Yume - Diário de Sonhos escrita por Kath Gray, Melissa Sbragia


Capítulo 14
Base Espacial (Isabel)




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Nós fomos levados lá de repente. Do nada.

Pete tinha um irmão mais novo no nosso mundo. Quando chegou lá, subitamente em um gramado de um distinto tom vede-azulado, com barreiras de cerca-viva bloqueando sua visão à distância e sem ver seu irmão, ele surtou. Nesse momento, acabou encontrando uma das garotas de cabelo longo, a mais loira delas, e imediatamente achou que ela estava envolvida. Avançou sobre ela com raiva e ergueu-a pelo colarinho da camisa, perguntando onde ele estava. Foi um momento bastante perigoso.

Depois de um tempo, acabamos nos encontrando. Exceto pela parte onde eles dois tinham caído, a nave era uma tradicional de metal platinado e escuro-azulado em algumas partes. Tinha muitos espaços abertos onde podíamos ver o universo infinito e não tinha nenhum tipo de bolha para nos segurar, porque a tecnologia já não precisava mais daquilo para manter a gravidade e o ar respirável.

Ao todo, éramos oito. Eu, Pete, minha irmã, outras duas garotas de cabelo bem longo e três com cabelos curtos diferentes. Jovens, bem jovens, com pouca variação etária. Pete era o maior e mais alto de nós, embora não o mais velho. Ele tinha cabelos e pele claros.

A essa altura, nós estávamos lá havia vários dias. Estávamos começando a pegar o jeito da coisa. Nesse exato momento, estávamos em uma sala pequena e vazia, conversando entre nós. Fazíamos isso bastante; era interessante nos conhecermos. De onde vínhamos - aparentemente, Pete era de uma fazenda, o que explicava sua reação mais agressiva que a média ao ser transportado (ele não entendia muito bem de bases espaciais) -, o que faríamos se voltássemos, coisas assim. Não precisávamos discutir sobre onde estávamos porque sabíamos bem; nos últimos tempos, estações espaciais totalmente automatizadas e que se baseavam inteiramente em IAs eram comuns, e se alguma coisa desse problema, elas ficavam abandonadas para sempre. Era tão raro de acontecer que manutenção não compensava o esforço. Provavelmente, a falha era a mesma que tinha sido responsável por nos trazer aqui.

De qualquer forma, nós podíamos ou tentar bolar um plano ou esperar que alguém passasse por ali. A segunda opção não era de todo improvável, levando em conta que as estações espaciais tinham exatamente o intuito de serem pontos de repouso para os viajantes, então era nossa principal ideia no momento.

O único problema eram os clones. A IA defeituosa do programa também estava criando clones de nós aleatoriamente. Por algum motivo, enquanto ambos existíamos, eles sugavam nossa força. Para destruí-los era bem simples - uma agulhada e a ilusão gráfica se desfazia -, mas era sempre meio difícil ter certeza de quem era quem - motivo pelo qual todos nós agora exibíamos pontos vermelhos em algum lugar do corpo.

Naquele momento, eu comecei a contar uma de minhas histórias para a menina de cabelos curtos castanho-escuros, mas imediatamente outra das garotas começou a falar e eu vi sua atenção mudar de foco, e cortei a frase no meio. Todos nós tínhamos histórias a compartilhar e eu sabia que era uma das mais tagarelas, mas isso não me impedia de ficar um pouquinho magoada por ela estar mais interessada na outra narrativa.

Então, outra garota de cabelos curtos - a de cabelos castanhos médios - perguntou se não devíamos verificar a água rapidamente. Costumávamos fazer esse tipo de excursão de precaução. Achamos válido, mas quando várias pessoas começaram a se levantar, eu fiquei de pé, andei até a porta e disse que esperassem.

Nós não tínhamos líder, mas era eu quem organizava as coisas. No começo, tinha sido só porque eu tinha a cabeça mais dura, mas depois de muitas decisões e quase nenhum erro, eles tinham começado a confiar em mim para essas coisas.

