Era como se estivesse vendo o tempo passar ao seu redor e não, acompanhando-o. Via os outros conversando animadamente e soltando piadas durante o curto percusso que fazia até sua sala e tinha, se não cem por cento, mas cinquenta por cento de certeza que era sobre ele. 

Com a cara de poucos amigos, Rony caminhava a passos pesados e longos, sem se importar com quem estivesse em sua frente. Mesmo trabalhando por conta própria, ele se negava em ficar em casa depois do acontecido. Sozinho em seu apartamento, era bem capaz dele encher a cara mais uma vez no álcool e ligar para Lilá.

E fazer o papel de idiota - mais do que já tinha feito - era masoquismo. Deveria esquecer a dor que Lilá o fazia sentir e não a acolher. 

Quando finalmente entrou em sua sala, Rony tirou seu notebook da pasta/bolça e o colocou em cima da mesa. Sua cabeça já estava doendo, fazendo sus têmporas latejarem. Mesmo depois de duas xícaras fortes de café, as consequências da bebedeira da noite anterior ainda estavam presentes. A ressaca o tinha atingido com força total.

Sentado em sua cadeira, jogou a cabeça para trás, as mãos adentrando seus cabelos ruivos. Perguntou-se pela milésima vez, em como Lilá tinha tido a coragem de desfazer o noivado de três meses com ele. Podia ser um tempo relativamente curto, mas namoravam a alguns anos e é como dizem, uma coisa leva a outra e o ruivo teve que pedi-la em casamento.

Agora se questionava no que sentia em relação a isso. 

Seus pensamentos foram interrompidos quando a porta de seu escritório foi aberta e um moreno de óculos redondos e cabelos rebeldes surgiu. 

— Bom dia, Weasley - desejou enquanto dobrava as mangas de sua jaqueta jeans. 

— Só se for para você - Rony murmurou e levantou a tela do computador, ligando-o em seguida. 

— Não vou nem me importar com seu mal-humor - o moreno sorriu e sentou-se em uma das duas cadeiras de frente a mesa do ruivo. - Só vim aqui a pedido da sua irmã por que, se fosse por mim, o deixaria morrer em sua bolha de tristeza. 

Rony o olhou com raiva e controlou-se para não pular no pescoço dele e matá-lo ali mesmo. 

— Diz logo o que quer aqui, Harry - falou com raiva, fazendo o moreno rir mais. Harry era seu melhor amigo desde o tempo de escola e, para o maior desespero de Rony, era seu cunhado também. O desgraçado tinha seduzido a irmã mais nova do ruivo, Gina, e já namoravam a dois anos. 

— E eu achando que a minha simples presença aqui já o animaria - murmurou. Harry sabia que estava brincando com fogo, mas gostava de ver o amigo mais vermelho do que os cabelos. E sua provocação surtiu efeito. 

— Harry Potter! - Rony guinchou sem paciência.

— Tudo bem, tudo bem! - o moreno ergueu-se e levantou as mãos em modo de rendição. - Gina pediu para que eu o chamasse para ir jantar conosco esta noite. 

Rony ergueu uma sobrancelha ceticamente.  

— Com que propósito? 

— Com o propósito de fazê-lo não encher a cara todas as noites! - Harry falou, agora com as feições sérias. 

— E quem disse que eu faço isso? - o ruivo sentia as orelhas queimarem. Achava que estava escondendo com competência seus sentimentos.

— Não é preciso dizer que você faz! - Harry estava mais sério que o normal. - Rony, faz um mês! Um mês que Lilá acabou com o noivado. Um mês que ela não teve nem a decência de dar um telefonema ou uma mandar mensagem...

— E quando foi que a Lilá entrou no meio do questionário? - o coração do ruivo batia forte. Ergueu-se também e ficou de frente ao amigo. - Ela não tem nada a ver com isso!

— Pare de defendê-la! Ela fez o papel de vadia quando terminou com você; não jogou fora só o noivado de vocês, mas os anos de namoro também! E para quê? Apenas para cas...

Harry parou de falar de repente, o rosto vermelho pela falta de ar. Rony franziu a testa e o incentivou a continuar com o olhar. 

