Caminho Incerto escrita por Clarinesinha


Capítulo 3
1 - Madalena




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Faltam cinco dias para começarem as aulas...mas este ano, tudo vai ser diferente e novo, talvez até assustador. Porquê? Bem essa é uma história comprida, mas resumindo mudei de cidade e o que é que isso significa? Mudei de escola...o que para quem vai entrar na escola secundária é, para não dizer algo muito dramático, completamente catastrófico...

Isto já para não falar que deixei todos os meus amigos, e o meu namorado, sim tenho um namorado, ou "refraseando" (sim, eu tenho noção que acabei de inventar uma palavra nova, que querem que vos diga tenho uma mente muito imaginativa...) tinha um namorado, pois tinha, até ele decidir acabar tudo. Nós tentamos, ou pelo menos eu tentei, falavamos todos os dias e no ini­cio ainda correu bem, estávamos sempre em contacto por telefone, mensagens, no Whatsapp...enfim não havia um dia sem nos falarmos.

Mas no ini­cio desta semana escreveu-me uma mensagem a dizer que era complicado continuar assim, que era melhor ficarmos só amigos...ainda tentei falar com ele por telefone mas não me atendeu às mil e quinhentas chamadas que lhe fiz. Acabou tudo por escrito...tipo quem é que acaba com outro por escrito?

Soube uns dias depois pela minha BFF (Best Friend Forever) que ele começou a andar com a Erica uma semana depois de eu me mudar. Ok, primeiro andou a enganar-me durante duas semanas, em segundo andou a enganar-me com aquela "cara de pau" da Erica! A minha "arqui-inimiga" desde sempre!

Eu conheço a Erica desde...sempre, os nossos pais trabalhavam juntos e as nossas mães acabaram por ficar bastante amigas. Bom, vamos dizer que a amizade não passou de mães para filhas pelo menos para nós as duas. Sempre nos odiamos, (bem odiar é um termo forte...vamos dizer que não nos suportavamos...é bem mais simpático, se bem que seja totalmente mentira...) vocês sabem, quando olhamos para alguém e não vamos com ela? Foi mais ou menos isso que nós sentíamos uma pela outra, porque era reci­proco de parte a parte.

E se bem que me magoou na altura, pensando bem talvez tenha sido uma boa ideia ter acabado tudo, sim foi horri­vel mas pelo menos assim cada um segue o seu caminho, um namoro à distância nunca iria resultar pelo menos para ele, já que é super giro e basicamente todas as miúdas da escola "babavam" por ele.

E neste momento, tudo o que eu não preciso é mais drama na minha vida, já está mais que dramática, acho que dava mesmo para escrever um livro. A sério a minha vida está um verdadeiro caos, desde aquele fati­dico dia...ficou virada do avesso, sabem aquela frase que se usa "dar uma volta de 360 graus", pois a minha vida deu uma volta de 440 graus (se isso for possível...será que é? Não sei, mas juro que deu.).

Há um mês atrás estávamos a preparar-nos para ir de férias: eu, os meus pais e os meus irmãos. Decidimos ir a Paris, os meus pais adoravam aquela cidade, e é daquelas cidades que tem divertimento para todas as idades. Claro que não podia faltar uma ida a Euro Disney, as minhas três irmãs, mais novas, nunca iriam perdoar os meus pais se fossemos a Paris de França sem ir àquele lugar mágico. Na verdade até eu estava entusiasmada, sempre adorei a Disney, a minha princesa preferida é e sempre será a Bela, adoro a história de amor dos dois e adorava encontrar um monstro como o da Bela, porque acima de tudo o amor entre os dois ensina-nos que a beleza não é algo exterior, mas sim interior e que todos nós podemos mudar a nossa forma de ser e de pensar.

No entanto, o impensável aconteceu uns dias antes da nossa partida, e de um dia para o outro vi-me a acordar numa cama que não era a minha, num quarto que não era o meu, e sem perceber o que tinha acontecido. Estava num quarto todo pintado de branco, com fios ligados a mim, e com uma agulha espetada no braço. Passado o momento de pânico por me ver assim, explicaram-me que tinha sofrido um "acidente" e que estava no hospital.

Do "acidente" (falam-me do dito acidente como algo tão superficial, como algo que acontecera e tivesse mudado o rumo de toda a gente, como se tudo fosse por minha culpa. Ninguém o afirmava explicitamente, mas pelo menos era o que me parecia) propriamente dito ninguém me dizia nada, e eu do dito também de nada me lembrava. Esqueci-me totalmente das 24 horas desse dia, a única coisa que sei é que a minha vida nesse dia mudou para sempre. De repente, estava eu a tentar acordar (do pesadelo que me acompanha desde esse dia é sempre o mesmo, até quase já sei o enredo todo de cor), ouço alguém bater à porta...