Eu olhei para a de cabelos curtos escuros e disse que viesse comigo. O resto deles esperaria ali. Nada na nave era muito perigoso, mas segurança nunca era de mais.

Minha irmã ficou de pé e disse que ia com a gente, mas eu falei para ela ficar. O Peter era forte, e ela nunca tinha feito nenhum tipo de arte marcial, mas de alguma forma eu sabia que era seria muito útil para defesa se algo acontecesse. Não era nada racional - eu apenas sabia. Uma sensação forte e instintiva. E quando eu tinha essa sensação, normalmente estava certa.

Por fim, ela acabou ficando. Eu e a garota começamos a andar no corredor, e eu imediatamente pedi desculpas, dizendo que era horrível com nomes e que não lembrava o dela, e dei uma risadinha. Ela fez aquela mesma expressão que as pessoas costumavam fazer - um milésimo de segundo de indignação, antes de perceber que não era por mal e que, no final, aquilo não importava muito, e então um sorriso que misturava graça e um pouco de ironia. Eu queria lembrar o nome de todas, e sabia que estávamos juntas havia tempo suficiente, mas eu era literalmente incapaz de fazê-lo a não ser que pegasse todas individualmente e perguntasse para cada uma várias vezes em momentos distintos, e eu sabia que isso seria mais desconfortável do que meu tom de auto-brincadeira momentâneo. Saber os nomes também não influenciava nas conversas, já que nós nos tratávamos principalmente por "você" e eu sabia exatamente quem era quem, de que cada uma gostava, o que faziam antes de ir para lá e tudo o mais. Eu conhecia suas essências; só não me lembrava de seu rótulo.

Tudo parecia tranquilo na área de tratamento de água, mas acabamos encontrando clones no caminho de volta. Eles não eram incisivos e agressivos a ponto de pular em cima de nós com garras de fora; em vez disso, tinham as mesmas agulhas longas e grossas que a gente - quase duas vezes mais compridas que nossos punhos fechados -, além do mesmo jeito calmo e calculado, o que dificultava bastante na hora de adivinhar quem era a verdadeira.

Nós não éramos as únicas clonadas ali, o que, no começo, não era problema, pois sabíamos que os outros não estavam ali. Mas então os vimos chegar pelo corredor, provavelmente sentindo suas forças sendo absorvidas, e então tudo virou uma confusão. Era o tipo de coisa que eu evitava tomando as decisões, e que eles acabavam fazendo quando eu não estava perto.

Não havia perigo de vida, mas se não acertássemos os clones rápido o suficiente, estaríamos com problemas. Em algum momento eu acidentalmente acertei o Pete verdadeiro no pé - não me pergunte como -, e se não tivesse acertado o verdadeiro logo em seguida, ele teria desmaiado; já era possível ver as olheiras de cansaço em seu rosto. Apesar de IAs normalmente não serem assassinas, ninguém estava ansioso para saber o que aconteceria se todos nós desmaiássemos ao mesmo tempo.

Finalmente, conseguimos identificar e sumir com todos. O último clone se esvaiu em pixels diante dos meus olhos.

Um tempo depois, uma frota de pequenas naves apareceu na base. Eles ficaram tão surpresos em nos ver lá quanto nós estávamos depois que começamos a entender as coisas - o que quer dizer não muito.

Nós batemos um papo em grupos independentes. O moço com quem eu falava - mais ou menos na faixa dos quarenta, com cabelo ralo e bigodes escuros - nos ofereceu carona para casa, e eu sabia que os outros estavam fazendo ofertas semelhantes aos outros.

Eu não sei se iria para casa. A vida ali não era tão ruim. Talvez depois, quem sabe? Os outros talvez tivessem a mesma opinião. Ou talvez não. Eu não gostaria de ficar sozinha.



31 de Maio - 01 de Junho de 2018


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