Gentleness escrita por U can call me A


Capítulo 21
Gentileza (não) existe




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/731196/chapter/21

O figurino que o grupo de dança tinha escolhido era horroroso. Quando sua mãe lhe mostrou, Ephir quase foi cegado pelas cores vibrantes, combinadas com acessórios metálicos e remendos de estampa de zebra. 

— Não é legal?! – Ela deu voltas enquanto provava, quase aos pulos de empolgação. 

Era raro ver ela tão feliz. Ephir engoliu suas críticas mais cruéis que as de juízes em reality shows de culinária, que por pouco não deslizaram por sua língua, e espremeu o cérebro pra pensar no elogio mais sincero possível: 

— Ninguém vai conseguir tirar os olhos de vocês. 

E tentou um sorriso. Ela sorriu também, disse “Eu sei, né?!” e correu para o espelho para fazer poses aleatórias. Sua mãe parecia muito satisfeita consigo mesma, uma qualidade que Ephir não costumava gostar nas pessoas... Até lhe deixava enojado. Deixava. Passado. Não mais, ou pelo menos, não tanto. Ele não sentia a menor vontade de interferir com a felicidade dela no presente. Talvez porque fosse sua mãe, ou talvez ele tivesse tomado consciência do que podia compartilhar da vozinha rabugenta em sua cabeça. 

Talvez ele tivesse se tornado mais tolerante com a natureza humana. Só um pouquinho. E ele já sabia a quem devia agradecer por isso. 

— Ephir! Meu celular não tem mais espaço, me deixe tirar fotos no seu! – A mãe dele chamou. 

— A câmera do meu é ruim. – Ele avisou, tirando o celular do bolso. Ou por não ter acreditado ou por não ter lhe dado ouvidos, alguns segundos se passaram até ela soltar num berro revoltado um “Mas que câmera porcaria!” Ephir suspirou. – É por isso que eu reclamo do meu celular. Ainda quer me dar um tijolão? 

Ela parou de resmungar. Virando a cara para o outro lado, até concordou em procurar por um com preço bom junto dele num outro dia. Ephir desceu as escadas com um sorriso vitorioso, e ela, sem ter como tirar mais fotos, não demorou para fechar a porta, contrariada. 

— Ah, Ephir... – o pai de Lori esbarrou nele, subindo as escadas. Ephir ia cumprimentá-lo quando reparou em Lori dormindo nas costas dele, nariz vermelho e bochechas com algo líquido refletindo luz. 

— Aconteceu alguma coisa? ...Senhor? – ele se aproximou para afagar a cabeça do menino, mas o pai voltou a subir antes que pudesse. 

— Está tudo bem, ele só está um pouco cansado. – o homem respondeu, olhando por cima do terno para Ephir, antes de voltar roto pra frente. E então, num tom baixo como se não lhe importasse se o adolescente ouvisse ou não, continuou: - E é bem provável que agora não vá mais precisar dos seus serviços... 

A porta do apartamento deles se fechou sem que Ephir pudesse agarrá-lo e perguntar o que queria dizer com isso. Sua mãe se aproximou balançando a cabeça em negação. Ela deu uns tapinhas nas costas do filho. 

— A família deles não anda indo muito bem. – Ela sussurrou. Vendo o olhar confuso dele de “Isso não é novidade”, suspirou. – Eu não queria dizer isso sem ter certeza, mas eu ouvi que vão deixar o menino com um tio ou uma avó, não sei, em outra cidade... 

— O quê? Por quê? Como eu não ouvi sobre isso?! 

— Eu soube por acaso e... Ei, parado, Ephir! – ela o segurou pelo braço quando ele ameaçou ir bater na porta. – Agora não, você pode resolver isso depois! Hoje é meu dia! E eu já falei que não tenho certeza... Pelo menos hoje, você pode não tentar estragar tudo? 

“Pelo menos hoje”, “pelo menos hoje”, “pelo menos hoje”... 

Ele já tinha tentado. Aliás, vivia tentando. Ephir sabia que sua mãe estava tentando correr atrás de aproveitar o que não pôde por causa dele. Ele sabia que tinha estragado a vida dela nascendo, mesmo que não tivesse pedido por isso, e seu esforço diário já era aliviar o peso nos ombros dela. 

