Mudando De Vida escrita por Ray Shimizu


Capítulo 6
Uma frágil tensão




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Se o celular de Akira não tivesse começado a tocar, provavelmente Hitome ainda estaria perdida em seus pensamentos. Ela não se lembrava de receber um toque tão gentil assim antes. Menos ainda por parte de Akira. A ação dele fora tão repentina que quando se deu por si, o indicador dele já havia roçado seu rosto enxugando uma lágrima. Por um momento, aquela sensação estranha que apareceu tão repentina, se foi.

Akira atendeu rapidamente o telefone, sem nem olhar para o visor.  Sem graça por seu ato reflexo de segundos atrás, agiu sem pensar. Porém, nunca gostou de ver Hitome triste com nada.

─ Alô...

─ Akira? Tudo bem? – uma voz conhecida, demonstrou sua preocupação.

─ Oi, sim... Tudo bem sim...

Quando ouviu a voz de seu amigo, se lembrou que tinha que ter ido visita-lo naquela manhã, no entanto, com os escândalos de Hitome e Nana, acabou não apertando a campainha da casa de Kevin e subindo direto para o apartamento de Aya.

─ Você disse que estava vindo aqui em casa, mas já passou do horário de almoço, perguntei para o porteiro e ele disse que você entrou no condomínio essa manhã...

─ Cara,Desculpa... Eu estava na frente da sua porta hoje cedo, ai, ouvi uns barulhos vindos do apartamento da Aya e vim ver o que era.

─ E ela está bem? – Kevin perguntou.

─ Sim. Ela só foi vítima da Yukimura de novo. – respondeu, tentando transmitir  tranquilidade. – No meio da confusão eu me esqueci de te avisar. Depois a gente começou a falar do dorama que vamos filmar...

─ Ah, menos mal. Quem nunca foi vítima da Nana? – Kevin disse divertido.

─ Eu nunca.

─ É que ela ainda não teve a oportunidade! – Kevin sabia que Nana era uma pessoa difícil de lidar às vezes e mais ainda sob efeito do álcool.  – Vocês estão muito ocupados?

─ Na verdade não. A gente estava ensaiando aqui, mas demos uma pausa. – deu uma desculpa qualquer, sabia que não poderia falar a verdade.

─ Então eu vou dar um pulo ai. – Kevin desligou o telefone, sem dar chance para resposta. Em menos de um minuto, ouviram a campainha tocar.

Akira abriu a porta, pensando que talvez devesse ter dito que estavam ocupados, para evitarem possíveis problemas, entretanto, já era tarde demais.

─ E ai! – Kevin abraçou Akira, que era ligeiramente mais baixo. - Eu trouxe umas tranqueiras pra gente beliscar e também umas bebidas. Nada alcoólico, não se preocupem!

Kevin Shinji Matsumoto, era um ídolo, filmou vários filmes e doramas, sempre fazia papel de estrangeiro, já que era de ascendência mestiça, metade alemão e metade japonês. Tinha cabelos castanhos claros, quase loiros, olhos verdes e muito alto. Geralmente usava lentes de contato, mas como estava em sua hora de descanso, portava óculos. Longe das câmeras, nada de roupas elegantes e desconfortáveis, um moletom já estava de bom tamanho.

— Você deve ser a Aya, certo? – Kevin deixou a sacola com os salgadinhos e bebidas em cima do sofá e foi cumprimentar a morena que estava parada na porta da cozinha, com as mãos molhadas.  – Soube que você viria essa semana, mas ainda não tive a chance de te dar boas vindas. Você é mais fofa pessoalmente do que na TV. – Hitome ficou sem graça com o comentário, não era comum receber elogios, e ficou mais surpresa ainda, quando ele depositou um beijo em sua bochecha. – Prazer em te conhecer!

— E-eu... Vou terminar de fazer o almoço. Sinta-se a vontade! – Hitome entrou na cozinha para não deixar transparecer sua vergonha.

— Gostei dela.... – Kevin cochichou para Akira. – Será que ela sairia comigo? Ou... – olhou para o outro. - vocês já estão saindo?

— Claro que não! Nós somos apenas amigos. E você acabou de conhecê-la!  

Akira conhecia o homem o suficiente para saber que ele não era de se prender no politicamente correto, fazia tudo o que queria fazer. Mesmo que tivesse que ser às escondidas.

— E qual o problema? A vida é curta demais pra ficar pensando! - sorriu travesso. - E eu não sei como você ainda não arranjou namorada.

