Subaquático escrita por ohhoney


Capítulo 6
Pele na pele


Notas iniciais do capítulo

Antes tarde do que nunca, é isso aí!



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Apesar de já não fazer mais tanto calor, ainda é um dia quente para o início do outono. O céu tem algumas nuvens, e a brisa que bate do mar já é um pouco mais fria.

Mesmo assim, deitados na areia quente daquela tarde de outono, Suga e Daichi tiram uma soneca gostosa nos braços um do outro. As folhas das árvores balançam devagar com o ventinho suave, e jogam sombras nos garotos. Eles dormem pacificamente, roncando de leve, e aproveitando aquele bonito final de tarde na prainha de areia branca.

—- Sobre o quê você queria falar?

Hinata tira os olhos dos garotos na praia e foca em Kageyama, sentado na pedra a sua frente e balançando os pés na água. O rosto dele é totalmente neutro.

—- Quero voltar pra casa.

O peito de Kageyama se aperta um pouquinho.

—- E gostaria que você viesse comigo.

.

.

—- Tá tudo certo contigo e com o Hinata?

Kageyama estava perdido em pensamentos, apoiando o cotovelo na janela; ele olha para fora enquanto eles vão rápido pela rodovia, observando algumas estrelas que apareciam entre as nuvens. Quando Daichi falou, Kageyama até se assustou um pouco.

—- Ah... Sim. Tudo em ordem.

Daichi tira os olhos da estrada por um segundo e sorri para Kageyama, ciente que o garoto estava mais pensativo do que o normal.

—- Ele parece bem mais feliz no mar, e fez amizade com alguns animais também. -- Tobio completa -- Tá tendo dificuldade em comer só algas... O Suga-san disse que lá no recife todos são família. Ele vai se acostumar alguma hora.

—- Eu vi que você levou um peixe pra ele -- Daichi ri baixinho ao ver Kageyama ficar levemente tenso -- Relaxa, não vou contar pro Suga. Deve ser difícil virar vegetariano assim de repente.

—- É...

Daichi pega a saída da esquerda, a caminho da cidade. Algumas casinhas já aparecem. Kageyama observa as pessoas na rua; algumas andam com seus cachorros, outras acompanhadas de pessoas queridas, um ou outro corre sozinho. Daichi para no farol, batucando os dedos no volante ao som da música que vem do rádio.

—- Daichi-san... - o outro vira para olhá-lo, e Kageyama tem os olhos suaves -- Obrigado por ter tirado a gente de lá. E por me deixar ficar na sua casa.

—- Oras... -- Daichi coça a bochecha e solta uma risadinha sem graça -- Queria pelo menos comprar um colchão pra que você não tivesse que dormir no sofá...

—- Eu não me importo. -- ele abaixa o olhar para suas mãos -- Só...

—- Não tem de quê, Kageyama.

O farol abre, e eles vão para casa.

.

.

Já fazia um mês que Hinata havia chegado ao recife e todo mundo já o amava como se ele tivesse crescido lá. Suga estava radiante com a nova companhia e não se sentia mais tão sozinho depois que Daichi ia embora. Hinata ainda estava se acostumando à nova dieta à base de algas e vivia reclamando de estar com fome.

—- Não é fome; As algas não ocupam tanto volume no seu estômago quanto peixe, então você tem a sensação de que ele está vazio, mas não está. Você até engordou um pouco desde que chegou!

Era ótimo, já que Hinata tinha vindo do circo bem magrinho e desnutrido. Estava bem melhor agora, até com um pouco mais de bochechas.

Suga estava deitado em sua cama de algas no barco naufragado que o servia de casa. Olhava para cima, através das fendas, na direção da Lua lá no céu. Peixinhos acomodavam-se em seu cabelo, e seu rabo prateado balançava ritmicamente de um lado para o outro. Estava feliz de ter Hinata consigo no recife, mas talvez sentisse falta de ter a praia inteira só para ele e Daichi.

—- Suga-san?

Três batidas no casco fazem os peixinhos nadarem assustados para longe, enfiando-se entre as frestas da madeira. Suga ergue-se em seus cotovelos, levemente surpreso. O garoto ruivo surge pela escada, apoiando-se no batente da porta.

—- Pode entrar, fique à vontade.

Suga senta, e Hinata senta à frente dele, abraçando a própria cauda. Ele tinha o olhar meio perdido.

—- Aconteceu alguma coisa?

—- Não, tá tudo bem -- ele ri brevemente -- É só que... Que eu queria falar duas coisas.

Suga encara-o, tentando adivinhar o que era.

—- Alguém te tratou mal? Pode deixar que...

