Caminho Incerto escrita por Clarinesinha


Capítulo 11
9 - Visitas




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Pov Avô Carlos

Ligaram-nos do Hospital de Coimbra, a dizer que tinham encontrado a Madalena, apesar de estar furioso com a sua fuga não consegui deixar de me sentir aliviado. Esta menina sempre foi o meu orgulho, a minha alegria, minha companheira e aliada em tantas brincadeiras. Apesar de morarmos longe quando nos juntávamos a casa vinha abaixo, como dizia a minha Cândida. Sempre soube que a minha neta Ana sentia ciúmes, mas estava tão pouco com a Madalena que quando nos juntávamos o tempo parecia correr depressa demais, e depois Ana nunca se interessou por futebol, ou cultura para ela tudo se resumia a roupas e aparelhos electrónicos.

Desde que vieram para Coimbra, eu sintia a Madalena diferente, ela nunca fora uma menina rebelde, nem desobediente; pelo contrário sempre foi uma menina calma, amável, adorava os pais e tinha uma paixão imensa pelas irmãs. No dia em que ela desapareceu, depois de gritar com a minha Candi, o Padre Ricardo acalmou-me um pouco, e ao falar com o ele percebi que talvez a minha esposa tivesse razão: se eu continuasse a tratar a Madalena desta forma, como se ela tivesse a culpa de tudo, eu ia perder não só a minha neta, mas a minha família. Mais calmo, fui ter com a minha esposa, quando entrei percebi que ela ainda chorava agarrada à Cátia.

— Filha. Podes deixar-me sozinho com a tua mãe, por favor?

— Claro Pai. Nós hoje ficamos por cá. Vou ver dos miúdos se precisarem de alguma coisa avisa. - dou-lhe um beijo na testa e sento-me ao lado da minha mulher.

— Candi, perdoa-me, por favor. Eu sei que disse coisas que nunca deviam ter saído da minha boca...mas...

— Ela não tem culpa do acidente, nós sabemos o que aconteceu. Nós vimos o Pedro sair daquele hospital desnorteado, com raiva nos olhos...nós sabemos o que aconteceu com a Madalena, eu rezo todos os dias para que passe o tempo que o médico nos deu e que não tenhamos mais surpresas...- relembro então aquele dia...

Ninguém sabia o que lhe tinha acontecido naquele dia, apenas nós os avós, tios e os pais, para todos as outras pessoas ela tinha sido assaltada e acabou em coma no hospital. A polícia informou-nos que ela tinha sido espancada à porta de uma discoteca pelo suposto namorado, e que este a tinha violado. Sim aquele filho de uma...violou a minha neta. Quando o meu filho ficou a saber o que o "Richi", que era o nome do rapaz, tinha feito saiu furioso do hospital, a Maria ainda tentou impedir que ele fosse atrás do miúdo, ela sabia que nervoso como ele estava ainda faria alguma asneira. Mas ele não a ouviu e foram os dois, porque a minha nora nunca o deixaria sozinho.

Passado algumas horas, estávamos nós já com os meus outros netos recebemos um telefonema da Marta, irmã da Maria, a informar-nos do acidente dos dois. Ela chorava e quase nem consegui perceber o que ela dizia, e foi o Luís o marido que acabou por nos contar que eles tinham tido um acidente de carro. Maria estava muito mal, e o meu filho também. Estavam a caminho do hospital, o mesmo onde estava a Madalena.

O acidente não foi culpa da Madalena, mas, cada vez que eu a via lembrava-me que se ela não tivesse fugido nada daquilo tinha acontecido. Mas a verdade é que todos nós um dia já saímos de casa às escondidas para ir namorar, ou apenas para uma saída entre amigos. E usar os amigos para ludibriar os pais era tão normal na nossa adolescência.

— Eu nunca devia tê-lo deixado sair daquela forma...eu devia tê-lo impedido...eu...

— Se nem a Maria o conseguiu convencer. O nosso filho é igual a ti...cabeça dura.- Cândida fez-me um carinho cheio de ternura e amor.

— Se lhe acontecer alguma coisa eu não me perdoou, a culpa é minha. Tenho sido tão frio com ela...tão...