— Meu contrato não permite e o seu também não!

Akira estava ciente dos termos onde todos os agenciados da idade dele que tinham menos de cinco anos de contrato não poderiam ter relacionamentos amorosos. Além de outras cláusulas, um tanto... Diferentes.

— Como se alguém obedecesse. Os próprios chefes já sabem e se fazem de cegos. Desde que ninguém descubra. Não tem problema!

— Além do mais, eu também não quero me comprometer com ninguém. Estou focado na minha carreira.

— Tá certo! Não está mais aqui quem falou. – pôde observar que Akira estava começando a ficar mal humorado. – Mas, não é porque você não quer que eu também não queira.

Sem dizer mais nada, Kevin pegou as sacolas do sofá e foi para cozinha.

— Quer uma mãozinha? - chegou animado e sorridente.

— Não precisa, não. Eu já estou acabando aqui! Pode ir conversar com o Akira na sala. – Hitome se ruborizou devido a curta proximidade.

Antes que Kevin respondesse, Akira também entrou na cozinha e voltou a picar cenouras.

— Já que você tá ai, lava as verduras pra fazer a salada. - Akira mandou.

— Sim, senhor… - Pegou as folhas de acelga que estavam em cima da mesa, e foi para pia. Posicionando-se entre Hitome e Akira.

Kevin passou boa parte do tempo cortejando Hitome, apenas por diversão, gostava de ver as reações tímidas dela e de como Akira se mostrava desconfortável com a situação que presenciava.

Touya chegou no apartamento de Aya ao mesmo tempo em que a mesa era servida.

— Parece que chegou na hora certa! - Kevin comentou ao avistar o manager.

Touya sorriu e juntou-se aos três a mesa, porém era nítida sua expressão de preocupação e incômodo.

— Aconteceu alguma coisa? - Hitome perguntou.

Touya não poderia revelar o que estava sentindo naquele momento, a verdade era que tinha muito o que falar, porém não na presença de Akira e Kevin. Então, para disfarçar, sorriu.

— Só estou um pouco cansado, já corri muito para lá e pra cá desde cedo.

— Cuidar dessa doida não é fácil, se fosse eu já tinha me matado. - Akira olhou para Hitome, debochado, como de costume.

— Ela parece ser muito meiga e responsável. - Kevin também a olhou, sorridente.

— A Aya é bem esforçada. São problemas que fogem do alcance dela. É meu trabalho resolver. - Touya sentia pena de Hitome por ter sido envolvida na vida de Aya e isso só agravava com a última da mãe dela.

— O Akira adora tirar sarro da minha cara. Deve ser o passatempo dele. - Hitome se manifestou, expressando uma pequena careta.

— Isso aí é amor reprimido. Liga pra ele não. - Kevin se aproximou de Hitome, que estava sentada ao seu lado. - Estou solteiro, só pra você saber.

Akira revirou os olhos, era difícil saber quando Kevin estava brincando ou falando sério em se tratando de garotas. Já que na realidade, nunca o viu sair efetivamente com ninguém.

— Eu sei que os artistas namoram escondido. Mas eu estou aqui. - Touya advertiu, afinal, como manager não poderia permitir, além disso, seria problema em dobro se Hitome se relacionasse com alguém, ainda mais naquela situação, onde todos pensavam que ela era a Aya. - Não sei como seu manager consegue lidar com você.

— Ah. Meu manager só cuida da minha agenda. Do resto, cuido eu... – riu. - E você sabe que eu estou brincando.

— Vou fingir que acredito.

Touya soltou um longo suspiro, a mente estava em outro lugar. Não conseguia relaxar pensando em como devia abordar o assunto com Hitome sobre a mãe dela. E para isso, tinham que estar a sós.

Akira apenas ficou quieto e começou a comer. Agora que o manager tinha voltado, ele poderia ir embora.

— Essa comida está uma delícia! Devíamos virar chefs de restaurante famoso! - Kevin expôs sincero e animado. - Essa salada que eu fiz está divina também!

Hitome riu, no entanto, sua atenção ia e voltava de Touya. De alguma forma, ela sabia que ele trazia más notícias.

Talvez foi aquele sorriso nada sincero, ou o olhar um pouco perdido. De alguma forma, parecia tenso.