“Pelo menos hoje”? 

Ele sorriu. Ela suspirou aliviada, e eles desceram. 

“Hoje” era só mais um dia que ela não estaria satisfeita com o que ele havia se tornado por se importar demais. 

Olhando a paisagem mudando da janela do carro, era difícil não ficar deprimido com seus pensamentos. O silêncio fazia eles se multiplicarem ainda mais desagradáveis que de costume. 

“Meu pintinho amarelinho... Cabe aqui na minha mão...” 

Ephir se virou, e viu que sua mãe estava cantando junto de um CD de músicas infantis. Ela piscou pra ele, provavelmente querendo dizer que não estava mais aguentando a cara de defunto que o filho estava fazendo. 

“Ótimo, agora tenho que pensar que nunca mais vou ver Lori ao som de meu pintinho amarelinho”, ele pensou, “Lori. Uma criança. E ela põe essas músicas. Prefiro pensar que ela não se tocou ainda e só queria aliviar o clima pesado.” Sinal vermelho ou outro ela olhava pra ele, e mais desconfortável ele parecia, ainda que tentasse fingir o contrário. 

Mais um semáforo. Ela pausou o rádio. Se virando pra ele, explodiu: 

— O que foi?! 

Ephir deu um pulo no banco com o susto. Seu peito mais parecia que queria espremer seu coração quando respirava. 

— Huh? – Ele piscou várias vezes, confuso. - O que... O que foi o quê? 

Ela passou a mão pelo cabelo que levou horas para arrumar, como se estivesse se controlando para não arrancá-los. Ephir podia ouvir ela suspirando, e desviou os olhos para o sinal, os tracinhos vermelhos iam diminuindo e ele se acalmando. Não havia motivo para ela estar atacando tanto ele, então só podia ser o nervosismo antes da apresentação. Sabendo disso, Ephir não podia deixar a cabeça esquentar também. Duas pessoas nervosas são pior do que uma. Mas é sempre difícil manter o auto controle quando a outra pessoa está perdendo o dela. 

— O sinal abriu. – disse. 

O carro continuou o caminho para a escola de artes como se nada tivesse acontecido. Porém, quando estacionaram, ela chamou por Ephir antes que ele descesse. “E lá vamos nós”, ele pensou, o mal pressentimento subindo sua espinha. Ele se virou pra ela, que estava tirando o cinto. Em seguida se aproximou e levantou um braço. Ele fechou os olhos esperando algum impacto. 

Ela lhe deu um abraço. Uma mão no topo de sua cabeça, afagando, e outra lhe puxando pra perto. 

— ...Me desculpe. Eu... percebi que.... não devia ter dito que você estraga tudo. Eu estava com raiva, mas... Eu só queria que você ficasse feliz por mim. Por que você nunca parece feliz? 

— Mãe... 

— É chato você querer aproveitar o momento e a outra pessoa estar de cara feia o tempo todo! Só que dessa vez eu não posso dizer que não sei o porquê... E eu não fui legal... Podemos ver isso sobre o Lori juntos depois, ok? Eu realmente só quero você feliz. Eu sou feliz se você estiver feliz, então será que não poderia torcer por mim hoje? 

— M... Mãe... 

— Eu só peço... 

— Sufo...cando.... 

E foi assim que ele chegou na porta da escola se encostando na parede e com a língua de fora. Mas pelo menos conseguiram se resolver antes dele morrer de asfixia, ou então sua mãe não teria ido se encontrar com o grupo de dança cheia de sorrisos como foi. 

Havia poucas pessoas nas cadeiras em frente ao palco, no grande jardim da escola. Ele podia escolher qualquer lugar que quisesse, ainda estava no horário dos participantes chegarem para um último ensaio. Entretanto, ele olhou só precisou olhar para cima e soube onde queria ficar. 

Seu lugar de costume na escada podia ser escondido em dias de aula, em que todos estavam em suas salas, mas no topo dos degraus, ele tinha uma visão privilegiada do palco, e as pessoas no palco poderiam lhe ver também. Que conveniente para uma escada perto da sala do diretor, não? Ele sentou em cima do corrimão, e logo sentiu a brisa de fim de tarde bagunçar seu cabelo, lhe fazendo olhar para baixo na tentativa de evitar o fio nos olhos. Foi quando reparou nas criancinhas do balé competindo quem abria escala maior, instrumentistas repassando trechos difíceis de suas músicas, palhaços ajeitando a maquiagem, e vários artistas andando pra lá e cá, nervosos, confiantes ou indiferentes de tão acostumados. 