— Ei...já estás acordada? Os avós estão a chamar para o pequeno-almoço há mais de meia hora...hoje temos a missa.

— Não percebo porque é que temos que ir, isso não a vai trazer de volta...nem vai...

— Madalena, eu sei que não a vai trazer de volta mas para os avós é importante...- e nessa altura o meu irmão Pedro tenta abraçar-me mas eu sou mais rápida...e antes que ele o faça pulo da cama.

— Sai...tenho que me vestir antes que o avó venha cá, vá sai daqui...

— Tudo bem, a avó pediu que vistas o vestido que te pôs nos pés da cama...estamos à tua espera lá em baixo.

Olhei para o vestido, a sério que ela me tinha escolhido AQUELE vestido, nem que me obrigassem iria vestir aquilo, as lágrimas teimaram em cair e por muito que não quisesse não as conseguia evitar, tinha prometido a mim mesma nunca mais chorar mas acho que é mais fácil dizer do que fazer...fui ao armário e vesti a primeira coisa que vi. Quando desci o meu irmão olhou para mim tipo "o que raio é que fizeste...", a minha avó simplesmente olhou para mim com um ar triste, as minhas irmãs olharam para mim, depois para o meu avô e de novo para mim quase a rezar para não assistirem à terceira guerra mundial...e o meu avô, bem o que dizer apenas que se pudesse deitaria fogo pelos buraquinhos todos para me queimar...

— Madalena Fernandes! Mas que roupa é essa?

— É a minha roupa...o que é que tem?

— Tu não vais assim para a missa, com essa roupa. Sobe e troca-te imediatamente, a tua avó tinha deixado um vestido para vestires...

— Não, aquele vestido não visto, nunca mais...

— Madalena, eu estou a avisar-te. Vai já vestir o que a tua avó te escolheu e acabou-se esta conversa...

— Odeio-vos. Odeio esta casa, odeio esta cidade, odeio a minha vida. Quem me dera ter morrido como a mãe- E saí­ da cozinha tão depressa como disse todo aquele discurso. Todos ficaram a olhar para mim, mas nem percebi se ficaram admirados ou mesmo em choque porque não ouvi nenhum deles a chamar por mim.

Assim que cheguei ao quarto, que não era só meu, sim...ao contrário da casa de Lisboa onde apenas dividia o quarto com a Lu, em Coimbra tinha que dividir com as três (o quarto era grande, tinha um daqueles beliches com três camas onde dormiam as minhas irmãs e uma cama de solteira para mim). Não me levem a mal, adoro as minhas irmãs...mas sou uma adolescente preciso da minha privacidade...enfim.

Deitei-me na minha cama e abafei os meus gritos na almofada...e eis que de repente alguém começa a esfregar-me as costas, levantei os olhos e vi a minha avó Cândi (o nome dela é Cândida, é mãe do meu pai, e é um doce...) e sei no fundo que tudo o que disse na cozinha a magoou mas não era direcionado exatamente para ela, aliás acho que não o disse para ninguém em concreto, simplesmente saiu.

Sabem, aquelas coisas que nos saem da boca para fora sem pensar? Foi mais ou menos isso...apesar de sentir na realidade tudo aquilo que disse, fosse verdade. Odeio a minha vida agora, odeio ter tido que mudar de cidade, de casa, de escola, odeio o caos em que a minha vida se transformou desde que há um mês fiquei sem a minha mãe e de certa forma sem o meu pai.

A minha avó continuava a tentar acalmar-me (sim porque mais uma vez não consegui evitar as lágrimas e mais uma vez a minha grande promessa de nunca mais chorar foi quebrada). O que mais me chateava é que não só me estavam a obrigar a ir uma missa, que não tinha sentido nenhum (se ao menos o ir fizesse com que ela voltasse, se isso fosse verdade eu ia à missa todos os dias e a todas as horas possíveis, mas não...nada a vai trazer de volta...) ainda tenho que vestir AQUELE vestido. Alguém por favor podia explicar aos meus avós o porquê de eu não vestir AQUILO?

