O despertador foi desativado antes mesmo de poder dar o ar de sua graça. O quarto silencioso se encontrava na penumbra, uma única luz fraca entrando pela fresta da cortina. Em contraste com a calmaria do ambiente, a mente de Sasuke fazia barulho pelos últimos dez minutos, quando ele acordara e o sono simplesmente houvera sumido. Ele até tentara se levantar e começar seu dia mais cedo, mas depois de sair do banheiro ele parou, observando sua cama, que parecia encará-lo de volta. A tentação de voltar para debaixo das cobertas foi maior do que sua disposição para terminar de se preparar.

Agora o Uchiha se encontrava deitado, encarando o teto enquanto o acontecimento do começo da semana lhe importunava. Depois de encontrar aquele bilhete, de vez em quando se pegava observando as pessoas ao seu redor, tentando perceber se havia alguém agindo diferente, mas nada chegou a chamar sua atenção. O que lhe incomodava, no entanto, não tinha nada a ver consigo mesmo.

O tempo passou sem que ele se desse conta e o que o fez despertar foi uma certa voz sonolenta de um certo loiro que vinha entrando em seu quarto.

— Sasuke... tá fazendo o que na cama ainda? A gente vai se atrasar.

Suas ações, porém, contradiziam totalmente suas palavras. Sem hesitação, seus passos lentos o levaram até a beirada da cama, onde ele deslizou a mochila em suas costas até o chão e se pôs a entrar debaixo das cobertas, fazendo-se confortável ao abraçar a cintura do moreno e deitar a cabeça em seu peito. Sasuke sorriu, levando uma das mãos até seus cabelos macios e acariciando-os. Passados alguns segundos, em que Sasuke apenas se concentrou na respiração calma de Naruto, que ele pensava ter adormecido, o silêncio foi quebrado.

— Tá pensando em que? – sua voz ainda arrastada proferiu as palavras.

— Nada.

— Mhm, sei... é sobre aquele papel idiota, não é?

Sasuke suspirou.

— Se sabem sobre mim não vai ser muito difícil descobrirem que estamos juntos.

— Que estamos juntos...? Por essa eu não esperava! Quando foi que eu concordei com isso? – Naruto falava, evidentemente segurando o riso. O Uchiha revirou os olhos.

— Estou falando sério, Naruto.

— Tudo bem, então eu também vou falar sério – e assim ele levantou a cabeça, apoiando-se em seu cotovelo enquanto olhava Sasuke. – E daí?

— E daí?

— É, e daí se descobrirem sobre a gente? Claro, eu não ia querer que nossos amigos ficassem sabendo por uma pessoa qualquer. Mas se acontecer... – Naruto deu ombros, completando a frase.

Sasuke o observou, tentando encontrar qualquer vestígio de dúvida em seu rosto.

— Ou... nós poderíamos contar para eles antes – sugeriu Naruto, seus dedos brincando sobre o peito nu do moreno enquanto um sorriso tímido aparecia em seus lábios.

O cenho franzido na testa de Sasuke se dissipou quando ele ouviu aquelas palavras.

— É sério?

— Tudo o que eu falo é sério, Sasuke.

— Ah, sim, com certeza. Foi mal.

— Só te perdôo se mostrar esse sorriso que tá segurando aí – rindo, Naruto começou a cutucar o canto da boca do Uchiha que, sendo contagiado pelo outro, revirou os olhos, mas não sem antes dar ao loiro o que ele queria.

Enquanto olhava o garoto sorridente comemorar a pequena vitória, Sasuke se pegou pensando no quanto todas as suas preocupações pareciam idiotas e sem sentido, o quanto um simples brilho no olhar podia fazer para acalmar sua mente e trazer a tona em seu peito uma sensação tão confusa, e ao mesmo tempo tão leve e carregada de sentimentos. Sasuke sabia que estava lentamente caindo em um abismo, mas não se via nem um pouco tentado a escalar o caminho de volta.

— Agora que tal nós aproveitarmos todo o potencial dessa cama quentinha? – ao dar o assunto por encerrado, Naruto voltou a sua posição inicial, deitando a cabeça no peito de Sasuke, entrelaçando suas pernas e fechando os olhos, determinado a não sair dali tão cedo.

— Nem pensar, já estamos muito atrasados. A gente consegue pegar a segunda aula se sairmos agora.

— Ah, não...

— Você realmente acha que sua mãe não vai descobrir que você matou aula pra ficar dormindo?

Por alguns segundos houve silêncio.

— Droga. Isso já é golpe baixo.

                                                               ...

Mais tarde, durante o intervalo, os dois se encontravam em uma das mesas do refeitório junto com os amigos. O céu fechado do lado de fora parecia não exercer força nenhuma sobre o grupo, que conversava animadamente.

