Ainda era madrugada, por volta das cinco, o céu ainda estava escuro, porém as luzes do quarto já estavam acesas. A vida de um artista famoso nunca foi fácil, a rotina de acordar cedo e dormir tarde era comum para a grande maioria.

E Akira era parte dos que raramente tinha um tempo livre, ainda mais com o começo das filmagens do dorama tão perto. Já fazia algum tempo em que parou de sentir aquela insegurança de um novo trabalho, ou mesmo, o medo de iniciante de conseguir manter-se na mídia. O fato era que sempre foi popular na vida, na família, na escola, em qualquer lugar em que estivesse, algo nele sempre chamava atenção das pessoas e fora o fato de possuir uma aparência invejável, também era incrivelmente habilidoso em tudo o que fazia.

Naquela pequena casa, também morava uma amiga peluda. Uma vira-lata de porte médio, pelo marrom e cheia de energia.

— Calma, Vivi, que a gente já vai passear. — Akira amarrava o cadarço, enquanto conversava com a cadela.

Vivi, assim como era chamada pelo dono, já estava na porta, pulando alegre. A rotina sempre era aquela, acordar mais cedo para levar a amiga peluda para passear e aproveitar para se exercitar um pouco, já que mesmo madrugando, nem sempre tinha a oportunidade de malhar e sabia que isso indispensável.

Boa aparência importava e muito na profissão.

Sempre que saía com a cadela, era difícil distinguir quem levava quem para passear, já que ela corria e o puxava a fim de cheirar tudo o que via, além de fazer xixi, sempre no mesmo lugar, toda manhã, revelando a sua própria rotina.

Enquanto era arrastado pela amiga de quatro patas, Akira passava mentalmente seus afazeres do dia, lembrando que dali algumas horas teria que estar no estúdio, onde gravaria o programa “My class mate”. Um programa de entretenimento, onde os convidados se vestiam de colegiais, e participavam de várias brincadeiras, e a maioria era simplesmente constrangedora, junto dele também iriam outros artistas, dos quais, alguns teve a sorte de conhecer, e outros nem tanto. Porém, já sabia o que poderia esperar da gravação, ou seja, nada com que se preocupar. No máximo pagaria um mico homérico, logo em seguida teria uma pausa, onde poderia almoçar, para depois ir à outro estúdio, e mais tarde haveria um ensaio fotográfico para uma loja de grife. Então, finalmente, estaria livre para fazer outras coisas. Geralmente a agenda de Akira conseguia ser ainda mais recheada de trabalho, no entanto, preferiu deixar um espaço livre, já que a filmagem do dorama ia ocupar bastante tempo, incluindo as filmagens no período da manhã.

Quando Akira havia se dado conta já estava de volta ao lar, como fazia todo o dia o mesmo trajeto, era normal parar de prestar atenção no caminho. Aquele horário era perfeito para caminhar, já que haviam poucas pessoas na rua e conciliava com seus compromissos. Assim que abriu a porta de casa, Vivi foi correndo para seu canto na lavanderia, onde tinha um pote com água e outro com ração, para assim recuperar as energias.

Após um banho relâmpago, se trocou quase que em um minuto, e rapidamente foi para cozinha tomar um café-da-manhã, ligeiro e nutritivo, que se encaixasse em seu escasso tempo.

Lembrava-se do seu tempo de criança, época na qual antes de ir para escola, passava na casa de Hitome e tomavam o desjejum juntos.

Sempre tinha comida fresca, feita por Makoto, que é apaixonado por culinária.  Por isso, cada dia era um café-da-manhã diferente e elaborado, fosse um típico japonês, ou até mesmo no estilo americano. Enfim, uma variedade sem fim.

Fazia tanto tempo que já não tinha contato com ele, pensou que talvez um dia devesse lhe fazer uma visita, e assim aproveitaria para ver como Aya estava se saindo no papel de Hitome, já que com a amiga ele conviveria com frequência.

Saiu de casa junto com os primeiros raios solares, indicando-lhe que já devia estar na rua. Com o tempo esgotado entrou no carro e acelerou rumo ao primeiro item da lista de afazeres.

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Touya havia apagado pela primeira vez, em quase três dias sem dormir direito. Ele já tinha o costume de dormir pouco, cinco horas de sono costumavam ser o suficiente para aguentar o dia inteiro, só que desde o incidente de Aya, ele dormia apenas duas horas, ou nem mesmo dormia.

Após Hitome ter gravado o programa sem muitos contratempos, e também terem recebido a ajuda de Shin, ele conseguiu relaxar um pouco. Ainda assim acordou bem cedo, pois teria a agenda da Aya para fechar, já que estavam aparecendo inúmeras ofertas de trabalho, dentre elas um convite para modelar em um vídeo clipe de um grupo famoso.  