“Não, Anne, eles não são estúpidos.”, pensou, “Todos nós somos.” 

E ele era mais ainda, por tentar achar explicações pra essa estupidez toda. 

O aviso na porta da diretoria não estava mais lá, o que só podia significar que Célio tinha vindo. Ephir não tinha visto nem sombra dele, porém, se fosse procurá-lo, as chances de se desencontrarem seriam muito maiores. Se ele esperasse ali, uma hora... 

— Ai! Meu pé... 

— Mil perdões, mil perdões! A caixa de som... Eu não vi que o seu pé ia ficar embaixo... 

— Não importa, só não carregue assim. Vai ser um problema se você aleijar um dançarino. 

— Sim, sim, diretor! Mas... Como eu carrego então? 

Quem mais esse diretor poderia ser senão Célio? Ephir pulou pra trás do corrimão e olhou entre as frestas, sem pensar em porquê estava se escondendo. Ali estava o dono da cabeça de cachos castanho escuro segurando um pé e discutindo com alguém da organização. Do que estavam falando quando disseram que ele parecia um morto vivo? Daquela distância, ele parecia perfeitamente funcional, embora de fato, alguma coisa dava a sensação incômoda de anormalidade. Seria porque ele estava mais magro e carrancudo?  

A discussão terminou e Ephir ainda não sabia dizer o quê. Célio tampouco olhou para cima, em vez disso continuando a guiar outros ajudantes. Ora sumia e aparecia carregando um ventilador, ora estava oferecendo lenços para alguém chorando de nervoso. Ele parecia tão ocupado que Ephir não quis chamar sua atenção no momento, só não conseguindo tirar os olhos dele. Por fim escureceu e em nenhum momento seus olhos se encontraram. O garoto realmente quis ser um estudante de Ihna, pois então além de saber tocar piano, poderia já ter falado com Célio. Por falar em Ihna, ela e Soli, onde estavam? 

— Atenção, alunos e convidados, está começando o décimo quinto festival de fim de ano... - Uma voz suave e monótona ecoou pelo jardim, das caixas de som espalhadas. Era Ihna! “Quem teve a ideia de colocá-la como apresentadora?”, ele estava pensando ao se virar, mas se surpreendeu ao ver o sorriso elegante que ela carregava, os olhos suavizados. Parecia outra pessoa. 

Em meio ao discurso, ela pediu palmas para a equipe organizadora. Célio foi um dos que subiu ao palco, e ao ser apresentado ao público como diretor, deu um passo a frente, recebendo uma multidão de palmas. O jardim, antes quase vazio, agora mal continha as pessoas em pé e no colo dos outros para assistir. Entre elas, no entanto, não estava a pessoa que ele mais queria ver. 

A próxima pessoa foi à frente e o sorriso cansado de Célio se desfez. Ele olhou pra cima, seus olhos se encontrando com os de Ephir. Fixos. Apesar dele não estar tão perto, o garoto pensou que aquele par de írises azuis nunca tinham parecido tanto com gelo antes. 

As luzes do palco mudaram e Ihna anunciou o balé infantil como abertura. Célio sumiu pelos bastidores. Tendo perdido ele de vista, o garoto suspirou e pensou em comprar pipoca. Com o quão lotado estava, ele deveria se preocupar com alguém roubar seu lugar, mas desde que havia chegado, nem uma alma penada tinha chegado perto da escada. Estranho ou não, ele não se importou muito, e em vez disso estava pensando se o perigo não era Célio lhe procurar e ele parecer ter fugido. 

Por outro lado, talvez ele conseguisse falar com ele agora. Fazia tempo que Ephir estava se segurando para não ir atrás. 

Uma pessoa se encostou no corrimão. Ephir estava tão focado em se decidir que só se deu conta quando ouviu: 

— Ihna me disse. 