— A primeira coisa a se fazer é achar uma arma – TenTen falou, confiante, atirando um dos biscoitinhos que estava comendo em Lee.

— Claro que não, primeiro você precisa juntar todos os suprimentos que conseguir no lugar onde está, é questão de prioridade – discordou Naruto, deixando claro seu argumento ao mostrar o sanduíche quase todo comido em suas mãos.

— Na verdade, acho que o mais importante é arranjar um companheiro, antes de tudo.

— Os cachorros são sempre os primeiros a morrer em apocalipses zumbi, Kiba – Ino comentou.

— E essa é a maior injustiça de todas! Vocês não vêem? Eles são os únicos que deveriam sobreviver! – o garoto começava a se agitar, praticamente levantando da cadeira. Hinata lhe deu alguns tapinhas no ombro, tentando acalmá-lo enquanto prendia o riso.

— O mundo vira terra de ninguém em um apocalipse, se você não tem algo pra se defender de que adianta ter comida? – TenTen voltou a mostrar seu ponto de vista.

— Mas se você não tem comida qual é o propósito de viver? – retrucou Naruto, exasperado.

— Armas nunca são a solução, TenTen – Lee tentou convencer a amiga, ganhando outro biscoito na cara como resposta.

— Neji, Shikamaru, Sasuke, vocês são inteligentes. Falem pra eles que a minha estratégia está certa.

— Bom, uma arma seria conveniente – Neji começou, trazendo um sorriso no rosto da morena, que logo sumiu novamente – mas, se você for ágil e souber ficar na sua, elas não seriam extremamente necessárias. Então, conseguir suprimentos talvez seja uma boa primeira opção.

— Mas, se você tem uma, estaria mais seguro para conseguir comida!

— O negócio é pegar o que puder onde estiver e sair do lugar logo. Se achar armas e suprimentos, bom, se não, simplesmente saia de lá – Sasuke finalmente entrou na conversa.

— Se não estiver com um grupo grande de pessoas, sempre esteja em movimento – Shikamaru concordou, ainda parecendo desinteressado no assunto.

— Sem graça – TenTen suspirou e cruzou os braços, emburrada por não ter conseguido convencer os amigos.

Ino envolveu os ombros da amiga com o braço, reconfortando-a enquanto, assim como os outros, ria da expressão que TenTen tinha no rosto. O momento descontraído estava fadado ao fracasso, entretanto, pois a presença de outras pessoas ao redor da mesa fez a risada de todos parar.

— Olá, pessoal – Shion se encontrava ali, em pé, com um sorriso nojento no rosto, assim como Yukie. Seus olhos percorreram a mesa e, enfim, pararam em uma pessoa especifica. – Oi, Sasuke - alguns dos meninos responderam um fraco “oi” em resposta. Já Sasuke apenas observou as duas, desconfiado. - Vocês parecem tão animados, como sempre – ela voltou a falar com todos. – Eu me pergunto se é porque ainda não sabem que o amigo de vocês anda escondendo quem ele realmente é.

Naquele momento a ficha de Sasuke caiu e todas as peças do quebra-cabeça se encaixaram. Yukie e Shion estavam na festa no dia em que ele tivera a conversa com Sakura, e não seria nem um pouco difícil de acreditar que elas tivessem seguido os dois. O recado havia aparecido logo depois disso. Uma mistura de sentimentos adentrou seu peito, pena e desprezo sendo os mais notáveis. Como ele não havia pensado nisso? Era óbvio, pensou, sentindo-se um idiota por ter gastado sequer um segundo de seu tempo preocupado com o estúpido bilhete.

— Foram vocês? – Ele as encarou.

— As pessoas deviam tomar mais cuidado com o que saem confessando por aí – disse Yukie, ainda com o sorriso malicioso no rosto.

— Do que elas estão falando? – Kiba perguntou.

— Nada que preste, como sempre – Sakura resmungou.

— Vocês não sabiam? – Shion voltou a falar, empinando ainda mais o nariz, tentando mostrar, como sempre, sua superioridade com relação aos outros. – O grande Sasuke Uchiha não joga no mesmo time que vocês, garotos.

O silencio na mesa foi cortado por Lee, que olhava confuso para os amigos quietos, parecendo perdido.

— O que?

— Ele é gay – Yukie respondeu, revirando os olhos.

Nesse momento Sasuke percebeu que as pessoas das mesas ao redor haviam parado para ouvir a conversa e agora estavam cochichando umas com as outras. Sem arriscar um olhar para a reação dos amigos, ele continuou encarando as garotas com uma expressão vazia no rosto. Só queria que as duas sanguessugas saíssem de perto dele e voltassem pro buraco de onde tinham saído.

