A Cidade do Sol escrita por Helen


Capítulo 5
Vagão.




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A viagem ia bem. Adilson conseguiu facilmente um vagão vazio para ficar junto com Amaldiçoado. Porcelana teve que pagar uma passagem com o dinheiro do seu lanche, e entrou no vagão de trás, e conseguiu se esgueirar para a última fileira de bancos do vagão onde estavam seu padrasto e seu meio irmão.

Dentro do vagão, o clima estava tenso. Adilson não sabia para onde iria. Amaldiçoado tinha medo de causar problemas. Porcelana não fazia ideia do porquê de eles estarem viajando sem sua mãe. Todos os três carregando medos e inseguranças dentro de si.

E a chuva continuava a cair.

...

Todos os três olharam para a paisagem, procurando ver alguma coisa bonita ou tranquila. Apenas conseguiram enxergar os inúmeros telhados das casas e as enormes muralhas da sua cidade, que se erguiam impiedosas, ameaçando os moradores a ficarem dentro de seus limites. "O que havia depois daqueles muros?" perguntaram todos eles a si mesmos.

O trem continuou sua jornada sem medo daquela paisagem. Ele andou, e andou mais, até que entrou num túnel que ligava a cidade com o mundo lá fora.

Tudo ficou escuro. Adilson não era acostumado com a escuridão, por isso não conseguiu ver um palmo à sua frente. Já Amaldiçoado, pouco depois via tudo como se estivesse na luz do dia. Suas pupilas dilataram assombrosamente rápido. Ele virou-se para trás, para admirar a solidão, e viu o vulto de Porcelana, que lhe era tão familiar. A coitada tinha se encostado na janela, e segurava os joelhos, tremendo de medo. Amaldiçoado sentiu uma pontada de raiva pela presença dela ali. Levantou-se de maneira silenciosa, e, incapaz de controlar seu desgosto por sua existência, caminhou a passos curtos até a figura. Porcelana havia fechado os olhos, e por isso não o percebeu.

E o trem correu. Pulou para fora, e entrou novamente na luz pálida das nuvens. Uma imensa floresta escura de tanta água recebida, e trilhos cobertos de musgo e raízes se estendiam até onde a vista podia alcançar.

Porcelana abriu os olhos de imediato. Viu Amaldiçoado e sorriu.

— Finalmente fora do porão, não é? — disse ela.

E nem toda aquela cena bonita conseguiu acalmar a raiva do meio monstro. Amaldiçoado pulou contra Porcelana, e todo o seu peso, em conjunto com sua força, foram mais do que suficientes para fazerem o vagão quase virar. Adilson foi lançado contra a parede num susto, e Porcelana deu um grito de medo. Amaldiçoado imediatamente recuou, com medo de que tivesse machucado o seu pai.

Por azar, o retorno deu errado, e o vagão descarrilou. Os três sentiram o tremor e ouviram o som das rodas batendo nas pedras e nas raízes. Amaldiçoado correu para tentar segurar seu pai, mas a tremedeira o impediu de avançar livremente, e ele acabou caindo no meio do vagão.

Para melhorar ainda mais a situação, o trem fez uma curva. Não era fechada, mas foi o suficiente para o vagão desviar-se dos trilhos e ir de encontro à floresta. A única sorte que tiveram foi que apenas o último vagão, que estava vazio, desviou junto com eles. Mas, de resto, apenas azar.

A locomotiva bateu em árvores, em alta velocidade, descontrolada. Galhos grossos chegavam a quebrar os vidros, e as várias pedras pequenas faziam tudo dentro dela tremer e balançar como se estivesse acontecendo um carnaval de terrores lá dentro.

Adilson estava desesperado e confuso pela batida na parede do trem, e por vezes gritava e se agitava, mas logo começava a paralisar de medo e tentava se esconder em algum canto. Mas antes que pudesse, o vagão bateu contra uma árvore grande e velha. O impacto fez todos voarem para frente, e Amaldiçoado foi na mesma direção de Adilson, e acabou o esmagando com seus músculos. Porcelana bateu ao lado dos dois, e acabou sendo atingida com sangue que o homem cuspiu.

Parando finalmente, Amaldiçoado percebeu o que havia acontecido. Seu pai escorreu pela porta do vagão batido, deixando uma grande mancha de sangue, enquanto gemia de dor.

O meio monstro ficou em choque. Ele se aproximou do seu único familiar de sangue, que estava vivo e que não o desprezava. Não sabia o que fazer. Qualquer toque era um grito. Todos os ossos haviam quebrado. Alguns tinham atravessado a pele e estavam expostos. Qualquer movimento doía como um tiro.

Amaldiçoado desesperou-se. Seu pai olhou para ele.

Talvez a dor tivesse feito alguma coisa com a sua mente, pois ele sorriu ao ver a imagem do seu filho antes da maldição. Passou algum tempo admirando a beleza do seu menino. Da sua criança. Da falecida mãe dele...

Voc...ê... é... jove...m... ain...da... Vá... vá... vi...ver... Lon...ge... des...sa... ci...da...de... de... mur...os... — disse ele, num sussurro, que só conseguiu ser ouvido por causa da audição bestial que Amaldiçoado ganhara com a maldição

Adilson cuspiu mais sangue. Amaldiçoado não queria aceitar aquilo. Mas... seu pai fechou os olhos. Amaldiçoado queria apenas acreditar que ele ia dormir. Mas... mas... mas... ele sabia o que acontece quando alguém esmaga todos os seus ossos de uma vez, no meio da floresta selvagem do outro lado dos muros.

Morte.


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Notas finais do capítulo

não espere mais capítulos tão cedo.
mas, quando for postar, postarei de cinco em cinco.



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