— Carlos, a Madalena está a sofrer muito. Ela não se lembra de nada do que lhe aconteceu. Acordou e viu-se num hospital, para logo depois saber que a mãe morreu e o pai está em coma. Achas que ela não carrega com ela a culpa de tudo, mesmo não se lembrando de nada...- olho para Candi, será que a minha neta se culpa por algo que...- A nossa neta é esperta ela sabe que nós lhe escondemos alguma coisa. E o pior é que para além da dor e da culpa que sente, ela acha que nós a culpamos.

— Mas...eu nunca disse que a a culpa era dela...- e fico a pensar, posso não ter tido por palavras, porém por vezes um gesto pode fazer isso muito melhor que uma palavra...

Quando a Madalena teve alta, eu fiz questão de trazer os meus netos para Coimbra. Seria uma forma de garantir que a Madalena não ficasse perto daquele rapaz, se bem que ela não se lembrava do que tinha acontecido naquele dia e noite, eu não a queria perto daquele miúdo. Falei com os pais de Maria, e se bem que para eles fosse difícil, perceberam qual o meu propósito. Já Marta foi mais difícil, ela e Maria eram muito chegadas e ela tinha uma ligação especial com a Madalena, mas depois de a fazer ver que seria melhor até para a Madalena nunca se lembrar do que lhe tinha acontecido, ela concordou.

E assim vieram os meus cinco netos para a minha casa, no início foi complicado: a Clara só chamava pela mãe e apenas a Madalena a conseguia acalmar, a Sofia não falava com ninguém e a Luísa tinha perdido aquele sorriso único que ela sempre tinha na sua face tão parecida com a do pai. E o Pedro, bem ele tentava manter-se firme, e ser o homem da casa, mas eu sabia que aquilo era apenas uma máscara, ele era igual ao pai e a mim: ninguém nos conseguia decifrar quando colocávamos a nossa máscara de imparcialidade. Apenas as mulheres das nossas vidas o conseguiam fazer: a minha esposa e a minha nora.

— Talvez eu a tenha culpado sim, apesar de aqui dentro...- e aponto para o meu coração...- eu saber que ela não tem culpa. Mas é tão difícil suportar a dor sem conseguir culpar alguém. Perdoa-me por favor...

— Tens que conversar com a Madalena, tens que lhe pedir perdão a ela Carlos...

— Eu falo...- olho para a minha esposa...- Estou com medo Cândida, e se ela não voltar, se lhe aconteceu alguma coisa...eu...

E abraço a minha esposa chorando como ainda não chorei desde que tudo aconteceu. Tenho me mantido forte por tanto tempo pela minha família que me esqueci de fazer a minha dor sair, aos poucos fui cedendo ao cansaço.

Na tarde seguinte da fuga da Madalena, o Manuel (pai da Maria), ligou-me desesperado pela fuga da nossa neta. Tentei acalma-lo, mas nem eu estava assim tão calmo. E o que começou por uma conversa civilizada acabou numa conversa mais acesa...

"- Carlos, tu prometeste-me que eles iam ficar bem. E agora venho a saber pela minha Leonor que a Madalena desapareceu."

"- Ela não desapareceu, ela simplesmente se perdeu. Ela saiu da Igreja ontem e deve-se ter baralhado com as ruas. Mas a polícia já está à procura dela..."

"- Mas porque raio é que ela saiu da Igreja sozinha? Ela passou a noite na rua? Pelo amor de Deus, ela tem 14 anos e dormiu na rua..."

"- Eu sei, achas que eu não sei." - eu já não estava a aguentar as lágrimas que desde ontem caiam dos meus olhos."- Bolas, mas que culpa tenho eu se a Madalena faz coisas que não lembram a ninguém. Nós estávamos na missa, o Padre Ricardo começou a falar da Maria e ela saiu disparada da igreja."

"- Ela está a sofrer, eu sabia que isto era uma má ideia, ela não devia ter ido para Coimbra. Pelo menos em Lisboa tinha os amigos..."

"- Sim e tinha também aquele traste que a violou e a espancou. Nós falámos sobre isso há meses atrás Manuel."