Tipo primeiro, aquela coisa, não é o meu estilo: preto e super infantil, e se isso por si só não chegasse, foi o vestido que, mais uma vez, "me obrigaram" a usar naquele...dia. Tudo bem talvez tenha exagerado ao colocar umas calças de ganga e uma T-shirt, mas AQUELE vestido! (sim e continuo a dizê-lo com ênfase...). Não, recuso-me a vestir, e nem que chamem os bombeiros, a polícia ou mesmo o Papa. Recuso-me a vestir...AQUILO.

— Madalena isto tudo é complicado mas porque é que não vestiste o que te deixei aqui?

— Eu não vou vestir AQUILO. E nem tu, nem o avô...nem mesmo o Papa me vão obrigar a vesti-lo.

— Mas é o único vestido preto que tens, e já o usaste no dia do funeral não vejo qual é o problema.

— Exatamente por isso, já o usei. Não pretendo usá-lo nunca mais na minha vida...aliás podes queimá-lo...

— Ah! Já percebi, então é esse o problema.

— Já te disse não há nada que me possas dizer que me convença a vestir AQUILO...só mesmo morta...estou a falar muito a sério.

— Tudo bem, não te vou obrigar. Então e se ví­ssemos no teu armário outra coisa para vestires...algo que te agrade a ti e ao avô?

— Por mim ficava em casa, por favor avó deixa-me ficar...

— Sabes que não podes, faz isto por mim, pode ser?

— Tudo bem, mas sabes que nada vai voltar a ser como antes, nada vai alterar o que aconteceu...nem uma missa.

E pronto lá estavam de novo a porcaria das lágrimas a descer pela minha cara...não consigo evitar...que raiva que tenho de mim mesma, porque é que não me consigo controlar...porque é que não consigo controlar as lágrimas. E finalmente a minha avó percebeu o que se passava na realidade comigo, o problema não era apenas o vestido ou o ir à missa...era muito mais profundo. Simplesmente me abraçou e no final pegou nas minhas mãos e levou-me até ao meu armário.

Encontramos depois de muito procurar (é que sou um pouco/muito desarrumada logo encontrar alguma coisa naquele armário é quase uma missão impossí­vel) um vestido cinzento que não era muito curto e que a minha avó achou que o avô Carlos não iria refilar, calcei as sabrinas pretas e coloquei uma encharpe creme para dar um ar mais jovial ao conjunto.

Finalmente, eu e a avó descemos, quando passei pela sala nem olhei para o meu avÃ', nunca iria perceber o porquê de tudo o que disse, para ele o que interessava era que todos cumprissem as 'suas regras". Fui tomar o pequeno-almoço com a minha avó, pois com toda esta confusão já todos tinham acabado o seu, ninguém falou do que tinha acontecido, e de certa forma agradeci porque apesar de sentir tudo o que tinha dito não me apetecia muito ter mais uma discussão àquela hora e naquele momento. Assim que eu e a minha avó acabamos de tomar o pequeno-almoço e de termos arrumado a cozinha, fomos vestir os casacos e juntamo-nos ao meu avó e aos meus irmãos e fomos para a Igreja.

Quando lá chegámos, fomos ter com o meu avô que estava rodeado de "montes" de pessoas...muitas delas nem conheciam a minha mãe e outras mal conhecem o meu pai, mas nestas situações há sempre que apresentar os pêsames à família...Ahhhh! Que raiva, a família da minha mãe nem sequer cá estava, eles ficaram em Lisboa onde eu queria estar, ainda implorei á minha Tia Marta para ficar com ela (para além de ser minha tia ela é minha madrinha e o marido o meu Tio Luí­s é o meu padrinho. Foi tipo uma troca: eles são os meus padrinhos e os meus pais são os padrinhos da minha prima Leonor que tem apenas uns meses de diferença de mim...) mas o meu Avô Carlos não permitiu, porque o meu pai ainda estava vivo portanto nós ficávamos com eles, os avós paternos, pois podem dizer o meu avô é completamente retrógrado e caprichoso, podem dizê-lo.

Também estava a minha Tia Cátia, a irmã do meu pai, e o marido o Tio António e os melgas dos meus primos o Afonso e a Ana, e ainda Catarina (a minha abelhita, era como eu a chamava...) para além de um sem número de tios-avós, sobrinhos-netos, primos em vários graus, afilhados...uma cornucópia de parentes que eu nunca tinha visto na vida. Cheguei a uma triste conclusão neste dia: que só conseguimos perceber o "tamanho" da nossa famí­lia quando vamos a casamentos e a funerais.

