Caminho Incerto escrita por Clarinesinha


Capítulo 5
3 - Pedro




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A Madalena fez bonita agora, sair da Igreja daquela forma, onde é que ela estava com a cabeça, primeiro faz uma cena por causa de um vestido, depois desaparece para atender um telefonema e se isso já não chegasse fica a brincar com o telemóvel em plena missa. E como parece que para ela não chega sai da Igreja daquela forma com toda a gente a olhar para ela. O avô está furioso, acho que nunca o vi assim, chega a assustar, até mesmo a mim. Tentei ir atrás dela, mas ele abanou a cabeça em sinal para a deixar estar, acho que quer ser ele a falar com ela, e talvez até seja bom desta forma pode ser que se acalmem os dois.

No final da missa saí­ antes de todos á espera de a ver sentada nas escadas com aquele ar de emburrada que ela põe sempre que alguma coisa não corre como quer (chega até ser engraçada aquela cara de menininha com beicinho, quando ela está assim parece que retrocedo anos de vida e vejo a Madalena de 5 ou 6 anos a fazer birra) contudo, quando cheguei lá fora não havia sinal dela.

Decidi dar uma volta à Igreja, talvez estivesse nas traseiras...mas nem sinal. Fui ao jardim que existe em frente, ao café, ao supermercado e nada...não a consegui encontrar em lado nenhum. Voltei à Igreja, tinha que contar ao meu avô que a Madalena tinha desaparecido, estava zangado com ela por todas as cenas que tinha feito naquele dia, mas neste momento o meu medo era muito maior. A Madalena não conhecia a cidade (nenhum de nós conhecia, se estivéssemos em Lisboa não estaria tão assustado, mas estamos em Coimbra...) é certo que passávamos muitas vezes as férias aqui, contudo estávamos sempre com os nossos pais que conheciam a cidade como a palma das suas mãos, e ela estava perdida algures por aí­ sem saber onde estava e sem saber voltar, pior estava sem telemóvel porque estava comigo.

Vi o meu avô, com um olhar que transmitia toda a sua fúria, estava com o meu Tio António que tentava acalmar os ânimos, a minha avó estava um pouco atrás com a minha Tia Cátia e com o Padre Ricardo que tentava também ele tranquilizar a minha avó.

— Avô...- chamei-o, e chegando-me perto dos dois...- Acho...eu acho que...

— O que é que se passa Pedro? Encontraste a tua irmã? Onde é que ela está?

— Eu acho...que...eu não sei onde é que a Madalena está. Procurei-a aqui pelos arredores mas não a vejo por lado nenhum.

— Já tentaste ligar-lhe para o telemóvel, ela não larga aquela coisa.- Diz o meu avô, mas eu tiro o telemóvel da Madalena do bolso do meu casaco.

— Eu tirei-lho lá dentro na Igreja, quando ela começou a mexer nele, está sem ele.- e mesmo tentando com todas as forças uma lágrima sai-me dos olhos.

Eu sei que a Madalena tem feito cenas, "birras" que mais parece ter a idade da Clarinha, mas não deixa de ser minha irmã, estou mesmo preocupado. Pode estar a passar frio, pode mesmo estar a correr perigo, numa cidade que não conhece.

— Pedro tem calma, a tua irmã não pode estar longe, não se ia afastar muito já que nem conhece a cidade.- diz o meu tio.

— Por isso mesmo Tio, a Madalena não conhece nada disto, deve estar perdida, completamente desnorteada.

— Vamos ter calma. Primeiro vou pedir à tua Tia que leve a tua avó e as miúdas para casa. Tu vais com o teu primo a pé e eu e o teu avô vamos de carro.

— Tio e se nós não a encontrarmos...e se...

— Pedro, temos que manter a calma. Vou falar com a tua tia e com a tua avó e nós vamos encontrar a tua irmã.

Depois de combinarmos tudo e do meu tio explicar o que se passava à minha tia, esta seguiu com minha avó (que estava em pânico...) e com as cinco meninas (as minhas três irmãs e as minhas duas primas) para casa. O Padre Ricardo também quis ajudar, conhece-nos desde sempre e é um grande amigo da minha mãe e do meu pai. Assim depois de se ter decidido para que lado cada grupo iria, partimos: o meu tio e o avô de carro, o Padre no carro dele e eu e o Afonso a pé.

