Tinta e Papel escrita por Whatapanda


Capítulo 1
Ela


Notas iniciais do capítulo

Então estava eu nas minhas buscas de fanarts pela internet, quando me deparei com uma coletânea do artista kakao-chan, retratando a hinata como uma estudante de artes e o naruto como um tatuador. Imediatamente um roteiro surgiu na minha cabeça e fiquei tão apaixonada que corri para o word onde, num rascunho, surgiu essa historia bem gostosinha de escrever.
A fic vai ser toda ilustrada com alguns desenhos desse artista nessa temática. Dessa vez vou me ater às programações e manter únicos dois capítulos, como planejado de inicio.
Espero que gostem.

Boa leitura.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/731522/chapter/1

E lá estava, novamente.

Era setembro e o clima era ameno. O calor no interior da cafeteria transmitia um aconchego que, mesclado à meia-luz amadeirada a iluminar o subsolo e aos murmúrios das mesas ocupadas, deixava o ambiente com um ar antigo de nostalgia. Gostava daquele cheiro doce de uma rotina que, de certa forma, não era sua.

Pincelou marrom, pelo papel. Aquele marrom era conforto.

A monotonia de uma vida ordinária, com o repetitivo rito estudantil entre casa e faculdade, não trazia muita expectativa, tinha que admitir. Claro que não podia dizer que a vida era difícil em qualquer nível, a família é boa, as amizades, presentes e as notas, perfeitas. Não assumia riscos, nem era imprudente... a educada, inibida, perfeita e previsível Hinata.

Talvez, por isso, fizesse falta algum sabor.

Por baixo dos óculos, a barista enroscava, inquieta, os dedos pelas mechas róseas que escapavam do coque para ajeita-las atrás da orelha. Com um sorriso nos lábios, organizava xícaras no balcão, aérea à movimentação ao seu redor. O pequeno relógio de pulso não lhe fugia da vista de 15 a 15 minutos. O salpicar daquele verde era ansiedade.

Na mesa à esquerda, dois rapazes trocavam palavras e sorrisos. Suas mãos entrelaçadas, casuais, sobre a mesa cintilavam pelo brilho de anéis que juntos formavam um par.  Bordô. Uma curva suave. Cumplicidade.

Acompanhada somente de suas expectativas, debruçava-se, quieta, sob a mesa do canto - encostada na parede – a observar. E roubar. Que tipo de artista pobre buscaria inspiração nos sentimentos alheios? A artista de casca vazia. Criadora de histórias. Ladra de sentimentos. O que podia dizer? Era uma viciada.

As mãos, acostumadas, apenas paravam de trabalhar sobre o papel para um longo gole da xícara quase abandonada à sua frente, seguido de um suspiro. Sua visão pairou sob o pequeno palco improvisado, onde alguns músicos afinavam seus instrumentos. Devia ser pouco mais das 18h.

Quando precisou mudar de cidade para fazer universidade, devia dizer que não possuía grandes expectativas. Não lhe agradava nada trocar a comodidade de tudo aquilo que conhecia pela surpresa do inexplorado. Mas, quando se deparou com aquela – não tão pequena – cafeteria, no subsolo do centro do campus universitário, tomou como sua.

Esfregou as mãos uma na outra, na tentativa de se aquecer um pouco mais, enquanto divagava. Gostava bastante daquele pequeno refúgio. Embora já tivesse ido ali com algumas pessoas, apreciava muito o seu estar solo, principalmente quando por seus devaneios artísticos. Tinha a mania de criar um contexto, em sua cabeça, para cada desconhecido que observava a interagir ao redor, e, diante àqueles delírios, a solidão seria sua aliada. A barista abandonada, o maníaco poeta, a bailarina gorda, o cantor mudo... eram todos personagens da sua incansável imaginação.

Nas quintas-feiras o ambiente se transformava, as mesas, agora multiplicadas, eram afastadas aos cantos para abrir espaço para apresentação de bandas regionais no início da noite. O dia semanal reservado para jazz e blues aumentava consideravelmente a circulação de gente pelo lugar. A maioria dos rostos lhe eram conhecidos, por já servirem de público para aquele evento a um certo tempo, e esse era exatamente o ponto da história onde queria chegar.

Espantou-se levemente ao tilintar do sininho preso à porta do estabelecimento – indicando a entrada de alguns mais clientes. Foi então que sentiu o calor que tanto buscava subitamente subir-lhe ao rosto. Era ele.

Enterrou-se ainda mais no cachecol ao redor de seu pescoço e se fingiu distraída em sua prancheta quando passou por sua mesa, para instalar-se em uma mais à frente. Bom, havia um motivo bastante específico para preferir as mesas do fundo.