Também havia muitos amigos da minha mãe e do meu pai do tempo da escola e do trabalho...tudo aquilo me estava a chatear e me fazia lembrar o que mais eu queria esquecer: o dia em que a perdi, o dia do funeral...o dia em que finalmente percebi, que, tudo era real era verdade. Foi como se até àquele dia eu estivesse a viver numa outra realidade, em que tudo estava adormecido à minha volta. E no dia do funeral algo me tivesse aberto os olhos e por fim eu me desse conta que a tinha perdido...que o sol que iluminava o meu céu tivesse desparecido de vez...que faltava uma peça no puzzle que era a minha vida.

Lembrei-me de repente o dia em que acordei no hospital, o dia em que finalmente me contaram sobre o que acontecera aos meus pais. No meio de toda aquela confusão que estava na minha cabeça a única coisa que percebi foi que eu não estava com eles...que o meu acidente e o acidente deles tinham sido em momentos diferentes.

Acordei...mas aquele não era o meu quarto...estava num lugar estranho, com um cheiro estranho...fiquei assustada. Queria gritar, chamar alguém...mas não podia, tinha um tubo na boca. Tinha uma agulha espetada no braço direito, e o esquerdo estava com gesso.

Doía-me tudo, juro que até a ponta do cabelo me doía, não havia nada no meu corpo que não me doesse. Quando estava quase a desistir, e a fechar de novo os olhos, apareceu alguém. Disse que eu estava no hospital mas que estava tudo bem, que a minha família já lá tinha estado e que logo viriam ver me de novo.

Bem, pensei, pelo menos os meus pais sabem onde estou mas o que é que me aconteceu, não me lembro de nada. A última coisa que me lembro foi de sair de casa e...nada, não me vem nada à memória. Não me lembro de nada do que aconteceu naquele dia...

Voltei a entrar no mundo dos sonhos, dos pesadelos...nem sei. Ouço alguém a falar comigo, longe, muito longe. Não percebo o que ele diz. Sinto um leve toque na cara...como se me dessem um beijo...um leve e suave beijo.

Quando abro os olhos de novo...vejo os meus tios e os meus avós. Estão com olheiras, devem ter passado a noite em claro. Quando a minha tia se aproxima percebo que tem os olhos vermelhos e inchados, esteve a chorar, tenho a certeza. Procuro pelos meus pais...eles não estão ali, alguma coisa se passou...eu sinto.

Observo os quatro adultos que estão ali naquela sala e a pergunta que me está na garganta não sai. Primeiro porque ainda tenho a porcaria do tubo, mas principalmente porque não a quero fazer. Não pode ser verdade, o que estou a pensar não pode ter acontecido. Os meus olhos começam a ficar molhados, a respiração começa a ficar pesada...tudo apita...e deixo de os ver, está tudo negro de novo...um imenso mar de escuridão.

Quando ao fim do que me parece uma eternidade abro de novo os olhos, apenas a minha tia Marta está no quarto...tento falar...continuo a ter a porcaria do tubo na boca...mas não consigo aguentar mais, e por mais que me custe tenho que fazer a pergunta, tenho que saber...

— Tia...a mãe...- ainda tenho o tubo na boca...não é fácil falar...a minha garganta está seca parece que esteve no deserto do Saara...- Água...- peço logo a seguir.

— Calma Madalena, toma só um bocadinho...- e dá-me Água num pouco de gaze...o suficiente para me molhar os lábios e o céu-da-boca...

— Onde estão? A mão...o pai...porque não estão aqui?

— Madalena, tenho uma coisa para te dizer...mas preciso que tenhas calma, preciso que me ouças até ao fim.

— Tia...não, o pai e a mãe...estão bem? Eles...

— Nena, (é um diminutivo um pouco estranho, eu sei...mas a minha prima Leonor tem a mesma idade que eu e chamam-lhe nono...por isso eu fiquei a Nena...)...houve um acidente e a tua mãe...- deixei de ouvir... - o teu pai ....- de novo deixei de conseguir ouvir...-...tens que ser...

— Não...não...não. É um pesadelo, eu quero acordar...eu não quero...não quero viver...

Começou de novo tudo a apitar, a enfermeira entrou e colocou qualquer coisa no soro e entrei de novo na escuridão. Depois disto não me lembro de muito mais, era como se estivesse numa outra dimensão, tudo o que fazia era mecânico, era como se fosse um robot e fizesse o que me competia. Mais tarde soube o que tinha acontecido...mas apenas acordei desde estado de sonambulismo no dia do funeral para onde fui arrastada...depois obrigarem-me a vir para Coimbra, a deixar tudo o que conheci um dia. Num piscar de olhos tudo o que tive um dia desapareceu...

 


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