer quarto que ele quisesse procurando por Amanda, certo? Ou podia? Minha pergunta foi respondida quando ouvi alguma outra porta ser aberta e um homem e uma mulher xingaram alto, por serem interrompidos. É... Talvez ele possa.

Olhei ao redor procurando algum esconderijo... O armário era apertado de mais, embaixo da cama provavelmente eu espirraria e entregaria minha posição. Me levantei e andei até o meio do quarto, para vasculha-lo com os olhos de forma mais eficiente e rápida. Embaixo da penteadeira ainda era visível e... A porta se abriu.

O homem era gordo, alto, e usava um monóculo dourado, provavelmente de ouro, tendo o rosto corado por efeito da bebida. Apesar do estado decadente, era claramente da alta sociedade, terno fino, sapatos e roupas caras, e ainda mantinha um pouco de classe em sua forma de falar.

—- Mandy? É você? – Perguntou ele, levantando uma sobrancelha ao me ver claramente espantada de pé no meio do quarto.

—- N-nã... – Gaguejei, sendo interrompida antes que eu pudesse continuar a falar.

—- Finalmente a encontrei... – Disse ele abrindo um sorriso malicioso, adentrando o quarto e fechando a porta atrás de si. – Rebeca me disse que era ruiva e extremamente graciosa... – Eu dei dois passos para traz, fazendo ele dar dois para frente – Vejo que ela mentiu sobre a primeira coisa... mas a segunda compensou. – Meu corpo estremeceu.

—- A-acho que esta havendo um... um pequeno engano, senhor. – Tentei argumentar, recuando novamente até sentir que havia me encostado na parede, ao lado da janela. Ele me alcançou.

—- Acho que não, querida... – Disse ele, alisando de forma gentil o lado esquerdo do meu rosto com as costas da mão direita

Eu estava apavorada... Meus olhos começaram a se encher d’agua quando vi a mão do homem gordo descer do meu rosto para os meus pequenos seios que saltavam daquele decote ridículo. Merda! Eu precisava sair daquela situação... Mas, eu estava com tanto medo, eu não conseguia me mexer ou emitir qualquer som além pequenos soluços de choro... O tom de voz malicioso do homem me congelava, o deixando livre para que fizesse o que quisesse.

Devagar e com gentileza, ele desceu o vestido, puxando as mangas apenas o suficiente para que meus seios ficassem a mostra, e lentamente, vi seu rosto descer até alcança-los, sentindo uma sensação diferente neles...

Era diferente, mas não me era estranha... Eu já havia sentido isso antes... mas, quando? Me desliguei do mundo real, sendo a ultima coisa que me lembro a sensação de lagrimas escorrendo no meu rosto. Comecei a vasculhar minha mente em busca de memorias... Onde eu já havia sentido essa sensação? Não faz sentido!

Então me vi em um grande corredor de pedra... Estava mal iluminado por algumas tochas acesas, deixando o clima pesado e assustador, como se eu caminhasse e um calabouço de um castelo. Haviam algumas portas de madeira e baldes espalhados ao meu lado. Caminhei devagar até os baldes, e quase todos estavam virados, deixando o lugar a sua volta com uma enorme poça d’agua, porem, um ainda estava de pé e cheio, e quando me inclinei sobre ele, eu pude ver o reflexo do meu rosto e... eu era uma criança... antes de tudo! Sem cicatriz e com uma irmã e um pai me esperando em casa. Abri um sorriso.

Desviando a atenção dos baldes, olhei para o corredor a minha frente, tantas portas... uma delas deve ser a saída, certo? Caminhei por ele até chegar a primeira grande porta de madeira, típica de castelos, estava destrancada, e não pensei duas vezes antes de empurra-la para abrir. Abri um enorme sorriso quando vi que do outro lado da porta estava o jardim da minha antiga casa.

De costas pra mim, de pé sobre um banco, estava uma mulher de corpo esbelto e longos cabelos loiros que traziam cachos perfeitos nas pontas, e estava usando um delicado e simples vestido lilás, era minha mãe. Ela não era muito alta, então sempre usava esse banquinho para alcançar os galhos mais altos de suas plantas no jardim... e que jardim! Ela tinha uma mão de fada para tudo, principalmente com suas plantas, que sempre colocavam flores lindas e delicadas, em tons de branco, rosa e amarelo. Abaixado no chão, ao lado dela, estava meu pai, retirando ervas daninhas do canteiro. Ele não levava tanto jeito quando minha mãe, mas sempre a ajudava quando podia.

Eu corri na direção deles, abraçando de cara minha mãe, alcançando seus joelhos sobre o banquinho, mas... Eu a atravessei. Como assim? Eu achei que havia chego em casa... Fui até meu pai e me abaixei ao seu lado, tocando seu rosto e minha mão novamente passou direto. Eles pareciam não me notar... Então ao longe, eu vi mais alguém, era uma menininha branquela, mas com as bochechas levemente rosadas por causa do sol, usando um vestidinho bem menininha rosa até os joelhos, ela corria em direção a minha mãe, carregando com um cuidado exagerado uma tesoura.