— E desde quando isso é da conta de vocês? Onde querem chegar? – Sakura se impôs, com sua irritação evidente na voz.

— Sabe, eu fiquei curiosa quando percebi que ele estava simplesmente dando o fora em todas as garotas que chegavam nele. Fala sério, que homem hétero resistiria a tudo isso? – Shion falou, passando a mão pela lateral de seu próprio corpo. – Agora eu entendo totalmente.

— Já eu me pergunto que homem diria sim a isso — Ino a olhou com escárnio, arrancando risadinhas de TenTen.

— Acho que um banho te faria bem, Yamanaka, eu consigo sentir o fedor da sua inveja daqui – a loira retrucou, mas antes que Ino pudesse dar uma resposta, Naruto se manifestou, levantando da sua cadeira.

— Ei! Se vieram aqui só pra insultarem os outros acho melhor saírem. E sobre o que você falou, Shion, o Sasuke não é o únic... – um puxão nas costas de sua camisa o fez parar, caindo sentado na cadeira novamente.

— Olha, – Sasuke suspirou, tentando se conter para não xingá-las ali mesmo – primeiro, eu nunca tentei esconder esse detalhe sobre mim. Se qualquer um tivesse me perguntado eu teria respondido, sem problemas. Segundo, eu tenho pena tanto de vocês duas quanto dos caras que acabarem ficando com vocês. A quantidade de atenção que exigem dos outros só para se sentirem importantes chega a ser triste e patético – se saboreando ao vê-las ficando vermelhas de raiva ele continuou, dessa vez aumentando a voz, mas ainda assim encarando as duas. – E terceiro, quem tiver algum problema com tudo o que acabou de ouvir pode vir tratar do assunto comigo, ou talvez pode apenas tentar cuidar da própria vida, porque eu estou bem satisfeito com a minha.

E como se fosse um aviso divino, o sinal indicando o fim do intervalo tocou. Por um momento ninguém se mexeu, e o que finalmente fez todos começarem a se dirigir para as salas foi a chegada de Gai no refeitório, lembrando-os, em alto e bom som, que ainda tinham aulas para assistirem. Ainda sentado, Sasuke percebeu em si os olhares dos alunos que passavam a sua volta. Mas o que aconteceu em seguida, de certa forma, o fez sentir seu peito aquecer e um sorriso aparecer em seu rosto.

Assim que se levantaram, Neji e Shikamaru lhe deram tapinhas consoladores nas costas antes de seguirem caminho. Gaara apenas lhe lançou um sorriso enquanto o de Lee foi seguido por dois joinhas animados. Ino e TenTen depositaram um beijo em cada bochecha sua e Sakura se foi depois de um breve abraço. Quando Sasuke finalmente se levantou, já aliviado por se ver livre daquela cena, só Naruto sobrara para lhe acompanhar, mas ao caminharem pelo corredor, o silêncio e o olhar cabisbaixo do loiro incomodaram muito Sasuke, principalmente por ele não saber o porque daquela reação. Quando estavam chegando na porta da sala, Naruto ainda se encontrava quieto e, antes que seus pensamentos começassem a tomar um caminho nada agradável, Sasuke resolveu perguntar o que estava acontecendo.

— Ei, espera! O que foi? – ele pegou no pulso do loiro, fazendo-o se virar. Por alguns segundos nada foi dito.

— O que você disse foi ótimo, acho que todos precisavam ouvir aquilo e é preciso coragem pra falar assim, na frente da escola toda – Naruto o olhou. Sasuke pôde perceber o carinho em seus olhos que, ainda assim, não refletiam o pequeno sorriso que dançava em seus lábios. – Mas por que não me deixou falar? Você sabia o que eu ia dizer.

— A gente não deve satisfação pra essas idiotas, Naruto! Se você contasse ali, no meio de todo mundo, só acabaria alimentando a fofoca. E as duas teriam adorado isso.

— Mas não se trata delas, Sasuke...!

— Naruto! – a voz de Kakashi o interrompeu antes que ele pudesse, de fato, começar a elevar a voz. O homem vinha pelo corredor, lado a lado com Kurenai. – Por que não usa toda essa energia para algo mais produtivo?

— Preciso de uma ajudinha para carregar alguns livros – a mulher o olhava com um sorriso sem graça, um pouco envergonhada por ter interrompido os garotos.

Com um último olhar para Sasuke, Naruto assentiu, acompanhando Kurenai na direção oposta da qual ela viera. O moreno os acompanhou com os olhos até que sumissem de vista.

— Você está bem? – perguntou Kakashi, fazendo Sasuke se lembrar de que ainda estava parado no meio do corredor.

— Super – resmungou, passando pelo professor e entrando na sala de aula.