Não percebo o que é que se passa com a Madalena, o que raio é que tem na cabeça, fugir desta forma numa cidade que não conhece? Desde o acidente que está estranha, diferente. Contudo, ela não fala com ninguém, guarda tudo para dentro. Tenho saudades da minha irmã de antes: risonha, brincalhona, sempre a dizer a sua piada: era amável, educada, cheia de vida, super carinhosa (o que mimava a Clara, nunca deixava ninguém ralhar com a bonequinha. Protegia-a sempre das broncas da nossa mãe, e fazia-lhe sempre as vontades, era talvez a única de nós que tinha sempre tempo para brincar com ela, fosse do que fosse), era uma miúda impecável em quem os meus pais confiavam plenamente.

Porém, depois do acidente transformou-se, mudou como da noite para o dia, da água para o azeite. É como se a Madalena que um dia conheci e que era minha irmã, tivesse morrido naquele dia, e no lugar dessa tivesse aparecido uma outra que não conheço, que é uma estranha. Será que algum dia tudo voltará a ser menos estranho? Será que a nossa Madalena algum dia vai voltar? Tenho saudades da minha irmã, da verdadeira Madalena não desta que sinceramente não sei quem é, que não conheço.

— Estás a pensar em quê? - pergunta-me o Afonso, enquanto estava a pensar nestas coisas todas já tí­nhamos andado um bom bocado a pé à procura, mas nem sinal da Madalena. Sinceramente estava tão concentrado no que se passava dentro da minha cabeça, que mesmo que tivesse passado por ela não a viria, por isso espero que pelo menos o Afonso estivesse atento.

O Afonso era meu primo (como já terão percebido, a mãe dele é irmã do meu pai), e somos como irmãos, temos apenas uns meses de diferença e sendo os primeiros netos dos meus avós paternos, bem e fomos um pouco mimados por eles, depois apareceram as duas meninas da famí­lia e o nosso reinado acabou. Mas fazíamos tudo em conjunto, se um fazia asneira o outro estava também metido nela, éramos inseparáveis.

A Madalena, por sua vez sempre foi muito mais ligada ao lado materno da famí­lia, aliás a relação dela com o Afonso e com a Ana nunca foi das melhores, sempre tiveram uma relação tipo cão e gato, principalmente com a Ana. A única com quem se dava bem era com a Catarina (ou Kati como carinhosamente a chamávamos...) é uma peste mas apesar disso a Madalena consegue tudo dela, basta pedir-lhe e aquela pestinha faz sem refilar uma única vez. A ligação daquelas duas é uma coisa que dá gosto ver porque não há igual.

— Então pode-se saber em que estavas a pensar? - Insiste o Afonso.

— Estava a pensar na Madalena. Acreditas que uma pessoa possa mudar assim de repente, tipo adormecer de uma forma e acordar o oposto?

— Mudar de personalidade? Não sei, talvez. Mas acho que se acontecesse a pessoa tinha que o fazer de propósito. Estás a falar da Madalena, certo?

— Sim. Não sei o que pensar, a única coisa que sei é que a Mada não era assim, é nunca teve atitudes destas.

— Pedro! A Madalena sempre foi senhora do seu nariz, sempre fez o que quis e o pior é que os teus pais sempre o permitiram e sabes bem disso.

— Sim, sempre foi senhora do seu nariz e sempre fez o que entendeu. Mas nunca desapareceu assim, nunca sumiu desta forma.

— Até ao dia de hoje, e resolver dar problemas. Pedro muita liberdade deu nisto.

— Não Afonso, a Mada mudou depois do que aconteceu. Já nem é a mesma com a Clara ou com a tua irmã Catarina e sabes bem como a minha irmã gosta daquelas duas, são como  mel e as abelhas, não se desgrudam nunca, e agora...

— Talvez, mas sempre foi assim imprevisí­vel e rebelde.

