Adão e Eva, do inferno ao paraíso escrita por Paloma Her


Capítulo 1
A vida espiritual


Notas iniciais do capítulo

Entraram numa fila de poucas pessoas, e quando Adão ficou defronte ao Anjo Ariel, este se levantou e deu-lhe um abraço apertado.



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Quando o Sol mostrou seu rosto ardente, com suas línguas vermelhas fluindo para o espaço, ameaçadoras, Adão olhou atencioso, pois era a primeira vez que o brilhantismo do Sol não queimava seus olhos. Esticou um braço e percebeu que tampouco incendiava seu espírito. Avançou mais de perto, e obteve uma sensação deliciosa, pois seu íntimo estava morno. Deitou-se sobre a superfície desse Sol e pediu para sua amada chegar junto dele. Eva foi abordando com cautela. Espíritos necessitam de umidade para se fixar. Pelo menos era o que eles entendiam. Mas sentiu que o calor os alimentava tanto quanto a água. Deitou-se de bruços e deu um beijo longo e demorado no seu homem, que estava de costas, braços prontos para o aconchego. Rolaram entre as labaredas do fogo, e perceberam que em redor estava cheio de vida. Uma paisagem vermelha, cujas árvores mexiam com o vento e mostrava um lago encarnado, líquido, que os convidava a nadar. Mergulharam sem medo.  Parecia que o calor convertia seus espíritos gelados em corpo vivo. Fizeram amor como nunca, pois como as almas não computam os dias e jamais dormem, o prazer torna-se eterno. Eva falou para ele:

— Amor, este é nosso prêmio? O pagamento pelo que nos está esperando?

— Acho que sim... Como homens mortais, nós ficaremos cansados, com fome, câimbras nas pernas, e eu vou ficar murcho. Está preparada, minha querida?

— Estou... Mas me prometa que não vai me abandonar...

— Que ideia maluca... Endoidou? Seremos vizinhos e amigos de infância. Vamos nos reconhecerem engatinhando... Eu acho...

— Não somos mais senhores do nosso destino?

— Não... Teremos de seguir o plano dos anjos...

— Dos anjos? Mas por quê?

— Leis cármicas... Desta vez o patrão será um anjo.

— Isso significa o quê?

— Que vamos ser submetidos à prova, e o teste será uma surpresa. Ainda estamos sendo avaliados... Mas não pense nisso. Vamos dar um passeio muito longo?

— Para onde?

— Gostaria de ver o que aconteceu nos mundos do Sistema BETA, condenados à extinção...

— Tinha me olvidado totalmente deles... Será que sobreviveu alguém?

— É o que vamos descobrir...

Adão levantou-se e Eva enroscou-se nele como uma cobra, de pernas e de braços. Grudaram as bocas e Adão deu um pulo cósmico. Como quem levanta voo, braços para cima, movimentos sinuosos do corpo, com sua mulher grudada nele que nem chiclete. Voaram na velocidade máxima aos confins da Galáxia, e cruzaram a imensidão.

Quando chegaram ao planeta W de BETA, a neve ainda cobria a superfície desse mundo. Somente na altura do paralelo “0” começava a brotar o capim. Minúsculos seres se alastravam entre a capoeira iniciando mais uma vez a evolução dos seres vivos. Minhocas, cobrinhas, baratas, escorpiões e formigas se encontravam aos bilhões em toda parte. Mas nos mares a vida era farta, pois as gigantescas baleias haviam sobrevivido ao frio. Golfinhos pulavam no ar, dando cambalhotas, e em algumas ilhas focas começavam a formar colônias. Na verdade, sem os seres humanos, esse mundo estava se transformando mais uma vez num Paraíso.

A seguir, tomaram o rumo com destino ao planeta X de BETA.

A civilização desse mundo estava muito atrasada. Embora a inteligência dos homens tivesse aumentado bastante, a ambição desmedida os fazia cruéis, briguentos, e as guerras dizimavam as tribos. As epidemias matavam tanto quando as pelejas. Cidades inteiras agonizavam com a peste negra, com a cólera, malária, Aids, mostrando pessoas desesperadas, correndo desorientadas, e fileiras de cadáveres apodrecendo ao calor.

Não havia líderes capazes de salvar a humanidade, naquele canto universal.  Não existiam pessoas com aspiração de fraternidade para o próximo. E não havia nenhum mundo civilizado interessado em ajudá-los.

Adão fez um cálculo matemático. Cinco mil  anos haviam-se transcorrido, desde a sua visita anterior a esse mundo. Percebeu que haviam avançado em descobertas médicas, tecnológicas, havia casas com água encanada, eletricidade, mas, dentro de si, os indivíduos continuavam a serem pessoas más. Ruins. Durante esse tempo vivido, a Terra havia pulado para 5 bilhões de pessoas. Em “X” ainda existia um milhão, como antigamente. A média da mortalidade havia subido de 30 anos para 40 anos. Apenas isso. Eva ficou pensando e perguntou:

— Por que não há migrações de espíritos para cá, meu bem?

— Fico arrepiado só de pensar... Acho que estão esperando pelos malditos da Terra... Só pode ser...