—" Sim, mas neste momento não sei se foi o melhor para os nossos netos. Nós vamos agora mesmo para Coimbra, queremos ver os meninos e ajudar nas buscas."

"- Manuel a polícia já está à procura, não vens cá fazer nada..."

"- Nós vamos e nem o Papa me vai impedir. Quero ver os meus netos e a Marta, o Luís e os meninos vão connosco."

"- Tudo bem, não vos posso impedir. Querem vir cá jantar? As meninas vão gostar com certeza."

"- Se não for incomodar jantaremos sim. Passaremos apenas no Hotel para deixar as malas. Até logo."

"- Não é incomodo nenhum, até logo."- Despedi-me do Manuel e fui ter com a minha esposa...- Candi, a família da Maria está a caminho de Coimbra...

— Eles souberam?- apenas assenti...- Mas como?

— Pela neta, eu convidei-os para virem cá jantar. Acho que será bom para as meninas.

— Sim, elas estão tão tristes. Principalmente a Lu, ela sente a falta da Madalena. Mas vêm todos?

— Pelo que o Manuel me disse sim. Vêm eles, a Marta, o Luís e os miúdos, pelo menos as meninas vão estar distraídas com os primos.

O dia vai passando e no final da tarde Manuel telefona-me a dizer que chegaram e que  daí a uma meia hora mais ou menos estarão lá em casa. Digo à minha esposa e falo com as meninas que vamos ter visitas e que acho que elas vão gostar. Clara e Sofia ficam eufóricas e tentam de todas as formas fazer com que lhes diga quem são as visitas, mas a Luísa continua sentada no sofá não fazendo caso do que falo.

— Lu, não queres saber quem são as visitas? Eu tenho a certeza que vais gostar. - digo-lhe tentando desperta-la da letargia em que está.

— Não...- e vira costas para mim. Viro-me para Clara e Sofia e peço que vão ajudar a avó na cozinha, sei que elas adoram e preciso de um tempo sozinho com a Luísa.

— Lu, eu sei que queres que a Madalena volte depressa, e eu também quero...

— Não, tu não queres. Tu não gostas dela, só gritas com ela.- reparo que ela tem lágrimas a escorrer pelos olhos...- Tudo o que ela faz tu ralhas com ela. Eu quero os meus pais, eu quero minha irmã de volta, eu quero a minha vida de volta...- e começa a chorar como eu nunca a tinha visto chorar. Tento abraça-la mas ela foge, eu forço o abraço e não a largo, sei que ela precisa disto, mesmo que ela diga ou faça o contrário.

— Lu, sei que tenho agido mal com a Madalena. E quando ela voltar eu vou falar com ela e resolver tudo. Prometo.- sinto finalmente a minha neta a ceder ao abraço...- Ela vai voltar, nem que eu tenha que revirar as pedras de todas as ruas de Coimbra...eu vou encontrar a tua irmã.

— Avô, se revirares as pedras todas ficamos sem ruas para andar...-e ri-se olhando com aquele ar que só eu e a Madalena temos quando fazíamos as nossas piadas secas que ninguém percebia e que apenas nós conseguíamos rir.

— E agora já queres saber quem está em Coimbra...- e neste momento tocam à porta...- Vai lá abrir, acho que vais gostar.

E assim ela faz, quando ela chega à porta dois furacões saem da cozinha directas para a porta, Luísa olha para mim como que pedindo autorização para abrir eu apenas lhe dou um sorriso e ela abre. Quando elas vêm os avós e os Tios, nem querem acreditar: Clara atira-se para a avó e Sofia para o avô, Luísa fica parada ela tanto olha para mim como para os cinco que estão à porta. De repente sem ninguém esperar ela sai e sobe para o quarto. Cândida olha para mim, mas eu não sei o que se passou, decido ir ter com ela. Entro no quarto e ela está encolhida junto ao armário.

— Lu. Ei! Pensei que gostasses da surpresa. Não tinhas saudades dos avós e dos tios?

— Está a doer avô...está a doer muito...aqui...- e aponta para o coração...- eu sinto saudades...eu sinto saudades da mamã.

