Tinta e Papel escrita por Whatapanda


Capítulo 2
Ele


Notas iniciais do capítulo

SOCORRO GENTE, ESQUECI DE POSTAR O CAP 2
CUIDADO COM A BURRA
Desculpe! Desculpe!



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Foi numa tarde de outono que a avistou.

Numa daquelas tardes bucólicas em que o céu era um espetáculo surrealista de encher os olhos para qualquer espectador. Ainda assim o frio castigava.

Sim, bem como uma cena daqueles clichês açucarados de romances fajutos, lá restava ela nos imensuráveis jardins do pátio dos fundos da universidade. Tão próximo ao início das aulas, o burburinho era alto pelo lugar, mas permanecia absorta no trabalho, fazendo-se personagem da própria tela.

Como de praxe era, não se via uma paisagem refletida por suas pinceladas. Se utilizava do calor das cores fortes para brincar de tingir seus próprios pensamentos.

Era bem óbvio para qualquer um com olhos, ele não era nenhum romancista. Se o fosse, teria notado a delicadeza da respiração que descompassava o peito e quebrava a monotonia do preto, do branco e do cinza, com o enrubescer das bochechas. Ou, quem sabe, a sutileza tracejar o vão entre as sobrancelhas inconscientemente franzidas, distribuindo o peso do mundo na concentração do olhar. Ou, até mesmo os reflexos púrpuros do céu no brilho molhado do laranja das folhas, emoldurando aquele retrato íntimo no mais bonito tom de sépia.

Esquecida da brisa que esvoaçava-lhe os cabelos, ela brincava de controlar segurando mechas atrás das orelhas, apenas para escaparem-lhe o domínio e atrapalhar sua concentração novamente.

E, parado ali, como o leigo que era, decidiu apenas que aquela pintura era bela.

O sinal tocou, com a estridência de um prato metálico interrompendo uma sinfonia. Ela recolheu os materiais e correu, culpada, manchando a seda branca que trajava com tons de carmim. O burburinho cessou.

Sozinho no pequeno parque, notou um brilho discreto despontando por entre o amarelar da grama morta. Retirou a mão do abrigo quente que era o bolso da jaqueta, para pegar aquele pente, incrustado com flores de pedras dilapidadas sobre a superfície de madeira polida. Franziu o cenho, inconformado.

Hinata é distraída.

Uma vez, num dia não tão gelado, aguardara o som dos passos curtos e rápidos ressoarem no corredor. Carregava no cinza do olhar o brilho de um sonho. Na palma das mãos os pincéis e no rachar dos lábios, poesias. Por dois segundos ainda conseguiu capturar o cintilar de suas íris surpresas, mas um encontro breve o suficiente para romper o prematuro contato quando passou por si feito bala. Desacreditada ela que o fino curvar que morreu em seus lábios fosse dirigido à sua pessoa.

Muito embora seus longos e lisos fios deixassem um leve rastro de lavanda quase como pegadas por onde andou, quebrou o encanto, impregnado como neblina, o cheiro metálico da hesitação.

Naquela vez caiu a caneta que prendia-lhe os cabelos, mas o que teve guardado ali em mãos foram seus medos.

Hinata é tímida.

Noutra tarde, não tão bucólica, capturou alguns rascunhos ágeis. Traços disformes de grafite que se espalhavam em pedaços grandes de papel cartão, como se embebidas em carbono. Esboços inacabados que restaram abandonados ao fim da aula de Corpo e Movimento, quando em sua pressa de sair, largara ali para atender um telefonema familiar.

Por vezes ela preferia o uso de cores, portanto ainda não tinha visto até então suas habilidades em escala de cinza. Era bagunçado e manchado, e, como artista de mãos leves, ela tracejava quatro vezes por cima da mesma curva, para criar uma profundidade com ares de esboço. Cada linha com desmedido peso deixava uma pequena bolha denunciando seu início, distribuída em seguida pela leveza de sua extensão. Era casual e desajeitado aquelas sombra de seu íntimo.

E ali em mãos, ele sabia segurar sua alma.

Hinata não era perfeita.

Sempre que o ignorasse ela deixaria para trás alguma parte, qualquer coisa com a qual se distrair. Acostumado, ele cataria os pedaços de sua fuga, e guardaria pelo curto tempo reminiscente até que ela os recebesse de volta. De cabeça baixa com um agradecimento rápido e murmurado. Segundos de interação até virar-se novamente na cadeira, e voltar a atenção à aula.

Quando, de mãos vazias, ele já não teria mais acesso ao pouco que ela cedia.

Hinata é sonhadora.

Claro que poderia até mesmo tomar cada um dos seus pequenos objetos preciosos como refém – e pode crer que os faria – mas, ainda assim ela simplesmente esqueceria da sua existência. Seja pelo simples desapego à matéria das coisas que lhe ocorria ao acaso, quando seus pensamentos livres alçavam voo. Seja pelo imenso receio que lhe possuía cada vez que algo simples em sua rotina meticulosa a escapava o controle.

Dos artistas, destacava-se como a mais comprometida, das coloridas borboletas, restava como tímida, a cinza mariposa. Pálida e quieta como fantasma. Escondida por trás de franjas e rubores, Hyuuga Hinata era aquela, a que não existia.