E para completar, também tinha que treinar Hitome para o dorama.

Tateou a mesinha de noite para desligar o despertador do celular, que já estava programado para tocar diariamente às cinco horas, e se arrastou para tomar um banho demorado, luxo que se permitiu depois de tanto tempo de cansaço acumulado.

Mesmo no banho, ele não conseguia se desligar do trabalho, desde que pegou Aya como cliente, não tinha tempo de descanso, sempre se esforçava para ajuda-la alcançar o sonho de ser uma estrela, e podia dizer que estava dando resultado, e sentia-se orgulhoso dela.

Mas logo veio o pensamento do acidente.

Aya merecia desfrutar depois de todo esforço que sempre fez, para que nada fosse em vão, portanto tinha que se empenhar para que ninguém descobrisse a verdade sobre a troca.

Afinal, tanto Aya quanto Hitome sofreriam as consequências da farsa. Ter a própria mãe golpista já era difícil de engolir, até mesmo para ele, que não tinha nada a ver com aquela história. Cortava-lhe o coração ver a garota chorando, desamparada, não parecia justo. Mas o que se podia fazer? Todos tinham que dar o seu melhor e rezar para um final feliz.

Enquanto escrevia em seu tablet, afim de montar a agenda de Aya, comia uma banana e bebia um pouco de suco de laranja.

Das sete ao meio dia ela teria aula de interpretação, logo depois tinha uma pausa para o almoço, depois iria para uma pequena reunião onde discutiriam as condições sobre o contrato de modelagem do MV. Logo em seguida iria treinar para fotografia e dramaturgia para televisão... Finalmente a agenda do dia estava feita.

Touya terminou o desjejum e saiu correndo, precisava usar todo o tempo que tinha para poder transformar Hitome em uma atriz excepcional.

Assim que chegou na porta do apartamento, apertou a campainha, já que ainda não tinha a intimidade (ou afinidade) necessária para entrar com o próprio acesso.

Não queria tirar-lhe a privacidade.

Não demorou muito para ser atendido e recepcionado por um doce aroma.

— Que cheiro é esse? Parece torta. — perguntou curioso.

— É torta de maçã... — sorriu gentil. — Eu estava com vontade de comer então fiz. Fui ao mercado que tem aqui no condomínio junto com o Kevin.

— Ele veio aqui? — perguntou apreensivo, quanto mais tempo Hitome passasse com outras pessoas, maior era a chance de ser descoberta.

Hitome explicou que no fim da tarde Kevin apareceu querendo jogar vídeo game e depois queria leva-la para conhecer o condomínio, aproveitaram para jantar, encontraram com a Arisa, e na volta eles passaram no mercado.

— Você conseguiu se virar bem? Ninguém te fez perguntas comprometedoras, né?  — Touya não imaginou que ela faria amizade tão rápido com Kevin, e menos ainda que conversaria logo com Arisa, já que ela ficava no extremo oposto do apartamento de Aya.

— Bem, o Kevin pareceu um pouco incomodado com a Arisa, já que ela ficava muito grudada nele. No final não conversamos muito. ­

Hitome compreendia a preocupação de Touya, mas sabia que não podia ficar cem por cento do tempo confinada no apartamento, ainda mais com Kevin por perto.

Lembrou-se que assim que Arisa chegou, não deu tempo para eles conversarem nada, ela simplesmente sentou do lado de Kevin e começou a falar. Arisa falou da própria carreira e que estava ansiosa para filmar com eles. E achou um pouco estranho porque sempre a conversa se focava em Akira, parecia claro que Arisa era apaixonada por ele, o que deixava tudo mais confuso ainda, já que a garota sempre agarrava o braço de Kevin. Hitome não sabia explicar a razão, mas se sentia apreensiva na presença da garota e esperava que fosse só uma tensão momentânea.

— Arisa é uma garota muito talentosa, é artista desde os seis anos, e, além disso, ela me procurou um tempo atrás para ser manager dela. — comentou. — Mas eu não aceitei, eu já tinha Aya como cliente, além disso eu prefiro cuidar de artistas iniciantes, eles que geralmente precisam de mais ajuda.

— Você é mesmo uma pessoa dedicada. — Hitome sorriu, era o que ela realmente pensava de Touya, mesmo que sempre acabasse reclamando com ele sobre alguma coisa. — Aya com certeza está em ótimas mãos, e você tem cuidado muito de mim... Obrigada.

Touya surpreendeu-se ao ouvir aquilo, depois que Hitome descobriu sobre Akemi, o comportamento da jovem mudou e o olhar dela também parecia diferente.

O que era um tanto natural.