—- Não, não. Não é isso, muito pelo contrário. Desde que cheguei você e os outros foram muito legais comigo e me trataram super bem, como se eu fosse parte da família. -- Hinata sorri de leve, um pouco tímido -- Queria agradecer por tudo. Vocês são muito gentis.

—- Nossa, Hinata, imagina! É nosso prazer ter você aqui conosco! Você anima o pessoa e está sempre brincando com os filhotes; eles te adoram. De verdade. Gostamos muito de ter você por perto.

Suga abre um largo sorriso, mas Hinata não o retribui muito bem. Ele abaixa o olhar e brinca com suas barbatanas rasgadas.

—- O que mais você queria falar?

—- Bom... Suga-san, eu acho que vou voltar para casa.

O coração de Suga bate um pouquinho mais rápido no peito, e ele encara o ruivo em confusão.

—- Pra casa? Pensei... Pensei que você não tivesse... F-Família.

A ideia de uma família de sereianos era totalmente nova e empolgante para Suga.

—- Eu tenho. Me separei deles quando fui capturado, mas agora que estou de volta acho que preciso encontrá-los.

—- Mas como? Você vai sair procurando no oceano inteiro? -- Suga ergue as sobrancelhas.

—- Não, claro que não. Escuta, vou te contar sobre aquele dia.

"Eu, minha mãe e minha irmã estávamos acompanhados de mais cinco ou seis sereianos e um grande cardume de arraias que migrava para o sul. Estávamos nadando sem parar já fazia 3 dias, com medo de sermos vistos por algum humano. Infelizmente foi isso que aconteceu.

"Um barco pesqueiro apareceu de surpresa e nos cercou com redes de pesca. Alguns conseguiram fugir, mas minha irmãzinha ficou presa junto com outro sereiano e algumas das arraias. Então eu fui ajudar.

"Em um momento muito idiota eu pulei pra dentro do barco e comecei a brigar com os humanos. Um deles tinha uma faca e ele me cortou, por isso tenho essa cicatriz aqui na cauda. Mas enfim, eu pulei de volta na água dentro do cercado de redes.

"Minha irmã estava apavorada e nossa mãe gritava por nós. Eu tentei abrir um buraco na rede, mas entre as cordas tinham pedaços de metal e eles cortaram minhas mãos bem feio. Mesmo doendo, fiz um buraco grande o suficiente pra Natsu passar e ela conseguiu fugir, mas eu não. As arraias escaparam também.

"Eu e o outro sereiano ficamos presos na rede. Quando nos puxaram para o barco, os pedaços de metal nos machucaram por inteiro, e minhas nadadeiras ficaram destruídas. Eles nos içaram e jogaram no porão. Quando chegamos ao continente, eles levaram o outro sereiano embora. Acho que ele foi pra um aquário. Eu fui vendido pra um cara e também fiquei em um aquário, mas o cara não me quis porque eu era muita encrenca. Então a Lady Night, do circo, me comprou e me deixou para aprender truques e me apresentar pras pessoas.

Suga não consegue tirar os olhos das dezenas de cicatrizes pelo corpo de Hinata, em especial aquela bem grande em sua cauda preta. Agora era só uma linha branca, mas Suga sequer pode imaginar como deve ter sido ser jogado em um porão, sangrando até quase morrer. Era apavorante. E as lindas barbatanas de Hinata, que um dia devem ter sido redondas e graciosas, agora eram nada mais que trapos. Suga aperta as mãos. Por isso que Pai e Mãe, além de todo o pessoal do Conselho, eram tão protetores e entraram em pânico quando Suga disse ter se encontrado com um humano -- Daichi.

Os humanos eram muito cruéis. Separavam famílias e maltratavam os outros.

—- M-Mas como você vai encontrá-los?

—- Vou para onde estávamos indo quando fui pego.

Suga solta bolhas ao ver os olhos determinados de Hinata.

—- Nerida, a cidade submersa.

.

.

—- Foi isso que o Hinata me falou ontem à noite.

Suga aperta as mãos. Ele e Daichi estavam sentados na beira da praia, sentindo as ondinhas batendo de leve em seus corpos. Daichi observa-o com os olhos arregalados, fritando o cérebro de tanto pensar.

—- E-Eu não sei o que fazer. -- Suga soa preocupado.

—- Bom... O que você quer fazer?

—- A-Ah... -- Suga dá um sorrisinho amarelo e desvia os olhos dos de Daichi, mas pousa a mão suavemente sobre a dele -- Eu acho que gostaria de ir com o Hinata. Quero muito ver outros sereianos. Ele disse que lá em Nerida tem vários de nós, e que eles acolhem todos os refugiados e fugitivos. Tenho vontade de conhecer.