Ainda assim, era muito fácil de se ler, a menina. Quando suas mãos exalassem a solventes, sabia que pintava à óleo. Quando borrões pretos manchassem o branco do rosto, era carvão. Quando as laterais das mãos sujassem com um cinza metálico, seria a vez do grafite. Traços de sal, pitadas de canela, vestígios de areia...

E, quando carregasse páginas de canson e telas vazias por baixo do braço, sabia que saía a procura do que amar.

Hinata é linda.

E ali naquele – não tão pequeno – refúgio de outono que descobriu terem em comum, lá estava ela a imaginar. E ele, a contar.

Ela nunca pedia café, só bebia chá.

E não lhe escapava, quase nunca, o costume que tinha de fechar os olhos, sempre ao beber um gole, como que para desfrutar de todas as nuances de sabor e calor daquela bebida. E talvez surgir com uma nova história, um novo aroma, ou uma nova cor, quem sabe.

Ele, impaciente, misturava a bebida fumegante da xícara alta a sua frente, enquanto o som pesado do baixo, ressoava em seus ouvidos, acusador sobre a presença fantasma que sentia em suas costas.

No pulso esquerdo, coberto pela manga da jaqueta, a pele ainda ardia, em processo de cicatrização. Onde marcou, através de linhas leves, cinzas, desajeitadas, tracejadas quatro vezes sob a mesma curva, mais um pedaço de sua história.

Curioso a folha de papel, a mais efêmera das obras de arte. Fácil ser destruída ao sinal da mais leve garoa ou da mais ínfima labareda. A simples força desmedida de um aperto inconsequente seria o suficiente para marcar-lhe a beleza pelo resto da vida. Por mais profundos que fossem os sentimentos retratados, estariam para sempre com a durabilidade submetida aos cuidados daquele que os tivesse em mãos.

Riu, quando se deu conta. Sim, talvez fosse exatamente esse o fascínio da coisa. Entregar tanto em troca de tão pouco, arriscar-se à destruição apenas pela chance de retratar aquele pequeno sopro de si mesmo naquela arte tão cheia de falhas.

Em verdade, não lhe agradava muito o caráter passageiro, vulnerável do papel. Dono das precauções, necessitava garantias. Não tinha a delicadeza, muito menos a morbidez lúdica – ainda que romântica – da suicida folha. Servia melhor a explosão, a tempestuosidade, a rigidez e a segurança. Segurança esta que foi encontrar na eternidade de uma tatuagem.

Do contrário da transitoriedade do branco, é uma marca perpétua. Não importa o quanto se esfregue, lave, admire ou amaldiçoe, continuará ali, como lembrança imortal daquilo que te mantém. A exponencia máxima da arte na carne, na cicatriz. Cada peça trabalhada um pedaço de memória mergulhada em tinta, incrustada na própria pele. Memórias. Vida.

E quando ela punha ali seus pés, feito boneca de porcelana, aquela que apenas enfeita e não existe, ele pegava-se a questionar qual a reação da menina, se escolhesse absorver a ardência dos próprios sentimentos em vez da comodidade de jogá-los ao vento, sob a dúvida mortal de que alguém apare.

Mesmo diante de toda a tosquice naquele lirismo rebuscado que vinha imaginando, não podia negar que era covarde, o artista da pele. Ora, a vida nem sempre te dava garantias. Na verdade, muitas das melhores coisas eram aquelas que talvez nem eternas fossem, mas ele não arriscaria.

Ela, enquanto pluma, diante a liberdade e facilidade de expressar seus sonhos e desejos, lhe faltaria a ousadia para assumir essa postura. Presa no monocromatismo daquele mundo em preto e branco, absorveria desesperadamente qualquer cor derramada sobre si. Uma única gota de tinta era tudo o que mais queria, mas ela não arriscaria.

E, quando virou-se, no salão e o assento na mesa ao fundo - a encostada na parede - encontrava-se vazio, não soube dizer o cheiro que, mais uma vez, aquela partida deixou.

Enquanto ele permanecesse fincado à pele como garantia da eternidade, ela se deixaria levar pelos ventos. Entregue no desejo de se libertar. E presa pela comodidade que no branco aprendeu a amar.

No fim restaria dela a fluidez do papel e dele a segurança da cicatriz. Numa peleja de tintas onde apenas aquele disposto a ceder seus medos seria o perdedor naquela disputa em que não havia vantagem em ganhar.

E, quando tomou entre os dedos, o frio daquele bilhete solitário dobrado e deixado para trás, ele pôde ler, numa caligrafia cuidadosamente desenhada – daquelas somente advindas da leveza das mãos –, logo abaixo do nome familiar, os dizeres: Para o meu amado contador de histórias. 

Foi então que, na curva de um sorriso, se sentiu derrotar.

Muito daquele conto era mais do que pintado.

Porque bem além do que apenas cores fortes e traço desajeitado.

Havia também o roubo, a covardia, o talento e a imperfeição. E os pequenos pedaços do coração.

Porque havia também muito do que colecionar.


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Notas finais do capítulo

Então, não, o bilhete não era de Naruto
Hinata "deixou cair", na certeza de que ele iria sempre pegar os pedaços que ela deixava para trás.



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