Um dos motivos era que finalmente a ficha havia caído e ela sabia que não tinha mais volta, teria que seguir com aquilo até o fim. A segunda razão era que se não agisse de uma forma mais positiva, sabia que iria acabar fraquejando, e ela não podia fazer aquilo, ainda mais naquele momento. Precisava proteger o pai, não importava as consequências. Passou muito tempo pensando sobre toda aquela confusão, e finalmente colocou os pensamentos no lugar, decidida a focar-se.

— Ontem o Shin apareceu na sua casa. — Touya comentou, vendo que Hitome estava indo para cozinha.

— Sério? — a voz de Hitome demonstrava surpresa e animação. — E como ele está? Vocês contaram sobre a troca?

— Ele parecia muito bem, e não foi preciso, ele sacou tudo logo de cara, que nem o Akira. — Touya soube pela reação de Hitome, que Shin e ela eram melhores amigos.

— Bom, não estou surpresa com isso, o Shin me conhece até do avesso.

Touya ainda não sabia da história deles, então Hitome contou, desde quando se conheceram e ficaram amigos, inclusive que passou um período na casa dela. E também sobre o irmão gêmeo.

O manager imaginou que todas as confusões que se passaram nos últimos dias dariam vários roteiros para várias novelas.

Só depois de um bom tempo é que notou que a moça se vestia com roupas de ginástica.

— Você estava se exercitando?

— Eu só fui correr um pouco de manhã. As roupas da Aya quase não estão servindo... E sinceramente eu acho que não consigo fazer dieta, mas tenho facilidade para perder peso. — não tinha costume de ir à academia ou treinar em casa, entretanto sabia que precisava dar um jeito de perder ao menos dois quilos. Correr era uma ótima maneira de resolver esse impasse, já que acelerava o metabolismo, além disso, o condomínio oferecia bastante espaço.

— Você realmente precisa perder um pouco de peso. Eu ia começar uma dieta com você, mas ainda não tive tempo para montar. Se você diz que perde peso fácil, vou deixar essa tarefa por sua conta.

— Na época da escola eu era uma vareta! — Hitome riu. — Acontece que no restaurante eu comia toda hora, sempre beliscava alguma coisa. Além disso, meu pai sempre fazia pratos novos. Agora que eu estou naturalmente comendo menos vou acabar emagrecendo sem esforço, você verá.

— Tenho certeza que se a Aya te ouvisse ia ficar morrendo de inveja... — Touya acompanhou cada passo da atriz, e sabia o quanto ela lutava para poder manter a forma, eram exercícios diários, além de uma alimentação restrita. Apenas uma vez ou outra se permitia comer algo fora do planejado.

— Ela não consegue emagrecer fácil? — nunca se preocupou com o que ingeria, até porque não ligava muito para aparência. Aya era magra, porém sempre teve que brigar com a balança e a fita métrica.

— Aya tem extrema dificuldade em perder medidas. E você sabe que no showbiz tem que cuidar muito da aparência. O Akira, por exemplo, quando começou era considerado magro demais, então ele começou a ir à academia e tomar suplementos. Em dois meses ele começou a ter muito mais trabalho do que antes.

— Sério? O Akira sempre foi o mais popular na escola. E foi nessa mesma época que começaram a surgir alguns trabalhos de modelo. — recordou-se das inúmeras vezes em que ouviu as meninas ao seu redor suspirarem apaixonadas por causa dele, e piorou quando o amigo apareceu em uma revista pela primeira vez. — Além disso, foi graças a alta popularidade dele que acabei sendo obrigada a virar “árvore e grama” nas peças de teatro. — revirou os olhos, arrepiada, as garotas eram assustadoras.

— Como assim? — Touya indagou, já que Akira tirava sarro da garota por causa do papel de árvore que Hitome fora obrigada a fazer. E não pôde negar a curiosidade de saber o que o Akira tinha a ver com aquela história.

Hitome contou nos detalhes o dia em que foi escolhida para ser a tal árvore.

— Sabe, eu nunca fui popular como o Akira, mas como eu sempre andava com ele, as meninas ficavam no meu pé e tentavam me intimidar. No dia dos namorados eu tive que correr para não ser linchada! Meu pai fez chocolate e me pediu para dar para o Akira... Geralmente ele não aceita chocolate das garotas porque depois elas grudam ainda mais. Só que ele aceitou o que eu dei, porque eu disse que foi meu pai que mandou. Touya...  Juro para você que nesse dia eu só escapei porque me escondi na diretoria. — suspirou com desanimo. — A partir desse dia as meninas pegaram birra de mim e nessa mesma época, a gente tinha uma peça para apresentar, já que ia ter um festival. No sorteio para os papéis, elas adulteraram o resultado, e, me colocaram no papel mais ridículo que poderia ter. — finalizou conformada.