— A Madalena nunca foi rebelde. Talvez um pouco "impulsiva" mas nunca rebelde, pelo menos não da forma como estás a insinuar.

— Tudo bem, já não digo mais nada. Quem sou eu para te contrariar.

— Estás a ser sarcástico, e sinceramente não gosto que fales dessa forma, porque apesar de todos os defeitos é minha irmã.

— Tudo bem, tens razão, desculpa. Vamos até ao Campus Universitário, sei que talvez seja pouco provável a Madalena é ter ido para lá mas...

— Sim vamos. Estou preocupado a sério e ainda por cima fiquei com o telemóvel dela.

— Tem calma, nós vamos encontra-la, não pode ter ido para longe.

E assim fomos os dois até ao Campus Universitário de Coimbra, nem sei porquê é que o Afonso se lembrou daquele lugar, não era o género de lugar para onde a Madalena iria...mas já estava a ponto de a procurar por todo o lado, naquele momento apenas queria a minha irmã em casa sã e salva, acho que nem vou conseguir zangar-me, não sei neste momento só quero encontra-la. Quando chegámos lá o meu telemóvel tocou, olho para o visor, é o meu avô. Será que a encontraram? Será que está bem?

— Avô, já a encontraram? A Madalena está bem? - Não diz nada, será que aconteceu alguma coisa. Não, não pode...- Avô por favor diz-me que a encontraste. Que a Madalena está bem?

— Não, não a encontrámos e já percebi que vocês também ainda não sabem dela. Ouve, voltem para casa, nós vamos à polícia agora é com eles.

— Não avô, não consigo ir para casa sem saber dela...

— Está a escurecer Pedro, não temos outra hipótese. Por favor, vai para casa, assim que pudermos, também vamos para casa.

— Avô, não quero, não posso...tenho que a encontrar, temos que a encontrar.

— Pedro faz o que te digo. Sei que estás preocupado, mas neste momento não podes fazer mais nada.

— Tudo bem avô, nós vamos para casa.

Desliguei e virei-me para a cidade de Coimbra, começava a ficar toda ela iluminada, era linda aquela cidade. Dali do campus tinha-se uma vista magnífica e algures naquela imensa cidade, algures no meio de uma daquelas ruas estava a minha irmã...

— O que é que o avô te disse?- perguntou o Afonso.

— Mandou-nos para casa, eles foram a polí­cia.- respondi-lhe sem desviar o olhar.

— O avô tem razão, daqui a pouco é de noite. A polícia agora deve tratar do assunto.

— Eu sei...- e olhei de novo para a cidade que estava por debaixo dos meus pés...

Era uma cidade enorme (não tão grande como Lisboa, mas tudo nos parece maior quando não conhecemos acho eu...) e tudo nos era estranho, nem sabíamos os nomes das ruas. Ela podia estar em qualquer canto, em qualquer "buraco", com fome, frio ou quem sabe se podia estar em perigo. Estaria à espera de um milagre? Talvez. Talvez aparecesse uma estrela igual àquela que aparecera em Belém. Talvez se olhasse o suficiente esse milagre acontecesse e a estrela me indicasse onde estaria a Madalena, assim como fez à mais de dois mil anos quando Jesus nasceu.

— Vamos Pedro, a Madalena é esperta sabe desenrascar-se...

— Eu sei que é desenrascada, mas não conhece nada disto...- e aponto para a cidade.

Sei que o Afonso tem razão, a Madalena é: inteligente, desenrascada, "responsável" (pelo menos era, porque neste momento começo a ter as minhas dúvidas..) e outras qualidades mais (bondosa, amiga dos seus amigos, fiel, brincalhona...), contudo, não consigo deixar de pensar que posso nunca mais...não, não posso pensar nisso, ela vai aparecer, a polícia vai encontrá-la.