—- Ué, vá com ele.

—- Q-Queria que você viesse junto...

Suga parece meio triste. Daichi não tinha entendido direito o porquê de Suga estar sério e ter pedido para conversar com ele, mas agora tudo fez sentido. Suga não tinha certeza se voltaria ao recife depois de ir a Nerida... Por isso que tinha pedido a Daichi para acompanhá-lo.

Ele sabe que existe a possibilidade de não voltar.

As sombras ao redor dos olhos de Suga deixam claro que ele não tinha dormido noite passada. Ficara pensando muito sobre o que Hinata dissera e mal conseguiu dormir pensando na possibilidade de um dia viver entre os seus. Ao mesmo tempo, estava apavorado com a ideia de deixar Daichi para trás.

Talvez... Talvez ele conseguisse conciliar as duas coisas.

—- Suga... -- Daichi aperta os dedos em sua mão e chama a atenção do outro -- Eu... Eu não posso simplesmente abandonar minhas coisas, minha vida... E ir pra um lugar que eu sequer pertenço.

A tristeza nos olhos de Suga é evidente.

—- Posso ir contigo até lá, e ficar só por alguns dias... Minhas aulas começam em breve. Se... Se você decidir ficar lá, e-eu...

O coração de Daichi fica apertado no peito. A ideia de Suga ir embora era horrível, mas... Mas Daichi, de certo modo, entende. Talvez por Suga ter crescido sozinho, achando que era  único de sua espécie, ele precisasse de contato com sua gente. Era mesmo tentador; um lugar onde ele não teria que viver escondido, conviver entre os seus, ficar seguro. O paraíso dos sereianos, uma verdadeira cidade, e não uma prainha deserta em uma ilha. Daichi engole em seco.

Suga tinha noção de que estava sendo completamente egoísta ao pedir que Daichi considerasse largar toda sua vida por ele e ir para um lugar que sequer conhecia para viver com um povo que não o seu. Era egoísta, mas... Talvez devesse pelo menos tentar. Sabia que tinha responsabilidade no recife, mas precisava ir. Precisava ver com os próprios olhos aquilo que Hinata dissera sobre Nerida. Sabia que existia a possibilidade de ficar encantado com o que visse e não querer ir embora, por isso... Por isso decidiu pelo menos chamar Daichir para ir com ele.

—- E-Eu amo você, mas...

—- Suga...

—- Mas eu tenho que ir.

Apesar de estar se sentindo péssimo, Daichi sorri de leve. Era uma das coisas que mais gostava em Suga: essa independência, essa curiosidade interminável e louca, e essa determinação de ir atrás do que quer. Era apaixonante. Apesar de tristes, os olhos de Suga brilhavam com força.

Daichi levanta-se da areia e entra no mar. Ele caminha até a água fria e transparente alcançar seus ombros. Estava bem mais fria do que estava no verão, mas ainda não o fazia tremer. Ele observa como o céu começava a ficar levemente alaranjado por causa do pôr-do-sol. Os raios de luz batiam nas nuvens e as enchiam de cor. Quando volta o olhar para a praia, Suga ainda está sentado lá, observando-o de longe. Daichi acena para ele, chamando-o. Suga arrasta-se brevemente pela areia e vem nadando até Daichi um pouco mais devagar do que de costume. Quando se aproxima, Daichi prende os braços ao redor de seu pescoço e apoia a cabeça em seu ombro, sentindo o cheiro salgado na pele dele. Suga passa os braços ao redor de Daichi e o braça também, e eles ficam assim por alguns minutos. Daichi tem cheiro de protetor solar e sabonete. Suga esquenta a água ao redor dos dois e ronrona baixinho, sentindo-se amado e seguro nos braços do outro, pele na pele.

—- Suga, eu amo você. -- Daichi ergue a cabeça e olha fundo nos olhos de Suga -- É por isso que decidi ir junto. Mas só por alguns dias.

O sereiano abre um pequeno sorriso, genuinamente feliz.

—- Também, tenho muita curiosidade sobre seu povo; gostaria de saber mais do que só aquilo que me ensinaram na escola. -- Daichi sorri -- Uma cidade submersa deve ser bem legal.

Suga abre um sorriso enorme e ri.

—- Deve ser muito legal. Tenho certeza de que vamos gostar!




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Notas finais do capítulo

Obrigada por ter lido! Fique sabendo que finalmente achei minha inspiração e tô escrevendo sem parar; em alguns dias posto o próximo capítulo! Beijinhos ♥



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