— Apenas para o quê? 

O moreno passou a mão nos cabelos e ajeitou os óculos.

— O jantar vai ser as oito. Não se atrase - o moreno mudou de assunto.

Ele já se virava para sair quando o ruivo pôs a mão em seu ombro.

— O que você está escondendo de mim? - indagou. - Vamos, Harry!

— No jantar. No jantar vai saber; é melhor assim.

E, livrando-se da mão do amigo, Harry foi embora. 

Rony não entendeu nada. Mas por um lado, Harry tinha razão: desde a noite em que Lilá tinha informado que não queria mais casar, ela não havia mandado nem algum tipo de notícia. Rony achava que a amizade de antes iria permanecer, mas estava enganado.

Com a cabeça doendo mais do que antes de Harry chegar, seguiu para sua mesa e começou a trabalhar. 

 ***

As sete e meia, ignorando a vontade de ficar em seu apartamento e saborear um pouco do vinho que tinha comprado na hora do almoço naquela mesma manhã, Rony dirigia calmamente entre as ruas de Londres. Contentou-se apenas em levar a garrafa de vinho.

O apartamento que Gina dividia com Harry - seu corpo tremia só de pensar no que acontecia com os dois sozinhos -,  ficava mais para a leste. Gina era maior de idade e ele, infelizmente, não podia fazer nada. Apenas ameaçar de vez em quando o cunhado.

Assim que chegou ao prédio, subiu sem precisar parar no porteiro para que ele interfonasse; já era bem conhecido pelo senhor. 

Apertou a campainha e em menos de dois segundos a porta foi aberta com uma Gina feliz. Ela usava um vestido branco e os cabelos vermelhos estavam soltos.

— Maninho! - ela pulou nos braços do ruivo, visivelmente alegre. 

— Oi, Gina - ele sorriu e entraram. Por sobre o ombro da irmã, ele pode ver o semblante ansioso do amigo, de pé perto do sofá.

— Tudo bem, Harry? - era mais uma afirmação escondida de que estava tudo bem mesmo. 

O moreno apenas assentiu. Um silêncio se instalou no local e Gina logo falou que o jantar estava pronto. Rony podia ver, durante toda a refeição, que o cunhado e a irmã trocavam olhares curiosos; preocupados, o ruivo arriscou pensar. 

A ruiva falou que limparia a cozinha depois e sentaram-se na sala, cada um com uma taça de vinho que Rony levara. 

O silêncio começava a ficar constrangedor.

— O que aconteceu? - ele perguntou e os outros dois o olharam assustados. - Por que estão assim?

— É melhor dizer - sussurrou Gina para Harry.

— Tudo bem, então - o moreno começou, após uma breve pausa. - A alguns dias Gina e eu estávamos na casa dos seus pais, quando o telefone tocou. Era Lilá - o ruivo não entendeu e ia interrompê-lo. - Não diga nada. Me deixe terminar. Continuando... mesmo ela tendo a cara de pau de ligar, Lilá implorou que eu não desligasse. Pediu para que repassasse a ligação para você, mas como não estava, ela disse para mim a razão pela qual ligou.

Harry fez uma pausa de hesitação.

— Ela disse que tinha casado.

Ao escutar aquilo, o coração de Rony falhou uma batida e ele começou a ofegar. Não foi tristeza, nem a dor que invadiu seu peito; foi a raiva. Raiva de Lilá, raiva do homem que tinha casado com ela, raiva do mundo. 

Começou a andar de um lado para o outro, totalmente inconformado pela atitude dela.

— Sabíamos que agiria assim... - Gina declarou e caminhou até ao racker da TV, voltando de lá com um papel nas mãos. Entregou ao irmão. - São passagens aéreas. Você pode escolher para onde.

— Acha que viajar vai me fazer esquecer? - perguntou ironicamente.

— Não... - a ruiva disse com calma. - Mas vai te ajudar a superar... longe daqui. Vai ser bem melhor.

O ruivo não disse nada. Apenas caminhou para a porta e voltou ao seu apartamento. Será mesmo que uma viajem o ajudaria?