Pela segunda vez no dia, o garoto quase morreu de susto. Ele deu um pulo de onde estava, como se seus instintos quisessem que saísse correndo. Quando se lembrou que estava sentado em um corrimão, já estava caindo. Os olhos de Célio se arregalaram, e ele correu para agarrar Ephir. Um frio correu pela barriga do garoto, sentindo seu corpo pender para o chão a alguns metros de altura. As pessoas lá embaixo aplaudiam o show, ignorantes do que se passava alguns metros acima. Se tivesse dado tempo, Ephir teria ironizado, mas ele estava ocupado demais sentindo seu sangue gelar. 

E então ele foi puxado pra cima e caiu em cima de algo que soltou um grunhido de dor. Ele ainda estava tentando acalmar a própria respiração, e pelo descer e subir do peito contra as costas dele e a respiração não muito distante de seus ouvidos, a outra pessoa não estava nem um pouco menos nervosa. Depois de alguns segundos, Ephir arregalou os olhos e se levantou como se tivesse levado um choque. 

Lá estava Célio no chão, rindo. O jovem lhe ofereceu ajuda, mas ele apenas cobriu o rosto com a mão, em vez de aceitar. E continuou rindo. Era um riso doloroso, o som beirava soluços de choro. 

— Dessa vez eu consegui. - ele murmurou. 

— Célio? – o garoto se agachou, hesitante. - Conseguiu... o quê? 

As írises azuis lentamente brecharam por entre os dedos Célio, a luz verde que iluminava as árvores refletindo nelas. 

— Você sabia que Isel morreu? - Ao invés de responder, foi o que ele sussurrou, enquanto sentava cambaleando. - No enterro, um amigo dele veio do outro lado do mundo só pra me contar das últimas conversas que tiveram, que Isel não quis parar em casa um segundo depois de ter brigado comigo. Pra não ficar sozinho com os próprios pensamentos, hah... Que talvez ele não tivesse ido no show em que teve o incêndio... Por mais que eu saiba que isso não é verdade, ele já tinha me convidado antes. Mas eu não retruquei. Eu só ouvi em silêncio e deixei ele me culpar. Nunca imaginei que Isel fosse ter outras pessoas que se importassem tanto... 

Ele soltou mais alguns risos, desviando o olhar para o palco, em que um grupo de violinos estava tocando. Quando voltou para Ephir, sua expressão estava contorcida com uma raiva que ele estava tentando conter, e sua mão agarrou a gola da camisa do outro. 

— Mas me diga, Ephir, então quem eu deveria culpar? Porque, por mais irracional que seja, eu só consigo pensar em você. Você disse pra Ihna que não ia ter os mesmos arrependimentos que eu... Ótimo! Que bom pra você! Mas e eu? Toda vez que olho pra você, vejo os meus. Se eu não tivesse emprestado o casaco, se eu não tivesse pensado da primeira vez que você parecia tão perdido como quando eu encontrei ele, se eu não tivesse... 

Uma lágrima correu pelo rosto dele, e Célio arregalou os olhos para sua própria mão. Ele teve medo de ver que expressão Ephir estava fazendo, mas espreitou mesmo assim. 

Aquela não era a primeira vez no dia que alguém estava descontando seus sentimentos nele. E Ephir entendia, ele também queria agarrar os pais de Lori e gritar com eles um pouco, se pudesse. Ou listar pra sua mãe todas as vezes que priorizou ela, pra que ela não dissesse “pelo menos hoje”. Ou gritar pro mundo que ele não pediu pra nascer, então será que não podiam deixar ele continuar feliz quando estava feliz? Ele adoraria culpar alguém também. Às vezes, sua implicância com Irin era uma versão disso. Talvez eles fossem um tipo estranho de amigos, afinal. 

Então, ele não conseguiu evitar, estava chorando também. As lágrimas se espremiam de seus olhos e pingavam de seu queixo silenciosamente, contrastando com seu olhar compreensivo. 

Célio lhe soltou como se tivesse sido queimado e apertou a mão contra o peito, se afastando. Mais lágrimas desceram suas bochechas. 

— Me desculpe, eu... eu... - Suas sobrancelhas arquearam para cima, e ele começou a revirar os bolsos. Tirou de um deles um dos pacotes de lenços que estava oferecendo para estudantes mais cedo e tremulamente o estendeu para Ephir. 

