Pedaços Transformados escrita por Kurohime Yuki


Capítulo 72
Conhecia


Notas iniciais do capítulo

Estou ciente que isso (19 horas) é cedo para mim, mas... Não sei. Tentar novos públicos? Quem sabe tenha alguém que possa gostar, mas não esteja online durante a madrugada, vai saber.
Espero que gostem!



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conhecia

CALUM, 13 ANOS. LUKE, 12 ANOS.

Deixar sua irmã sozinha era uma má idéia – sempre era uma má idéia, mas estar ao lado dela sempre fazia Luke ter más ideias. E era como se, mesmo longe dela, o controle mental de Julie sobre ele permanecesse e...

Talvez fosse algo a ver com distância?

Talvez ele não estivesse longe o suficiente?

Ou talvez ele tivesse todo esse potencial oculto?

Luke tinha uma teoria: ele estava na sombra da sua irmã e seus planos eram ótimos em comparação aos dela, contudo, quando se afastava e enfim ia para a luz, não havia nem um plano ruim para fazer os deles parecer bom. E Luke tinha planos ruins – não ruins como os da sua irmã (não tinha como), mas chegava perto.

Ruim do tipo deixar sua irmã sozinha.

Ruim do tipo achar que era uma boa ideia deixar sua irmã sozinha.

Ruim do tipo ir para um pet shop, porque talvez, apenas talvez (talvez?) Berkeley estivesse lá.

Talvez ela estivesse, mas não seria intencional – Luke tinha vagamente ouvido isso, (um garoto disse a um dos seus amigos que disse a sua irmã que disse “isso claramente é uma mentira, porque não existiam pessoas boas no mundo” com um olhar que dizia eu-sei-o-que-você-fez-Calum) então... não contava.

Não era como se ele estivesse perseguindo-a ou alguma coisa do tipo – e, se tivesse, sua irmã era culpada, ela que o fazia agir daquele jeito.

Sua irmã era a culpada.

Sua irmã estava certa.

Sua irmã não estava em casa.

Luke estava preocupado. Para onde, na face desta terra abençoada por Deus, Julie Agnes Hemmings se meteria? Ela não era realmente social e tinha o que... doze anos? Ela era muito nova para sair sozinha por aí e muito bonita para sair sozinha por aí, por que então ela estava sozinha por aí?

—Quer se sentar, Luke? – questionou Calum, despreocupado.

Ver Luke andar em círculos, roendo as unhas e passando a mão desocupada na cabeça, quando ela não estava ocupada batendo ritmicamente contra sua perna? Calum estava acostumado. Boa parte do tempo, Luke fazia uma ou várias daquelas manias.

—Não! – gritou Luke, sem parar, agora com ambas as mãos arrancando os cabelos.

Calum assobiou, baixinho. Seu amigo chegou num novo de desespero e algo parecido com simpatia estava crescendo dentro de si – em momentos como esse, Calum não sabia se deveria deixá-la crescer ou sufocá-la logo, mas ele odiava ver Luke daquele jeito.

E estava preocupado com Julie.

Um pouco, bem pouco, quase nada.

Quer dizer, ela não iria congelar até a morte só porque não estava preparada para o frio que fazia ou a fraca nevasca que caia – Julie era resistente, muito resistente ao frio; resistente de um jeito que não fazia sentido; resistente de um jeito que Calum devia estar com mais frio dentro de casa, devidamente vestido, do que ela na rua.

—Você já tentou ligar para ela? – questionou Calum, porque obviedades óbvias eram as primeiras coisas a ser esquecidas por idiotas.

E Luke era um idiota.

—É claro que... – Luke pensou. Parou. Pensou.  Repensou. Disse: – Não... Boa idéia, Calum! – exclamou, puxando o celular do bolso e teclando. – Você é um gênio!

Calum o ignorou e tentou se concentrar no jogo, metade ouvindo e metade fingindo que não estava ouvindo – ele não precisava olhar para saber que o número 3 da chamada rápida era de Julie, que Luke batia o pé impaciente no chão, tenso e preocupado e irritado por sua irmã não atender o telefone.

Calum ouvia tudo isso.

Calum o conhecia.

E sorriu, soltando o peso do mundo que sabia que estava nos seus ombros ao suspirar, ao ouvir Luke suspirar e parar de bater o pé, porque Julie estava bem e tinha atendido, mas Calum ainda queria bater a cabeça dela contra a dele para ver se entrava algum juízo ali, porque ele já estava perdendo o dele – o simples fato de estar pensando uma loucura dessas comprovava. Por que, oh, céus, como existiam tantos idiotas na sua vida?!