Eu era a menininha. Ela entregou a tesoura pra mãe com um sorriso, e ela por sua vez, desceu do banco, pegando a tesoura e dando um beijo na testa da menina... Só então notei algo em minha mãe que não havia notado antes... ela estava gravida, de Anna.

Eu estou nas minhas memorias! Agora tudo fazia sentido! Preciso focar... o que vim buscar mesmo? Ah! Minha lembrança sobre aquela sensação que naquele momento eu ainda sentia muito de leve, mas quase totalmente ignorada pelo meu corpo, e definitivamente, não era naquela lembrança que eu encontraria a resposta. Com um fraco sorriso de saudades, dei uma ultima olhada nos meus pais, e sai pela porta que entrei.

De volta ao corredor escuro, continuei minha busca... Provavelmente eu estava na sessão das memorias antes do meu pai casar novamente, passando por memorias que quase sempre eram felizes. Vi os almoços alegres que tive com meus pais, aniversários, brincadeiras... então veio a porta com a lembrança da morte da minha mãe.

Nós estávamos na sala de espera do hospital da cidade. Meu pai andava de um lado para o outro aflito, nervoso e ansioso... na verdade era até engraçado vê-lo daquela forma, um homem de rosto sereno e calmo, estava nervoso como uma criança que queria abrir seu presente de natal antes da hora. Eu estava sentada na cadeira, tranquilamente feliz enquanto brincava com duas bonecas. A minha que se chamava Mary, já meia surrada, pôs minha mãe havia feito ela para mim quando eu era muito nova, e a outra estava em perfeito estado, que ela havia feito para sua outra filha... Eu havia implorado a ela para entregar a boneca para minha nova irmãzinha assim que ela nascesse, e estava esperando meu momento.

Então uma enfermeira veio até meu pai, lhe falando algo baixo... Eu havia visto, então me levantei feliz, imaginando que iriamos ver a mamãe e minha irmã, mas a expressão do meu pai não era boa... ele me mandou sentar e esperar um momento, eu fiquei confusa, mas obedeci e quando o papai voltou e me deu a notícia... o mundo desabou. A única coisa que me fez parar de chorar naquele dia foi quando a enfermeira me mostrou minha irmãzinha, que mesmo tão nova, trazia os olhos e as bochechas da minha mãe... eu lhe entreguei a boneca e naquele momento prometi que cuidaria dela para sempre... Sai daquela sala aos prantos.

As portas seguintes se resumiram a momentos com minha irmã, com meu pai, ou com os dois... Eu e o Sr. Benjamin nos aproximamos completamente, dividindo as tarefas sobre os cuidados com Anna... eu, mesmo ainda criança, tinha muito mais jeito para trocar fraudas e dar a mamadeira. Anna crescia linda, cada vez parecida com nossa mãe... e agora, observando as memorias por fora, estava claro que meu pai estava mais abalado do que demonstrava para mim na época.

Então, cheguei a próxima porta... Eu não fazia ideia em quantas eu já havia entrado, mas ainda havia muitas para a frente. Mas esta, dessa vez, estava trancada, com um enorme cadeado de ferro sujo. Mas, por que? Eu tenho uma memoria trancada nessa época? Bom, eu esperava portas trancadas mais para frente, depois da morte do meu pai, não agora. Curiosa, me abaixei e tentei olhar por debaixo da porta... Não pude ver muita coisa, apenas os sapatos do meu pai, ao lado do que parecia ser uma cama.

Continuei em frente, as próximas memorias agora incluíam Elizabeth... e algumas delas, mesmo com meu pai ainda vivo, trazia também seu irmão mais novo, Gustavo. Ela o havia apresentado para o seu marido por ser seu único familiar ainda vivo, por conta de seu trabalho, as vezes precisava ir até a cidade, e meu pai como um homem cavalheiro, lhe oferecia hospedagem. E então, outra porta trancada. Mas... por que? Fui para a próxima, estava aberta, a seguinte também, e então... outra fechada. Segui em frente e passei por mais umas três abertas, e novamente mais uma fechada, se tornando um padrão. Passava por duas ou três abertas e encontrava uma fechada. Depois de encontrar a decima sexta porta com cadeado, me cansei. Eu odiava pensar na ideia que minha própria mente trancava e escondia coisas de mim... Principalmente os anos após a morte do meu pai até eu chegar ao hospício, me sinto roubada de mim mesma...

E aquela sensação... Eu ainda podia sentir ela de leve no meu corpo, mas agora estava mais embaixo, entre as pernas... Aquilo era familiar, mas eu não sabia de onde, talvez seja uma dessas portas trancadas. “Mas que merda!!” gritei enquanto batia com as duas mãos na porta, a minha voz e o barulho da batida se espalharam no corredor com o eco, me fazendo ficar com mais raiva. Bati mais algumas vezes na porta, na esperança de quebra-la, mas ela nem se mexeu, então olhei em volta, notando um grande pedaço de ferro sujo e meio enferrujado no chão e uma ideia me veio a cabeça. Peguei o pedaço de metal, respirei fundo e comecei a usar aquilo pra bater com força sobre o cadeado. O barulho dois ferros batendo ecoava no ambiente, mas eu estava focada, até que o cadeado simplesmente caiu no chão, fazendo o barulho do impacto se espalhar por todo o corredor.