É fato que Hinata era uma pessoa tímida. Ela não fala em classe, ruboriza com facilidade nas raras ocasiões que um professor escolhe seu trabalho para exibir, se enrola quando escolhem suas artes para criticar. Tenta constantemente o seu melhor para não chamar atenção para si, ainda que imaginasse não adiantar muita coisa nesse sentido ao andar por aí com suas largas bolsas abarrotadas de equipamentos e mãos tão frequentemente manchadas com tinta que mais pareciam já terem se mesclado à sua pele. Ainda assim, era uma pessoa que apreciava bastante a discrição.

Talvez, bem por isso, fosse tão fortemente impelida àquele rapaz.

Começou como uma história curta, daquelas que o tempo se encarrega de estender. Durante o primeiro dia da aula de storyboard, restava uma boa meia hora após o sinal tocar, quando a porta abre. Com a atenção da classe interrompida, viu o professor suspirar – como se aquela cena já lhe fosse costumeira – e autorizar sua entrada, dando as boas vindas e chamando-lhe pelo nome: Uzumaki Naruto.

Não era como se já houvesse visto uma pessoa minimamente parecida com ele em sua vida. Digamos que não era exatamente o que se esperava de um estereótipo de estudante de artes plásticas, na verdade parecia mais saído da gangue punk de algum filme europeu de baixo orçamento. Os cabelos loiros curtos apontavam para todas as direções, rebeldes, tentando escapar por baixo do gorro de lã preto que aquecia sua cabeça. Alguns piercings nas orelhas – mais tarde ela pôde contar quatro – outros passeavam pelo rosto masculino como na sobrancelha esquerda e narina direita. Sua jaqueta laranja era chamativa, as botas eram surradas e os olhos, inexplicavelmente... azuis.

Perigosamente azuis, enfatizou, para uma colecionadora de cores. De fato, não era de se impressionar que ele chamasse sua atenção de uma maneira tão positiva – bem, com certeza ele era lindo, não que fosse essa a grande importância da questão – e que, entre aulas e esbarrões nos corredores, acabasse por se tornar o personagem principal de suas narrativas.

À primeira vista, a postura agressiva era o que saltava aos olhos, lhe ocultava os largos sorrisos e personalidade afável que lhe iluminavam na presença dos amigos. Quando se sentavam próximos durante as duas aulas que cursavam juntos e podia sentir o cheiro de cafeína misturado ao perfume que exalava dele, quis saber o tipo de café que apreciava. Nos dias frios, quando sempre parecia menos disposto e preguiçoso sob as várias camadas de roupa, quis descobrir como ele se comportaria em dias de sol. Quando se cruzavam, casualmente pelo campus e ele estivesse cabisbaixo e pensativo, com os fones cobrindo-lhes as orelhas, quis saber o que ouvia com tanta profundidade.

Nas galerias expositivas estudantis, passava horas a admirar a sombra e formas de sua arte, tão escura quanto colorida, em aquarela e grafite. Era facilmente perceptível, impregnado no peso daquele traço, as nuances de raiva, vezes de felicidade, vezes de graça, vezes de incômodo e até mesmo de dúvida. Sentimentos profundos, espontâneos, dele. Se inveja fosse um sentimento bom, o sentiria, mas tudo que conseguia fazer era admirá-lo. E idealizá-lo.

E quando, por vezes, o azul curioso encontrava-se com seu cinza, o coração batia tão descompassado no peito que sufocava-lhe a garganta e roubava-lhe as palavras. Foi num desses dias que, como uma miragem encostada na parede de tijolos secos do extenso pátio, os lábios foram sorrindo em sua direção. Revelaram-lhe um sorriso sem nenhuma malícia, sem nenhuma intenção – apenas repleto de... esperança? Será se também havia de sorrir?

Desviou o olhar, ruborizada, e passou reto e rápido, praticamente correu em busca de algum ar. Era especialista em observar, a pequena Hinata, não em viver. Queria tantas coisas. E não corria atrás delas. Não sabia lutar por elas.

Em um fim de tarde molhado pela garoa, durante uma de suas aspirações artísticas solitárias, o avistou ao logo de uma seção de jazz – e surpreendeu-lhe saber que era um frequentador assíduo daquela noite semanal. Claro que foi uma feliz coincidência o encontrar naquele lugar que lhe era tão reconfortante, mas não podia dizer a mesma coisa sobre o fato dela nunca mais perder uma quinta que fosse.

