Pedaços Transformados escrita por Kurohime Yuki
Notas iniciais do capítulo
E ai, quem foi fazer o enem? Eu fui, né? Que tanto texto era aquele? Ano passado não foi assim.
distração
setembro, um dia depois
—Vocês não precisam sair – anunciou a enfermeira, olhando para os olhos que a encaravam e diziam que não, eles não iriam sair. Nem por um segundo, nem por um minuto; não por nada e com certeza não por ela.
Arly estava impressionada.
Três garotos e uma menina.
Um garoto dormindo na poltrona.
Um garoto sentando-se no chão com a cabeça encostada na cama, os olhos fixos no teto como se perguntasse "por que estou aqui?".
Um garoto na cama que parecia feliz, risonho e em casa.
E uma garota com ele.
Arly estreitou os olhos, algo dentro de si dizia que isso era pior do que um triângulo amoroso e ela não sabia dizer quem estava sendo disputado ali.
Ou se queria saber.
A garota a olhou como se ela fosse doida e estivesse ofendida, como se o simples fato de ter pensando por um segundo que pudesse retirá-la dali a ofendesse.
Arly se sentiria ofendida se um sentimento de amor alheio não estivesse desenvolvendo-se dentro de si, porque... Sim, sim e apenas sim. Seu sorriso que aprendeu depois de tantos anos de trabalho, o sorriso que não era feliz nem triste, mas que apenas mostrava os dentes, foi substituído por um verdadeiro, porque ali havia fé, havia amor e havia caridade.
Era difícil encontrar essas três coisas juntas ali, naquele local, principalmente com pessoas tão jovens.
O garoto sentado no chão era a prova. Uma delas. A mais visível. Ele tinha o rosto pálido, a mão tremia e apertava fortemente a mão de...
—Calum – olhou Arly o prontuário. – Certo?
—Sim – acenou o próprio.
—Preparado? – questionou ela, colocando a prancheta de lado e pegando as luvas e seu material.
Seringa, frascos, algodão, álcool, band-aid... tudo certo. E ela ainda odiava essa parte. Odiava como seus olhos queimavam e sua boca secava, como se fosse ela quem teria seu sangue retirado, que estava esperando uma sentença... E ela amava quando dava uma de liberdade, quando os ajudava a irem para casa, quando os faziam se sentir em casa – ao menos um pouco, ao menos para ficar mais fácil de lidar com tudo, ao menos para não se sentirem numa casa de horrores e esperassem todos tipos de monstros, ao menos para dá-los esperança.
—Vamos acabar logo com isso – murmurou Calum em retorno, sentando-se e esticando o braço a sua frente.
O garoto no chão desviou os olhos e apertou mais forte ainda a mão que segurava, a que estava livre.
O garoto na cama não reclamou.
O da poltrona ainda dormia.
A garota chutou o que estava no chão.
—Saia – ela disse, os dedos dos pés insistentes nos cabelos dele, cutucando-o.
—O-o q-que? – gaguejou ele, virando-se para encará-la hesitante, nem dando uma segunda olhada ao menino com quem estava de mãos dadas.
Arly revirou os olhos brincalhões para Calum , como se perguntasse “isso acontecesse sempre?” e ele retornou com um “dá para acreditar?”.
—Sa-ia – silabou a garota, irredutível. – Ou que você quer que eu soletre?
—Mas...
—Ela está certa, Luke – disse Calum.
—Abra e fecha a mão – pediu Arly, amarrando o elástico em torno do seu braço e procurando uma boa veia na dobra do seu cotovelo.
—Você pode esperar lá fora – continuou ele.
—Eu não vou te deixar sozinho – retrucou Luke, franzindo as sobrancelhas.
—Ele/eu não está/estou sozinho – disseram os dois da cama. Ele num murmúrio neutro e ela numa reclamação contrariada.
—Eu não vou te deixar sozinho com Julie – corrigiu-se Luke.
Oh, triângulo amoroso, pensou Arly, então era verdade.
—Ashton está ali – apontou Julie.
—Ashton – zombou Luke, virando-se para ela. “Ciúmes”, Arly movimentou a boca para Calum; Calum concordou solene. – Seu namorado Ashton – continuou ele, a zombaria nunca deixando os seus lábios. – Grande diferença.
Ou não. Talvez, lembrou-se Arly, fosse um daqueles relacionamentos modernos sem compromisso que via passando na televisão... Como era o nome mesmo? Poliamor? Pollyamor? Pollyamore? Alguma coisa de vários e amor.
—Saia – repetiu Julie.
Arly rasgou a embalagem da seringa...
—Não.
...encaixou a agulha...
—Luke – avisou Julie e até Arly estava impressionada pelo serviço de distração. - Não me faça te fazer dormir no escuro todos os dias da sua vida depois desse.
—Tente.
...Arly levantou-a, levantando as sobrancelhas com uma pergunta silenciosa, com a pergunta “preparado?” brilhando em seus olhos.
—Vá logo – murmurou Calum para ela.
Ela furou-o e puxou a ampola devagar, observando o sangue escuro preencher a seringa...
—Não me faça dizer a mamãe sobre o formulário de faculdades em branco.
—O que? – engasgou Ashton, sentando-se como deveria. – Já estão distribuindo? – perguntou. – Eu não recebi nem um!
—Eu estou com o seu, idiota – disse a namorada dele. – E não é como se você fosse precisar.
—Por que eu não iria?
—Por que você iria? – retrucou ela. – Eu estou guardando uma cópia para o meu irmão idiota, que jogou a dele fora.
Oh, eles eram irmãos, percebeu Arly, só um pouco surpresa. Como ela demorou tanto para perceber isso? Os cabelos eram iguais e os olhos também e havia uma confortabilidade de um para o outro que só sendo irmãos para existir – só sendo irmãos e se amando muito para deixar alguém empurrar os dedos dos pés em seu cabelo.
—Pronto. – Arly afastou-se. – O resultando vai estar pronto... – Ela olhou no relógio. Seis horas da manhã. – Daqui para as nove.
—Isso é muito amplo – murmurou Julie.
—Agora. – Ela sorriu. – O horário de visita não começou ainda, me acompanhem.
—Tchau, Julie – provocou Luke.
—Todos vocês – disse, escrevendo num adesivo nome e número do quarto antes de colar no frasco. – Não sei o que está acontecendo aqui, mas um garoto menor de idade não pode ficar com outro de menor.
—Quem vai ficar com...
—Eu vou – anunciou Liz, entrando no quarto. – Não se preocupe, eles vão sair - prometeu, esperando Arly passar para fechar a porta. - Agora... - Liz virou-se para eles, seus olhos queimando de raiva. -Quem gostaria de confessar o roubo do meu carro?
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