Ofegante, soltei a barra de ferro no chão sem muita cerimonia, sentindo o suor escorrer no meu rosto. Me aproximei da porta, abrindo o enorme ferrolho endurecido pelo tempo, abrindo a porta devagar.

Eu estava no meu antigo quarto, na minha casa. As paredes eram lilás, e a cortina branca e leve estava de repouso sobre a janela fechada, enquanto um pouco de iluminação vinda da lua lá fora deixava o lugar com um ambiente um pouco macabro. Podia me ver deitada na cama, coberta e abraçada com a boneca que a mamãe me deu...

Então, uma luz mais forte iluminou a cama, me fazendo olhar rapidamente a porta... Alguém estava entrando. As sombras do quarto não me permitiram ver seu rosto muito bem, aparecendo apenas como uma sombra negra, que fechou a porta atrás de si e caminhou até a cama, se sentando na beirada, ao lado da pequena eu. Ele alisou meu cabelo com delicadeza, então afastando o lençol de forma gentil, o descendo até a cintura, me fazendo acordar devagar.

—- Papai? – Perguntou a pequena Alice, ainda tentando se soltar dos braços de Morfeu.

—- Não querida... – Respondeu com tom de voz calmo... e me era bem familiar.

—- Quem é? – Disse ela, começando a abrir os olhos e se espantando ao perceber quem era. – T-tio Gustavo? – Eu dei um passo para trás... Não...

—- Sou eu, meu amor. – Ele respondeu voltando a puxar o lençol. – Agora precisávamos fazer aquilo, lembra?

—- Ah... mas doi... – Disse a pequena Alice, se sentando na cama, e ainda lerda de sono, soltando a boneca e levantando os braços para que Gustavo pudesse tirar sua camisola.

Eu queria bater no Gustavo, estapeá-lo e soca-lo até tirar sua consciência... Como ele pode fazer isso comigo... eu devia ter uns dez, onze ou doze anos! Mas antes que eu pudesse gritar ou fazer qualquer coisa, senti como se alguém me segurasse pela cintura, sendo puxada para fora da lembrança, enquanto a porta batia, fechando o ferrolho, e eu sentia o impacto das minhas costas com a parede... Fechei os olhos com a dor enquanto lagrimas desciam meu rosto.

Vozes começaram a surgir na minha mente... pareciam distantes, mas eu as conhecia. Aos poucos, as vozes ficaram cada vez mais perto e de repente tudo parecia muito alto, onde estou?

Abri os olhos e me vi de volta ao quarto e eu estava nua deitada na cama. Me abracei por impulso, tentando esconder meu corpo monstruoso da visão de todos, enquanto sentia uma sensação molhada entre minhas pernas. Vi o homem gordo ser colocado para fora aos gritos por um rapaz de cabelos castanhos... Jace estava claramente furioso expulsando aquele cara enquanto gritava por Rebeca, então me assustei ao notar o Dr. Rafael se aproximando de mim de forma apressada, seus olhos verdes e cansados pareciam me varrer em busca de algum machucado pelo corpo... e foi esse olhar que me trouxe tudo a mente.

Antes dele me abraçar, revi rapidamente tudo que havia acontecido enquanto eu estava nos corredores das minhas memorias. Lembrei e caricias, toques, gemidos, chupões... Tudo agora se repetia diante dos meus olhos sem parar, me fazendo recuar novamente, me abraçar mais forte e chorar mais, afastando o abraço do doutor de mim, com medo.

—- Alice... esta tudo bem! – O tom de voz calmo a aconchegante de Rafael naquele momento não surtia efeito sobre mim. – Estou aqui para te ajudar... – Continuou ele, tentando novamente me tocar, mas dessa vez apenas esticou a mão na minha direção.

—- NÂO! --  Respondi eu, ríspida, ainda presa no pequeno filme de 10 minutos se repetindo em questão de segundos na minha cabeça, juntamente com a lembrança de quando eu era criança com Gustavo. Rafael recuou, se levantando da cama.

—- O que... Alice! – Outra voz, dessa vez feminina, havia entrado no quarto. Mandy... Ela correu em minha direção e me abraçou de forma protetora, e eu apenas aceitei o gesto. – Oh, meu deus! – Eu não respondi nada. Ela me soltou e alcançou uma coberta na outra ponta da cama, jogando sobre meus ombros e cobrindo meu corpo... Bem melhor. – Vão! Saiam daqui! Eu cuido dela!

Mandy tomou o controle da situação. Rafael pareceu hesitar, mas depois de alguns segundos, balançou a cabeça de forma positiva e saiu do quarto, fechando a porta atrás de si e me deixando sozinha com ela.


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Notas finais do capítulo

E ai? o que estão achando?



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