—Onde você está? – gritou Luke no telefone e Calum não precisava ser um gênio para saber que Julie queria desligar, estava tentada a desligar, estava a meio caminho de desligar... Respirando fundo, Luke falou mais baixo, entredentes: – Eu estou aqui. Em casa. Com o Calum. E você não está em lugar algum. Você sabe o quão preocupado eu fiquei quando cheguei em casa e ela estava vazia?

Calum revirou os olhos, cantarolando "idiota" baixo o suficiente para fingir ser educado e alto o suficiente para Luke ouvir, por que, sinceramente, desde quando o jogo da culpa funcionava com Julie Hemmings? Por que ao menos Luke tentava não se sentir culpado? Era um perda de tempo, de fôlego e saliva, na opinião de Calum.

—Agora a culpa é minha? – questionou Luke, recuando surpreso. – Você que disse que não queria ir conosco até o pet shop!

—Ela disse? – ecoou Calum, surpreso, porque não tinha ouvido essa parte, mas o telefone não precisava estar no viva-voz para ele escutar Julie gritar:

—Eu sou alérgica a pelos! E pare de gritar comigo, seu idiota. Você não é meu pai! – gritou Julie.

Luke queria gritar "é claro que não sou seu pai, idiota!", porque era claro que se fosse Andrew ele nem se importaria, se seu pai já tivesse chegado do trabalho ele nem teria percebido que Julie não estava ali – Luke tinha muitos argumentos indiscutíveis que não era o pai da sua irmã gêmea, esses eram os in-indiscutíveis (o primeiro "in" cancelava o segundo?), mas ela desligou.

Na sua cara.

Sua irmã desligou.

Na sua cara.

—Ela desligou na minha cara! – murmurou Luke, olhando para o telefone nas suas mãos, chocado. – Ela desligou na minha cara – repetiu para seu amigo, incrédulo.

—Eu ouvi da primeira vez - murmurou Calum.

—Ela desligou na minha cara?! – gritou Luke, revoltado, jogando o telefone no sofá.

—Eu com certeza ouvi dessa vez.

—E-eu não acredito.

—Acalme-se, Luke – disse Calum, sem dar valor ao seu chilique. – Não é como se sua irmã tivesse sido sequestrada.

—Você não sabe!

—Nem você.

—Então é melhor esperar o pior! - exclamou Luke.

—Não é assim que funciona.

—Quem disse?

Calum fechou os olhos e respirou fundo, sentindo sua paciência escoar pelo ralo. Como Luke era irritante. Calum rangeu os dentes para dizer:

—Eu. Eu disse.

—Oh, e o que você sabe sobre...

—Luke – avisou Calum, sem perder uma vida, mas apertando tão forte o botão que ficou surpreso por não travá-lo ao retirar o dedo de cima. – Não vá por esse caminho.

—Ahhh! – gemeu Luke, enfiando as mãos no cabelo e afundando no sofá ao seu lado. – Ela desligou na minha cara!

—Oh, meu Deus, cara! – reclamou Calum, jogando o joystick para o lado. – Você vai parar de reclamar e me deixar jogar?

—Ela desligou na minha cara – repetiu Luke, incrédulo, retirando as mãos hesitantes do rosto e levantando os olhos confusos. – Por que ela desligou na minha cara?

—Não faço a mínima idéia porque ela desligou na sua cara – murmurou Calum, respirando fundo, porque ele queria desligar na cara de Luke. Se aquela fosse uma conversa telefônica, ele já teria desligado. – Por que você não confessa logo que está se sentindo culpado?

—C-confessar? – gaguejou Luke, olhando-o assombrado. – Por que eu confessaria algo do tipo? É óbvio que estou me sentindo culpado! A gente deixou ela vim sozinha...

—A gente? – interrompeu Calum, levantando a sobrancelha para ele. – A gente? Não me lembro desse "a gente", assim como não me lembro de Julie ter dito que não queria ir. E eu quis vim para casa com ela, mas você...

—Não importa, Calum. Detalhes. De-ta-lhes. – Luke balançou a cabeça. – Cara, concentre-se no que importa: Julie veio para casa antes de nós, bem antes que nós, então cadê ela? Não tem como ela não ter chegado. Então. Cadê. Ela.

—Ela não está aqui – respondeu Calum, pegando o joystick de volta.