— Que horror! Se for assim, os terráqueos irão reencarnar em plena Idade das Trevas... A Inquisição vai surgir mais uma vez... Viver aqui vai ser um Inferno...

— Vai! Só temos que evitar o holocausto final, meu amor...

— Estou começando a ficar arrepiada...

Enquanto isso, Adão se locomoveu em rumo a Y de BETA, cujo planeta encontraram completamente desabitado. Os lindos edifícios que outrora maravilhavam, não existiam mais. Desabitados, foram sendo cobertos pelo mato, e um manto verde cobria a terra com milhões de animais correndo em vales sem fim. No lado espiritual não havia mais almas, pois pouco a pouco os anjos os transferiram para outros mundos. Afinal, a homossexualidade havia gerado a inversão do quadro mortalidade-nascimento já fazia tempo. Sem ser um povo maldoso, a mortalidade, maior do que a natalidade, por causa do alto índice de homossexuais, havia terminado com a existência de todos os homens. Experiências genéticas em laboratórios não foram capazes de reverter o quadro, e as tentativas de gerar filhos entre homens e mulheres não conseguiram equilibrar a balança. Pouco a pouco, o número de pessoas que morriam, sempre superiores às que nasciam, terminou com a existência humana.

Mas, o planeta Y de BETA estava apinhado de vida animal. Elefantes, girafas, e leões gigantes caminhavam como donos absolutos dessa terra. No mar, baleias, golfinhos, e milhões de espécies marinhas, vivendo em águas límpidas e cristalinas, convidavam a nadar, mergulhar, brincar, e se aventurar.

Adão e Eva não resistiram.

Adentraram na água, e nadaram até as profundezas do mar, ao encontro de seres maravilhosos, cheios de luz. Também descobriram navios naufragados, entupidos de algas e peixes minúsculos. Grudaram os corpos, e fizeram amor aquático por tempo ilimitado, pois os espíritos não necessitam oxigênio para respirar.

Enquanto o prazer os envolvia, Eva mais uma vez questionou:

— Se na Terra acontecer o holocausto total, os condenados pela destruição, podem ser trazidos para cá?

— É provável... E a besta mais evoluída deste mundo são as antas. O cérebro delas é quase do tamanho de um ser humano... Já pensou um general de exercito nascendo como anta? Ele nem vai entender por quê...

Saíram do mar, e retornaram para a Terra. Durante a viagem deram uma pausa no planeta Marte, um mundo abrasador, que esquentava a alma e dava a sensação de estar vivo. E Adão e Eva ficaram lá, deixando o tempo passar, no ritmo candente do amor, sem tempo para acabar.

Mas os anos passam depressa quando se está morto. O sexo e o amor nutrem de uma sensação que gira entre a consciência e a inconsciência, e o tempo desaparece em redor. Só se sabe que é a hora de nascer novamente, quando os amantes recebem o chamado de outros espíritos.

E uma voz os trouxe para a Terra. Um grito poderoso.

Rolaram nas areias de Marte pela última vez, e se posicionaram para viajar. Adão braços para cima, Eva enroscada nele mais uma vez, bocas grudadas. Suavemente saíram para o espaço negro. Olharam para a Terra, pequenininha, e voaram diretamente para ela. Assim que almas começaram a aparecer, souberam que estavam de regresso ao lar. Soltaram. Desgrudaram, rindo como quem acaba de aprontar. E de mãos dadas, voaram para a superfície, onde milhões de espíritos se aglomeravam em busca de pais para encarnar.

Era uma bagunça enorme.

Faziam-se fileiras, se empurravam, e os espíritos mais avisados pulavam nos ventres das mulheres que estavam ovulando, em meio de brigas, pois os homens da terra continuavam iguais. Briguentos e mal educados.

Entraram numa fila de poucas pessoas, e quando Adão ficou defronte ao Anjo Ariel, este se levantou e deu-lhe um abraço apertado.

— Que honra, Adão... Estou feliz de conhecê-lo... Creia-me, eu nunca faria o que vocês vão fazer... Tem uma dúzia de amigos seus seguindo seu exemplo, e acreditem, eles estão sofrendo como nunca...  Armagedão não é missão de vocês. Além do que, só vão viver uns 60 anos...

Eva deu-lhe a resposta:

— Eu fui para uma guerra e deixei meu marido viúvo... O que pode haver de pior?

O anjo começou a rir, e, em seguida, falou-lhe:

— Nem queira imaginar! Ou melhor, vão visitar o berçário dos desfigurados! Vai ter uma vaga ideia no inferno que os está esperando! Mas não se assuste. Eu vou pedir para minha esposa cuidar de você pessoalmente... Ela vai ser seu guia espiritual. Sua guardiã. Nunca vai ser assassinada, nem estuprada, e jamais ninguém vai bater em você... Nem antes nem depois de nascida... E para Adão escolhi pais ricos. Ele vai nascer em berço de ouro para dar-lhe uma vida de rainha.

Adão suspirou aliviado.

Deu mais um abraço em Ariel, e assim que Felina, um anjo feminino lindíssimo, chegou junto deles, seguiram-na com direção à França.