— Sério? — ficou assombrado. — E o Akira deixava as meninas te intimidarem?

— Ele não ia ficar de babá... Quando ele estava por perto ele dava um jeito. E até acho que foi para me proteger que ele mudou de escola.

— Akira mudou de escola por sua causa?

— Ele nunca admitiu, mas acho que sim. Porque não vi um motivo para ele sair da escola em que a gente estava. Ele foi para outra que era praticamente a mesma distância de antes... E não interferia em nada a rotina dele. — explicou e logo continuou a falar. — E quando eu perguntei o porquê da transferência, ele disse que não aguentava mais ver a minha cara. Sendo que ainda vinha na minha casa toda semana.

— Realmente a explicação dele não convenceu muito. — concordou. — Mas você disse que o resultado foi adulterado, como você soube? E qual seria o seu verdadeiro papel?

— Fica fácil de imaginar que elas fizeram alguma coisa, quando o papel de árvore nem existia... E de repente fui sorteada. — expôs sarcástica, mas infelizmente, na época não pode fazer muito. — O Akira ia fazer o príncipe da história, e quem decidiu isso foram as meninas do fã clube dele.

— Ele tinha fã clube? – Touya visualizava mentalmente a situação, e estava sentindo o ímpeto de rir, mesmo que o assunto tivesse um matiz sério.

— As meninas daquela escola eram um bando de malucas! E pode rir, se eu não tivesse passado por isso, falaria que era piada ou roteiro de algum dorama maluco!

— Realmente... Por mais que o Akira seja bonito, não me parece atitude de pessoas normais.

— Então, pelo que percebi, o papel de princesa já era carta marcada, foi a presidente do fã clube dele que, admiravelmente, ganhou.

Lembrar-se daquelas coisas era desagradável, graças a essas memórias, que não tinha a menor saudade da época de estudante, as coisas só pioraram quando Akira saiu, já que muitas meninas culpavam Hitome por isso.

—/-/-

Apesar da troca de lugar com Hitome parecer fácil, não era bem assim. Mesmo que ela não tivesse que sair de casa, ou ir trabalhar, era extremamente angustiante ficar no quarto o dia inteiro, sabendo que Makoto precisava de ajuda, e sentir-se impotente. Touya havia prometido que juntos iriam pensar numa solução. Só que ser paciente nunca foi um de seus dons.

Aos poucos organizava o quarto e sempre acabava descobrindo alguma coisa sobre a sósia, e finalmente conseguiu achar um dos sapatos que Hitome ia precisar para as gravações.

Arrumar a bagunça, mexer no celular, ver as redes sociais, e conversar com os amigos de Hitome, era o que não lhe deixava enlouquecer. Achava interessante, porque sempre descobria alguma coisa, que as vezes tornavam elas mais parecidas do que imaginava, como por exemplo, paixão por sapatos e bolsas. Naquele quarto tinha um canto específico para coloca-los, e notava-se o cuidado, pois estavam nas caixas e muito bem conservados. O que não caracterizava outros itens.

Também ficou surpresa, que uma das gavetas tinha um fundo falso.

— Por quê esse diário está mais escondido que o outro? — imediatamente pensou que poderia conter coisas ultrassecretas escritas ali, e que com certeza iria ler mais tarde.

— O que você tá fazendo? — uma voz masculina veio da porta.

Aya soltou um gritinho agudo de susto e virou-se bruscamente, estranhando aquela voz familiar.

— Akira, o que faz aqui?

— Vim ver como você está... — desconfiou ao ver a amiga fechar a gaveta repentinamente, como quem é flagrado fazendo algo errado.

Aya não sabia muito bem como agir, em tese, Akira era amigo de infância de Hitome, mesmo assim, fazia tempo que não se viam, devia parecer mais surpresa, talvez?

— Ah... — Aya viu Makoto logo atrás de Akira. — Estou bem, foi só um susto! Pelo menos lembrou que eu existo. Depois que ficou famoso, esqueceu-se da gente? — censurou inquieta, sorrindo sem graça e torcendo para ninguém perceber.

— Verdade... Faz tanto tempo que a gente não se vê. — Makoto estava surpreso com a visita de Akira, fazia tanto tempo que não se encontravam, que nem se lembravam quando foi a última vez. — Vou fazer um bolo para vocês comerem! — anunciou, finalmente cedendo à satisfação do reencontro.

Talvez a visita de Akira tivesse ajudado melhorar um pouco o ânimo de Makoto, que foi assobiando até a cozinha, e que com certeza iria fazer um café da tarde digno da realeza.

Continua...