O garoto congelou, surpreso. Célio ficou ainda mais nervoso. Aos poucos, o gelo foi derretendo e Ephir aceitou o pacote com um sorriso. 

— Que gentil você ainda consegue ser, mesmo quando está cansado disso. - ele riu fraco, secando as lágrimas.  

O homem rapidamente olhou pro chão. Ele também tentou um sorriso, mas isso fez mais gotas transparentes acumularem no piso. 

— Gentil...? - Célio engoliu em seco. Era difícil a imagem de Ephir não sobrepor com a do jovem de sua adolescência, sempre lhe admirando. A imagem do garoto frustrado numa escada porque queria estudar e o garoto triste na praça que queria amigos. Ambos que ele ajudou, ambos que ele guiou o caminho, ambos que ele machucou, só um que ele salvou. Um para substituir o outro. 

Célio teve o breve pensamento: Se ele beijasse Ephir, a imagem dele iria se assemelhar com a de Isel mais uma vez e lhe dar mais alguns segundos de negação, do único momento que ele teve sua pessoa importante em mãos? Iria satisfazer sua raiva, seu desespero, sua vontade louca que Ephir pudesse estalar os dedos e lhe devolver Isel, pra que ele também não tivesse mais arrependimentos? 

Tão rápido quanto veio, ele afastou a ideia. O fundo do poço bastava, ele não precisava cavar mais fundo. 

— Eu nunca fui gentil. - Célio levantou a cabeça. - Talvez um dia esse rótulo tenha servido para mim, mas tudo o que eu fiz foi por minha própria satisfação. Gentileza não existe. 

Que uma de suas crenças saísse da boca de quem lhe fez ver além disso, a mesma pessoa que ele queria usar para provar que era verdade, mas sem que ele tivesse realmente feito algo, soava nauseante para Ephir, o tipo de coisa que você escuta e começa a pensar se não é mentira. E ainda assim, parte dele não podia estar mais feliz de ter concluído o experimento. 

— Célio, eu pensava o mesmo. Igualzinho. Mas foi você que me fez dar o primeiro passo para ver que não importa muito que seja por satisfação própria se no fim das contas você não faz nada além de ajudar a outra pessoa. Foi graças a você que eu superei meu passado e hoje estou namorando com aquele meu amigo tapado que você conheceu. - Ephir se aproximou para sentar mais do lado dele, e estendeu a mão para secar o rosto dele com um outro lenço. - Mas eu queria lhe agradecer em pessoa, por isso disse o que disse pra Ihna. Eu não sabia do que estava acontecendo do seu lado e não tive nenhuma intenção ruim. 

Ele não podia ver os olhos azuis porque esses estavam fechados, e o homem estava respirando fundo, mas não recusava a ação do tufo de cabelo caramelo nem parecia que ficaria agressivo de novo. 

— ...Se me culpar e me odiar for fazer você se sentir melhor, tudo bem. Eu lamento um pouco porque você é uma pessoa interessante, mas... - Ephir começou a se levantar. - Sabe, não é que você ou Nante tenham me salvado. Nos meus piores momentos, não tem nada que resolva minha dor. Mas tem coisas que ajudam a sarar, tem pessoas que ajudam a recuperar sua confiança. O mundo não é preto e branco, e por isso eu ainda consigo esperar que suas feridas sarem um dia. - ele colocou o pacote de lenços em cima do corrimão e começou a andar sem olhar pra trás. - Obrigado por tudo, Célio. 

— Péssima coisa de se dizer a alguém que ainda está sangrando. - ele ainda ouviu o homem murmurar, mas não respondeu mais nada. Se eles ainda se encontrassem no próximo semestre de aula e se o diretor ainda quisesse falar com ele, então eles poderiam colocar muitas mais cartas na mesa, mas no momento estava claro que Célio precisava de um tempo sozinho. 

As apresentações dos mais jovens tinham acabado. Agora estava na faixa dos jovens adultos, e Ephir conseguiu se espremer na primeira fileira quando os palhaços adolescentes estavam no fim de sua apresentação. Ihna saiu de trás das cortinas para anunciar que a próxima seria de mímica, com ninguém mais, ninguém menos que Soli. Os olhos mortos de Ephir recuperaram um pouco de brilho. Quem diria que além do curso de libras, Soli também estava frequentando a escola pela mímica? 