Durante o trajeto, Eva pediu a Felina os levar ao berçário dos deformados. Ficara curiosa. E ela levou-os, dando uma curva no espaço, com destino à Lua da Terra.

E uma cidade, composta na íntegra de plasma translúcido, os recebeu.

Havia como um laboratório espiritual, com muitos edifícios de 200 andares, e espíritos vestidos de branco correndo em direção para o planeta, ou voltando de lá com alguma coisa entre os braços. Tinha vezes que chegavam espíritos em bando carregando milhares de coisas dentro de bolsas bem fechadas.

E Eva e Adão viram, pasmaram, choraram, e não vomitaram porque não havia nada no estômago para desembuchar.

Os meninos deformados que chegavam iam direto para pronto socorro do espaço. Eram puxados das sacolas com cuidado, pois eram cabeças sem olhos, ou sem nariz, cérebros partidos em dois, ou corpos cortados pela metade, pernas desmembradas, com pedacinhos de braços, ou mãos. Imediatamente, eram montados como quebra-cabeças, tentando unir as partes com cirurgias. Costuravam, uniam membros, colavam ossos, e se um olho chegava junto o depositavam com delicadeza. Ou então o espírito ficava cego. Ou mudo, ou surdo. Em seguida, era levado para gavetas de parede, onde ficavam trancados, dormindo por uns oitenta anos.

Mas, além disso, tinha pacotes lacrados com corpos esmagados. Era uma massa disforme, como uma ameba gigante. Uma alma que não era mais corporal. Tinha uma consciência humana, mas não existia um corpo. Nesses casos, eram colocados em tubos de ensaios e levados para um laboratório especial. Naquele lugar, eram examinados para descobrir onde estava a consciência. O miolo. O centro. A centelha divina. Quando a encontravam, faziam uma cirurgia, e essa centelha divina era levada para a Terra imediatamente. Procurava-se por pessoas miseráveis, cujas mulheres abortavam naturalmente de fraqueza e de desnutrição, e punham a centelha dentro do útero. Assim que esse embrião era abortado, ele já tinha a forma de um feto com cabeça, como um girino de sapo. Procuravam outra mulher desnutrida, colocavam-no mais uma vez dentro do útero, e desta vez era abortado com membros mais definidos. Em seguida, procuravam umas famílias ricas, que amassem muito os seus filhos. Desta vez, nasceriam com 9 meses. Infelizmente, seriam deficientes mentais, tortos, corcundas, ou sem cérebros, ou cegos, ou sem braços, ou sem pernas, mas essas famílias os tratariam como seres humanos.  Dar-lhes-iam amor.

A única coisa que Adão, como médico, não entendia, era como é que uma criança morria dilacerada. Era ainda pior que na época dos bárbaros da Mongólia, na Idade Antiga da humanidade, quando as pessoas eram amarradas a 4 cavalos, para as bestas fazer o serviço da mutilação. E Felina, que lia os pensamentos de Adão, lhes respondeu:

— É o produto das clínicas de abortos. O feto é trucidado cirurgicamente, por médicos licenciados. Somente na China, se retalham mais ou menos 1 milhão e meio de  criancinhas dentro do útero, por ano. Na Índia, temos mais 1 milhão, e somando o mundo todo, a cifra é de 5 milhões. Em mais 200 anos, a Terra só terá homens deformados. Será o Inferno. Não haverá mais beleza corporal neste mundo. Os homens serão mais feios do que as bestas mais horripilantes. Serão todos monstros.

E mudos de tristeza, Felina os levou em busca de seus futuros progenitores, no continente europeu.

Era o tempo da Segunda Guerra Mundial. Percorreram Paris, já libertada pelas forças aliadas. Era o dia 25 de agosto de 1944, quando as tropas americanas desfilavam como heróis pelas ruas da cidade, e francesas eufóricas beijavam os soldados celebrando a derrota alemã.

Ao cair da noite, havia casais fazendo amor em toda parte. Felina diminuiu o espírito de Eva até deixá-lo do tamanho de uma luz, e empurrou-a para o ventre de Manon, que estava fecundando de um americano moreno, olhos azuis, sorriso encantador e o soldado mais lindo da América.

Mas depois que Eva se perdeu nesse ventre, Adão percebeu que havia uns 200 amigos prontos para abraçá-lo. Ex-alunos seus, que conseguiram enganar os anjos e ficar na Terra por mais dois mil anos. Todos estavam entupidos de estrelas no peito. Muitos deles com luzes suficientes para nascerem como Anjos.(CONTINUA)


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Notas finais do capítulo

- É o produto das clínicas de abortos. O feto é trucidado cirurgicamente, por médicos licenciados. Somente na China, se retalham mais ou menos 1 milhão e meio de criancinhas dentro do útero, por ano. Na Índia, temos mais 1 milhão, e somando o mundo todo, a cifra é de 5 milhões. Em mais 200 anos, a Terra só terá homens deformados. Será o Inferno. Não haverá mais beleza corporal neste mundo. Os homens serão mais feios do que as bestas mais horripilantes. Serão todos monstros.



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