—---

Aya estava deitada na cama, aflita. Não conseguia ser paciente como Touya havia aconselhado, ao mesmo tempo em que sabia que não tinha muito como ajudar. A cabeça borbulhava em pensamentos, imaginando várias coisas. Também temia a reação de Hitome, o pensamento da sósia querer jogar tudo para o alto era grande.

Touya disse que daria a notícia e que pensaria em um jeito de convencer Hitome a não desistir do plano. Ainda mais de acalma-la. Aya sabia que não seria fácil, era uma promessa que talvez não pudesse ser cumprida.

Inquieta, deu um jeito de se levantar da cama. Ficar deitada só a estava deixando ainda mais ansiosa. Sentou-se no banco da escrivaninha que ficava perto da cama, e começou a abrir as gavetas. Era justo já que agora ela não era a Aya e sim Hitome. Precisava saber o que tinha no próprio quarto, não é mesmo?

Abriu uma das duas gavetas que tinham e se surpreendeu com o que tinha dentro. O volume de coisas era enorme, para uma gaveta tão pequena.

— Que fofo! - um pequeno pote de vidro, cheio de estrelinhas e florezinhas feitas de papel brilhante.

Aya passou boa parte do tempo remexendo as gavetas, era até uma boa forma de se distrair um pouco e conhecer mais da pessoa que ocuparia o lugar.

Também encontrou um caderno, bem infantil e antigo. Quando abriu, viu que se tratava de um diário, sem o menor peso de consciência começou a ler.

Aya fazia caras e bocas enquanto lia, sentia-se lendo uma revista de fofoca. Depois de alguns minutos, fechou o diário, decidida em terminar a leitura mais tarde, talvez antes de dormir. Enquanto isso foi ver o que mais de interessante Hitome escondia no quarto. E ao passo que ia descobrindo as coisas acabava organizando tudo, colocando as coisas de maneira mais pratica.

Nisso, as horas foram passando.

—---

Kevin e Akira ainda se estenderam um pouco mais após o almoço, já que ainda ajudaram com a louça e Kevin sempre encontrava um jeito de puxar assunto.

— Eu preciso passar na sua casa ainda pra pegar o jogo que te emprestei. Vamos embora logo. - Akira estava impaciente, esperando o amigo na porta há quase uma hora.

— Ah... Para que a pressa? Vai indo então, que eu já te alcanço! - Kevin tirou o cartão de acesso ao seu apartamento do bolso, entregando para Akira.  - Agora que eu sei que a Aya também joga vídeo game, vou chamar ela pra jogar comigo ao invés de você.

— Não viaja. - Sem mais paciência, pegou o amigo pela gola da camisa e o puxou para fora. - Você não ouviu que eles têm que se preparar para a entrevista de amanhã? Você fala da Yukimura e é sem noção igual.

Hitome fechou a porta ainda ouvindo os protestos de Kevin dentro do elevador.

Touya estava suando frio, a hora de falar, havia chegado. Era a primeira vez que tinha que lidar com uma situação tão delicada.

— Bom. Acho que agora você pode falar. - Hitome sentou no sofá, ansiosa. Pressentia más noticias.

— Como assim? - Touya se fez de desentendido. Devia ser óbvio em sua cara que estava escondendo algo.

— Você está muito estranho... Aconteceu alguma coisa. Alguém descobriu tudo? – Se sentiu aflita, antecipadamente.

— Não, ninguém descobriu a troca. – Aliviou-a de seu maior temor. Até aquele momento. - Mas realmente tem algo... Delicado... Que preciso falar pra você.

Touya viu Hitome engolir seco e pareceu ter ficado ligeiramente mais tensa. Não havia formas afáveis de explicar aquela situação. E prolongar aquela expectativa ruim não era nada bom.

O manager primeiro explicou para Hitome que Makoto foi buscar Aya no hospital, e que Akemi tinha ficado em casa para preparar o almoço. Depois contou detalhes irrelevantes, postergando o relato, deixando-a mais e mais inquieta.

— Aonde quer chegar? O que você tem pra falar é tão ruim assim?

— É! - Honesto.

— Então, só fala! Você está me enlouquecendo com esse suspense! Aconteceu algum acidente? Alguém morreu?

— Não! Aconteceu o seguinte…

Touya respirou fundo e disse de uma vez:

— A senhora Akemi roubou o dinheiro do restaurante e fugiu com o senhor Hideki.