— Ó meu doce. Ouve o avô, a tua mãe vais estar sempre aqui no teu coração. Vai estar sempre em vocês: em cada sorriso, em cada lágrima, em cada descoberta que fizerem, em cada etapa que vencerem e principalmente ela vai estar na tua família: nos teus avós, na tua tia e nos teus irmãos.

— Eu quero a Mada, avô onde é que ela está? Diz-me que ela volta que também não a vou perder. Por favor?

— Ela vai voltar, ela tem que voltar.- E dizendo isto apesar de não ter a certeza de nada, abraço a minha neta e faço uma prece para que a Madalena volte logo para casa. Como é que vou olhar para o meu filho quando ele acordar e lhe dizer que a filha desapareceu...- Vamos ver o Avô Manel e a Avó Nina?

Desço com a Luísa e assim que vê os avós abraça-se a eles, depois fala aos tios e finalmente com a prima. Manuel diz que ficaram pelo menos até ao fim de semana, que apenas trouxeram Leonor pensando que talvez esta pudesse distrair os primos.

Pergunta-me pelo meu filho, o que lhe repondo que está na mesma e peço-lhe para deixar Leonor cá em casa contando-lhe a conversa que tive com Luísa, ele concorda que a presença da prima talvez a ajude neste momento. Jantamos num ambiente familiar que quase nos esquecemos de toda a desgraça pela qual esta grande família está a passar. É bom estar de novo assim todos juntos, todos felizes. No final da noite, as visitas vão-se embora garantindo que no dia seguinte estarão de novo cá em casa para nos ajudar e estar com as meninas, ficou decidido no meio do jantar que as meninas não iam à escola.

Quando soubemos naquela manhã que a Madalena tinha sido encontrada, foi um "assobio" de ares aliviados. Claro que todos queriam ir ao hospital, e embora as meninas quisessem ir nós sabíamos que elas nunca poderiam entrar. Leonor conseguiu convencer as meninas a ficar e preparar uma grande recepção para receber Madalena quando ela voltasse para casa, e com isto as quatro, pois neste grupo inclui-se a Catarina, ficaram logo entusiasmadas e com mil e uma ideias do que fazer. Penso para comigo que tenho que agradecer ao Manuel e à Marta por trazer esta miúda, ela tem um jeito com as primas que nunca vi, bem tirando a Madalena.

Assim fomos: eu, a Cândida, o Manuel, a Marina, a Marta e o Luís; em casa ficou a Cátia com as crianças. O Pedro, o Afonso e a Ana não puderam faltar às aulas, por isso ficaram só as mais novas mesmo.

Assim que chegámos fomos encaminhados para uma sala onde ficámos a aguardar os médicos, a assistente social e a polícia; nunca pensei estar numa situação destas. Primeiro falou o médico Dr. Martim Costa, pelo que percebi a Madalena estava com uma Broncopneumonia, tinha sido encontrado junto à Capela de São Miguel, neste momento ainda estava nos cuidados intermédios mas que estava a corresponder bem ao antibiótico.

Depois foi a vez da Assistente Social nos fazer algumas perguntas, e pareceu-me estar num julgamento. Explicámos toda a situação pela qual a Madalena passou, o acidente dos pais que resultou na morte da mãe e no coma do pai, na mudança de cidade, escola e rotinas...e expliquei o que tinha acontecido naquele dia. Depois de toda as explicações dadas encaminharam-nos até ao quarto onde estava a Madalena, como não podíamos entrar todos ao mesmo tempo, deixei que o Manuel e a Marina entrassem com o Pedro, que entretanto tinha lá ido ter.

Finalmente chegou a minha vez, entrei com a Cândida, e assim que a vi não consegui evitar as minhas lágrimas de caírem. Ver a minha Nena ali deitada de novo, senti-me um ser horrível, como consegui ser tão insensível, frio, rude com a "minha menina". Aproximei-me dela, dei-lhe um beijo na testa e baixinho fiz-lhe uma promessa:  "Eu prometo-te Nena...que tudo vai mudar. Vou voltar a ser o avô que sempre fui...o teu avô. Desculpa-me minha princesa, desculpa o teu avô...eu estava a sofrer, e não consegui ver que tu sofrias também."

 


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