—Obrigado, gênio.

—Disponha, idiota.

—Ahhh! – Luke gemeu novamente, empurrando a testa contra o ombro de Calum uma, duas, três vezes, e então a manteve lá.

Calum deixou que ele fizesse isso, sentindo o peso reconfortante e Luke quente apesar do frio, quente e agradável e confortável e um empecilho para ele se concentrar no jogo como queria, mas... Calum não o queria longe. Ele estava gostando daquilo, daquela proximidade, do quão natural foi para Luke fazer aquilo e do quão confortável ele mesmo estava com isso.

—Eu fui idiota? – murmurou seu amigo depois de um segundo.

Calum cantarolou em reconhecimento e sugeriu:

—Para um idiota chamar outro de idiota...

—Precisa ser mais idiota ainda – completou Luke num resmungo mal-humorado. – Seu celular está com você?

—Sim, porque...

—Porque... – O celular de Calum começou a tocar e Luke apontou para o centro, para o celular, com um “eu disse” desanimado. – Julie.

—Hum... – Calum olhou desconfiado de um para o outro, não se mexendo para pegá-lo. – Você não vai...

—Calum!

Calum riu e puxou o telefone para si, tentando se acalmar e não se arrepiar com a respiração quente e irregular de Luke no seu pescoço, próximo, desconfortável.

—Atenda – ordenou Luke num sussurro e então levantou as mãos e recuou para o outro lado do sofá antes que Calum reclamasse.

Calum atendeu.

—Você está jogando videogame enquanto eu estou desaparecida?

—Não – disse Calum, devagar, porque Luke tinha pegado seu joystick, porque Luke era péssimo em jogos e Calum tinha chegado numa fase difícil, porque era complicado prestar atenção em duas coisas ao mesmo tempo. – Eu nunca colocaria você em segundo lugar.

—E o que é que eu estou ouvindo?

—E você está comendo mesmo tendo sido sequestrada?

Julie parou e Calum conseguia imaginá-la olhando para os lados, como se o procurasse, com a comida a meio caminho da boca.

—Como você... – Ela chiou, assustada.

—Julie, eu te conheço desde pequena – disse Calum, paciente – você não deixaria ninguém em paz até está comendo.

—Ele já se acalmou? – perguntou ela, indo direto ao que queria saber.

Calum olhou de lado para Luke que estava fazendo um trabalho impressionante em perder todas as vidas que conseguiu e tentou ver qual era a melhor resposta... Não que precisasse, porque essa era Julie, porque Calum a conhecia e sabia qual era a resposta que ela queria ouvir. E dar a Julie o que ela queria era a resposta para fazê-la mais egoísta, mimada, mas era a resposta mais rápida.

—Não.

Julie fez um barulho que, para Calum, parecia satisfação – e deveria ser, porque aquela era Julie e Julie amava ser colocada em primeiro lugar.

—Eu estou com um amigo meu...

—Você não te amigos, Julie – interrompeu Calum.

—Ha ha ha. Muito engraçado. E o que você é?

—Eu sou seu irmãozinho! – exclamou ele, olhando de canto de olho para Luke, que deu uma olhada igual e depois se concentrou no jogo. Calum não via razão para isso, jogar ou não jogar parecia o mesmo, dava no mesmo caminho, a morte seria menos indolor para o personagem se Luke o deixasse parado, esperando a morte certa.

—Certo – disse Julie, sem discordar do "irmãozinho", sem comentar que ele era o mais velho. – Diga para o idiota que já estou indo.

—Está tarde, faça esse seu “amigo” imaginário te trazer...

—Você não me conhece desde pequena? – interrompeu Julie. – Se preocupe mais em passar de nível, Calum.

E então ela desligou.

Na sua cara.

Agora Calum entendia a revolta de Luke.

Por que quem desliga na cara dos outros?

Por que ela tinha desligado na sua cara quando ele estava sendo tão educado?

—Eu sei – disse Luke, simplesmente, sem olhá-lo, sem ver a expressão que seu amigo deveria estar fazendo, porque conhecia o sentimento, porque o conhecia, porque conhecia Julie, porque conhecimento era um fardo e aquele jogo estava perdido. – Eu deveria ter salvo antes, mas... – Ee deu de ombros, sem culpa, enquanto se levantava. – Ops. Vamos.

—Vamos? – ecoou Calum. – Para onde? Está nevando!

—Eeeexato! – comemorou Luke, levantando a mão para o alto. – Guerra de neve!


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