Perplexa, era como Hitome se sentiu. O cérebro passou pela fase de incredulidade, pensando em se expressar com: “Você está brincando?” Ou “Essa piada não tem graça.” Porém, a única coisa que saiu de seus lábios, foi um leve gemido, alertando a chegada das lágrimas. Queria falar algo, pedir para Touya dizer que era mentira. Mas não podia... Ficou pálida, não disse nada, só deixou as lágrimas caírem.

E então, entrou na fase de aceitação.  

Logo veio a sua memória, momentos presenciados e ignorados, onde viu Hideki e sua mãe conversando intimamente no portão de casa. Fragmentos de uma conversa suspeita, onde ouviu Akemi dizer que o dinheiro já estava separado. Naquele instante pensou que fosse para investir no restaurante, quis acreditar nisso. Nunca pensou que fosse para roubar.

Algumas vezes, viu a mãe sair de casa durante a noite e voltar só na manhã seguinte e quando era questionada sobre isso, dizia que tinha ido visitar uma amiga que estava passando por dificuldades. O pior de tudo – o que a deixava realmente irritada consigo mesma – foi ter visto Hideki beijando sua mãe e ao notarem sua presença, Akemi deu um tapa na cara de Hideki fingindo-se de ultrajada. E ela aceitou isso.

Hitome chorava alto, as lágrimas pingavam em seu colo, sentia-se culpada. Por que não tinha se ligado? Queria conseguir dizer alguma coisa, pensar em alguma coisa, só que naquele momento, apenas conseguia chorar.  

Touya não sabia o que fazer, sentia-se impotente ao vê-la daquele jeito, e o escândalo poderia fazer alguém apertar a campainha pra saber o que estava acontecendo. Totalmente perdido, a abraçou forte.

Hitome retribuiu o abraço, o agarrou forte, aquilo de alguma forma a fazia querer chorar ainda mais, por outro lado, se sentia mais segura nos braços dele.

Touya não disse nenhuma palavra, porque sabia que nada iria ajudar, estreitou ainda mais o abraço. A deixaria chorar o quanto precisasse.

—---

Aya se divertia arrumando o quarto de Hitome. Adorava colocar as coisas em ordem, e achou várias coisas interessantes, chegando à conclusão de que tinham gostos muito parecidos. Várias bolsas de mesma marca, sapatos de modelos parecidos. Já algumas roupas pareciam não agradar tanto. Arrumava as coisas devagar, a perna quebrada não ajudava muito na movimentação.

— Menina, o que você está fazendo? Você tem que ficar deitada! - Makoto correu até a Aya. - Nunca arruma o quarto e resolve fazer quando está com a perna quebrada?

— Desculpa. É que ficar o dia todo aqui sem fazer nada me deixa entediada... – encontrou uma justificativa.

Tinha esquecido completamente que não podia ter aqueles deslizes. Devia ter deixado o quarto do jeito que estava.

— Akemi já nos deixou… Não quero que nada aconteça com você, você é muito preciosa pra mim. - Estava preocupado e fragilizado.

Aya suspirou e abraçou Makoto. Decidida que iria fazer algo para ajudar. Só precisava de algum tempo para pensar no que.  

— Não sabia que você ainda tinha esse diário… - Makoto sorriu, ao ver o caderno em cima da cama. - Lembro que você sempre escrevia nesse caderno antes de dormir.  E não deixava ninguém tocar nele!  - sem perceber, sorriu nostálgico.  - Uma vez o Akira o pegou e ameaçou ler... Lembro que você pegou a primeira coisa que viu e jogou na cabeça dele. O coitado desmaiou na hora!

Aya riu, Hitome havia escrito aquele episódio no diário. Ela entendia a garota, afinal, se Akira lesse aquilo, com certeza seria constrangedor para Hitome. Afinal, ninguém quer que seu diário seja lido por outra pessoa.

— Vou fazer o jantar… Já volto! E se comporte! - sorriu.- Nunca achei que fosse falar isso, mas… Nada de arrumar seu quarto!

— Vou ficar quietinha! Prometo!  

Aya observou Makoto sair, deixando a porta aberta. Deitada na cama, como havia decidido a se comportar, resolveu terminar de ler o diário da sósia.

Continua...


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Notas finais do capítulo

E ai pessoas, tudo bem??! Desculpem a demora, mas como dizem, antes tarde do que mais tarde XD~~~
Eu juro para vocês que foi difícil desenvolver o capítulo, eu pensava em como Touya poderia dar essa terrível notícia... E claro, na reação de Hitome... Enfim... espero que tenham gostado!
Até o próximo "episódio". xD

Um beijo e um queijo pra vocês!