Logo também foi a vez de sua mãe. Ele gravou tudo, inclusive a reação mais que positiva do público com as roupas. Mais tarde ela reclamaria da qualidade da imagem e se convenceria ainda mais de lhe dar um telefone novo. 

Não que ele se importasse mais tanto, aéreo como estava. Nem registrou sobre o que ainda falou com Soli e Ihna, ou o que comeu no restaurante em que a turma de dança foi jantar. O rosto de Célio chorando não lhe saia da cabeça, e assim que ele chegou em casa e se jogou na cama, discou o número de Nante. 

Era tarde. Tarde de ele não poder ir bater na porta da família de Lori, mas não tão tarde que seu namorado estivesse dormindo. 

— Oi, Ephir - a voz de Nante soou em seu ouvido, lhe acalmando imensamente. Ele abriu a janela, pensando que debaixo daquele mesmo céu estrelado estava o dono da voz, e então sentindo desgosto de seu romantismo. -, aconteceu alguma coisa? 

— Lori vai se mudar e eu matei o crush de Célio. 

O outro lado da chamada ficou em silêncio. Ephir riu. 

— Não acredito que você vê graça numa pegadinha dessas. - Nante suspirou, exasperado. Dava para imaginar a cara que ele estava fazendo. 

— Eu estou rindo, mas é verdade. Minha mãe fica dizendo que é só uma possibilidade, mas conhecendo os pais de Lori, vou ter que começar a juntar dinheiro pras minhas passagens pra visitar ele. - O tufo de cabelo caramelo voltou a se jogar na cama. - E Célio, bem, ele acha que indiretamente eu tive culpa na morte do crush dele. Mas ele sabe que não é bem assim, é pra se sentir melhor... 

— Eu não sei nem o que dizer... 

Ephir sorriu. Não tinha nada que pudesse ser dito. 

— O que você estava fazendo antes de eu ligar? 

— Pensando no quão bom seria se você ligasse, talvez? - Nante flertou, e Ephir ficou em silêncio. - ...Eu estava estudando. Mas não passa muito longe do que eu falei. Agora que estou falando com você, vou escapar da física e ir dormir em paz. 

— Me ponha pra dormir, então. Sua voz me acalma. 

Silêncio. Ephir apostaria dez pudins que Nante estava morrendo do outro lado da linha. 

— Claro. - O outro disse, quando se recompôs. - Você já está deitado? 

— Uhum. - Ephir chutou os sapatos pra longe e se cobriu com o lençol. - E você? 

— Deitando agora. Sobre o que você quer falar até dormir? 

Ephir deitou de lado, olhando para a gola de sua camisa que Célio tinha agarrado. 

— Você acredita em gentileza, Nante? 

— ...Hm? De novo com isso?  

O garoto riu. 

— Verdade, verdade, já basta. É que Célio me disse hoje que nunca foi gentil e que gentileza não existe, eu estava me perguntando se você não teria alguma revelação chocante pra mim, também. 

— Uma revelação chocante? Você quer que eu compita com isso? - Um suspiro soou do telefone, enquanto o garoto pensava. Depois de algum silêncio, ele abriu a boca de novo: - Pra mim, não importa se gentileza existe ou não, só me importa se você me ama. Você me perguntou quais eram meus limites uma vez, e acho que seria isso. 

Um som de beijo soou no ouvido de Nante. Ephir tinha beijado o microfone do celular. 

— Eu te amo. Obrigado, Nante. 

Se pra ele não importava, talvez Ephir conseguisse a se acostumar a não se importar mais também.  


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Se você não comentar no final, vai ter dez anos de azar. Eu chorei sangue pra escrever isso.
Escrevi o feriado inteiro sem parar, meus dedos estão tremendo. 10/10 faria de novo. Mas por enquanto, vou tirar umas "férias" antes de começar a editar. É isso, acabou! Daqui a uns meses talvez você possa voltar pra ver as mudanças na história depois da edição. Tem muitas coisas que não me agradaram no processo, mas estou satisfeito com o resultado final.
Ah, a coisa de chorar sangue não é mentira, mas é porque a córnea dos meus olhos é muito fina...



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Gentleness" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.