Quando chegámos a casa estavam todos a jantar, ou melhor dizendo todas, já que era tudo mulheres naquela mesa. Pelo ambiente de birras e risos percebi que nem a Clara, nem a Sofia, nem mesmo a Catarina sabiam da "fuga/desaparecimento" da Madalena e agradeço ao bom senso da minha avó e da minha por isso. Olho para a minha avó e vejo que está a fazer um esforço para se manter forte por elas, porque conheço-a bem e sei que os seus olhos estão mais brilhantes pela lágrimas que ainda não caíram. Desvio o meu olhar da minha avó e olho para Luísa que se fica em mim com um ar triste e preocupado, fui até ao ela e abracei-a, sussurrando-lhe ao ouvido "Falamos daqui a pouco...vai ficar tudo bem".

A Luí­sa, ou Lu como a chamávamos. Era a filha do meio, a rebelde do clã, a que fazia asneiras, mas também a que mais nos fazia rir com as suas palhaçadas (dizem que no meio está a virtude, costumo dizer que no meio estão os três R's: a Rebeldia, a Resmunguice e a Razão) bem a Madalena também fazia as suas e quando se juntavam as duas, nem vos conto, mas as dores de estômago de tanto nos rir eram garantidas. A Luísa tinha uma outra habilidade nata, apesar do seu feitio fanfarrão: ela argumentava e de persuadia-nos a fazer o que queria com toda uma conversa que parecia ser muito mais velha do que era. Apesar dos seus pequenos 12 anos conseguia sempre com a sua forte diplomacia dar-nos a volta, o impressionante é que muitas das vezes chegávamos à conclusão que ela tinha razão, e lá tí­nhamos nós que dar a mão à palmatória e concordar todos com ela, o que a fazia pular de alegria.

Eu e o Afonso sentamo-nos e começámos a jantar (apesar de sinceramente eu estar sem fome nenhuma), contudo, naquele momento a única coisa que eu queria era saber onde estava a Madalena, e a única coisa de que tinha a certeza é que a minha irmã estava algures sozinha numa cidade que não conhecia por isso só conseguia pensar nela e mal comi. Depois do jantar e das três mais novas irem dormir, a Lu veio falar comigo, estava com os olhos tão brilhantes que percebi que estava à beira das lágrimas.

— Pedro, ela vai voltar não vai? - E uma lágrima teimosa desceu-lhe pela cara...

— A Mada vai voltar, não te preocupes Lu.- e abracei-a, que mais podia fazer.

— Tens a certeza? Prometes que a Madalena vai voltar?

— Prometo...- e abracei-a de novo, tão forte quanto consegui, o que é que lhe havia de dizer? Que não sabia? Que não lhe podia prometer? Não consegui, menti. Sim menti, mas não lhe consegui dizer a verdade, uma verdade que nem sabia qual era. Como é que podia partir aquele coração de novo? Já perdemos a nossa mãe, o nosso pai está mal, como é que podia dizer-lhe que não sabia se a Madalena iria voltar, que podia perder a irmã que ela idolatrava, para além disso temos que acreditar que vai voltar...tem que voltar.

— Pedro? - olhei para a Lu, que ainda tinha lágrimas a correr pelos seus olhos...- vens dormir comigo?

— Lu, tu não estás sozinha. Tens a Clara, a Sofia e a Catarina no quarto...

— Por favor Pedro só hoje. Por favor...

— Tudo bem, anda lá. - e assim fui, deitando-me na cama que é da Madalena com a Luísa, senti enquanto lhe fui dando festas no cabelo que ela chorava baixinho para não acordar as mais novas...- Ela vai voltar Lu...eu tenho a certeza. Não chores Lu...

— Eu estou com medo Pedro, eu não quero perder mais ninguém...

— Nós não vamos perder a Madalena, não vamos Lu. Agora descansa, amanhã de certeza já teremos novidades.- Continuei fazendo festas nos seus cabelos, e aos poucos senti que ela adormecia.

Não era justo elas sofrerem tanto, no fundo eu sei que a Madalena não o fez por mal, claro que ela não iria fazer de propósito, e perder-se. Simplesmente não aguentou ouvir tudo o que o Padre falava, foi duro todos nós chorámos, porém a reacção dela foi simplesmente um pouco mais explosiva. Amanhã seria outro dia, e iríamos ter novidades: ela ia aparecer...eu tinha a certeza. Deus não nos iria fazer perder mais ninguém...

 


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