Naquela noite, fosse pelo aquecedor, fosse pelo razoável número de pessoas, ou até mesmo pelo calor do som metálico que emanava do sax, a quentura o obrigou a tirar a jaqueta e depositá-la, estendida, sob o encosto da cadeira. Foi a primeira vez que visualizou os braços desnudos de tecido, cobertos por intrigantes tatuagens que a regata branca revelava se estenderem desde seus pulsos até a base do pescoço – e, provavelmente, por outras partes do corpo.

Salpicos de laranja, vermelho, azul, verde e preto pintados em linhas fortes e suaves sob sua pele, como uma intrigante e bonita colcha de retalhos composta por símbolos. Alguns lhe eram familiares, ora, ela estudara bem sobre Simbologia, então era capaz de facilmente perceber que eles se complementavam como as partes de uma história. Oh, merda.

E, ali, naquele momento estacionado, restava fisicamente impossível a criadora não se apaixonar pelo contador de histórias.

De volta ao presente, sua bebida perdeu o calor. Ela franziu o cenho ao sentir o gosto envelhecido do líquido, agora naquela fase intermediária entre o não inteiramente frio, mas nada quente também, e continuou bebendo. Petrificada na poltrona, sentia-se e vergonhosa, já não era mais uma adolescente para ser tão acuada frente a alguém que nunca havia trocado sequer meia palavra. Nada podia fazer contra o magnetismo intrigante da possibilidade de uma pessoa ter tantas nuances, tanta... cor. E ainda mais diante da possibilidade de descobri-las.

Suas mãos suavam entre os pincéis em movimento. Haviam tantas linhas retas, rebeldes, do amarelo impaciente, eram redemoinhos corridos de um vermelho forte, decorriam respingos desproporcionais de um laranja energizante, sombras pretas sobre brilhos de vidros prateados e aquele azul... tão azul que se tentasse retratar aquela profundidade levaria anos, talvez uma vida. Como se tempo não tivesse...

Em tempos passados viera em grupos de amigos, mas hoje ele sentava sozinho. Inteiramente de costas, o que ela agradecia, por poder capturar cada gota de sua essência sem ser flagrada como algum tipo de perseguidora estranha. Riu em como percebeu que aquela alcunha lhe caía como uma luva.

Ele permanecia completamente absorto a toda aquela movimentação atrás de si, estranhamente quieto assistindo ao show e sorvendo seu latte – sim, pois ele sempre pedia latte, variava somente as essências e especiarias. Seu olhar captou a perna esquerda dele que, inquieta, tremia debaixo da mesa. Uma nova nuance. Ansiedade? Felicidade? Incômodo?

Mas o blues era melancólico e o acorde traiçoeiro trouxe-lhe os pensamentos que vivia de evitar. Por um instante, seu pincel morreu. Se era sozinho e ansioso, esperaria alguém? Uma pessoa das mais belas cores que harmoniosamente se encaixasse naquela aquarela impetuosa.

Então era assim? Era esse o fim daquela perseguição tola e sem sentido? Mesmo diante daquela possibilidade aterradora, ela nada poderia além de assistir e lamentar? Que momento era aquele em que ela audaciosamente evoluía de mera observadora para tomar as rédeas de sua própria história? A sombra cinza de seus passos tímidos permanecia incapaz de ultrapassar mesmo a simples distância do espectro que os separava.

Assim era Hinata, a educada, inibida, perfeita e previsível Hinata. A afogada pelas ondas dos próprios medos, a espectadora da felicidade que não era sua. Covardemente vivia de se alimentar dos sentimentos imaginários que conseguia vomitar numa folha de papel, enquanto brincava de ter para perder, segurar para sofrer, crer para pintar, pintar para amar. 

Mas decidiu, ali, que aquele quadro não gostaria de traçar.

Porque, sem perceber, ela era o vazio do papel que queria preencher.

Com as cores que ele não iria ceder.

Antes do instrumento soar as últimas notas da canção, ela arrumou seus materiais e levantou-se para ir embora. O pintou e o pintará de novo. Quando pouco dele ainda pudesse aprisionar num pedaço de papel, para ela, só para ela, o faria. Aquele era o mundo que escolheria, porque nada fora dali era verdadeiramente seu.

Hoje trouxe cores, da próxima vez traria carvão.

Porque, no farelo da poeira escura tatuaria aquele secreto desejo.

E se ela minimamente virasse antes de sair pela porta, notaria, talvez, o bilhete em seu nome, cuidadosamente dobrado, que caíra de sua bolsa e descansou, abandonado, no frio do azulejo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

A pessoa ainda se meteu a uma rimazinha marota hihi
então, legal? :3
até o proximo capitulo!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Tinta e Papel" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.