O Dragão e o Humano escrita por Okun Oorun


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Bem, espero que pelo menos eu não leve ban. Enjoy.



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Titus Aster tinha o sangue frio assim como toda a linhagem dos Aster que o antecederam, já que sua família era conhecida apenas por terem Índole de dragão e se relacionarem com índoles de alto ranque, o que na maioria eram répteis. Havia apenas uma família de mamíferos dentro de Asgford, a cidade-ouro dos nobres, os Ollut com sua índole de lobo.

Titus era um rapaz que gostava de desconstruir padrões. Não sei, talvez fosse um hobbie, porém quanto mais fosse a ovelha negra da família, melhor. E isso já começava pelo seu nascimento: sua mãe casou com um pardal, a índole mais comum dentre a população e que não se integram no alto ranque.

Havia certa poesia em ser odiado por seus avós e pelos seus tios pelo simples fato de existir. Dava a ele algo como uma liberdade de sabor amargo, daquelas em que você pode fazer tudo, pois já te olham feio do mesmo jeito, fazendo o que querem direito ou não.

Foi num desses ataques de revolução anti-padrões contra os dragões que Titus conheceu Marcus, de índole comum. A família dele não participou dos pactos com os espíritos da floresta, então o garoto devia viver com o fardo de ser... incomum. Pior do que Titus, Marcus não tinha habilidades, não tinha força, não tinha nada.

Só tinha Marcus, o que já era um ponto muito grande para Titus que o amava do jeitinho que ele era, seja de sangue nobre, plebeu ou comum.

Era noite quando se viram pela primeira vez. Estava frio e para um réptil como Titus, a falta de calor podia mata-lo. Desejava ter puxado o lado pardal de seu pai.

Seus movimentos estavam lentos, o pensamento pior ainda e sua pele parecia algum tipo de couro de tão rígida que estava. Os olhos azuis eram apagados conforme a temperatura de seu corpo pálido caia, mas ele não desistiu do que ia fazer.

Ele iria para o circo. Tá, talvez não fosse o ato mais rebelde do mundo para vocês, só que para Marcus era. Sair à noite quebrava todas as regras morais de um réptil, além de ser um risco enorme. Se morresse, sua família sempre seria lembrada por ter um adolescente estúpido o suficiente para ficar no frio.

O funeral seria uma comédia para o público, enquanto para o resto dos Aster um drama trágico — não pela morte de Titus, duvidava, e sim pela vergonha que passariam.

E que se danem.

*

Titus nunca fora num circo antes, já que só abrem pela noite. Aquele era o Ermicus Circus e tinha a fama de trazer os mais exóticos espécimes de índoles no mundo, aqueles que foram mais afetados pelos pactos. Segundo os boatos, uma das apresentações continha uma garota com asas dançando enquanto flutuavam no ar.

Ele queria muito vê-la.

Dentro do picadeiro, as pessoas se amontoavam nas cadeiras da plateia ao redor do picadeiro e aguardavam o show começar. Titus usava uma roupa preta e longa com capuz para que passasse despercebido dentre as dezenas de pessoas conversando afobadas até que as estranhas atrações saíssem por detrás da cortina e divertissem — ou assustassem, no caso — o público.

Dois garotos entraram no picadeiro e caminharam de cabeça baixa até as cortinas e seguraram cada lado dela, prontos para abrirem. A luz diminuiu e um holofote iluminou o centro, deixando um halo de luz prateado no chão. Aos poucos, a conversa toda ia acabando e, quando não se ouvia mais nenhuma palavra, os tambores tocaram.

Titus devia prestar atenção no que quer que tivesse entrado no picadeiro. Talvez tenha sido um homem com tromba de elefante, um bebê com cauda ou até a garota com asas, quem sabe? Ele só via um dos garotos que puxou as cortinas. O desconhecido saiu de fininho, porém Titus ainda pôde ver todos os detalhes de seu rosto: uma mandíbula desenhada, bem máscula; boca rosada e com lábios finos que ficou presa na imaginação de Titus, perdendo-se no pensamento de que tipo de sorriso avassalador ele podia dar e os olhos verde escuro.

Era a pessoa mais linda que ele já viu. Nem Bettie, sua vizinha cobra, era tão bela quanto aquele cara desconhecido.

E foi assim que Titus vira Marcus pela primeira vez, em um circo numa noite fria.

*

As lembranças de como os dois se conheceram eram bem vagas para Titus. Já a do primeiro beijo ainda era bem nítida na sua mente.

Eles se encontraram num dos trailers do circo como já fizeram algumas vezes antes e conversaram sobre coisas banais. Marcus possuía um olhar assustado, como se o súbito interesse de Titus nele ainda fosse uma grande surpresa — ninguém se interessava em sangue comum, a não ser para trabalhos sujos.

— Você não está com frio? — interrompeu Marcus repentinamente o falatório de Titus sobre como a nobreza era bem chata na maioria das vezes.

Titus o olhou com as sobrancelhas erguidas. De fato, estava frio. Era noite e mesmo com o casaco felpudo dele, o garoto sentia o ar gélido tocando seus ossos como os próprios dedos impiedosos da morte.

— É, um pouco.

Marcus sorriu um pouco. A sua boca tão linda se curvando em um sorriso caloroso que já era quase o suficiente para aquecer o corpo de Titus. O outro se aproximou dele e o abraçou pelo peito, repousando sua cabeça em seu ombro.

Titus ficou estático. Não era a primeira vez que se tocavam, contudo, era a primeira vez que Marcus demostrava afeto com o desconhecido que conversava com ele quase todas as noites no trailer desarrumado e abarrotado de tralhas do circo.

— Sabe Titus, eu nunca entendi o motivo disso — Marcus falou. — Tipo, o de você vir aqui. Você é algum psicopata ou algo assim?

Titus riu e olhou para ele. O dragão se ajeitou em seu abraçou e ficou de frente para o outro, ainda dentro de seu aperto quente. Os braços de Marcus seguravam agora sua cintura e Titus entrelaçou os dele no pescoço do outro como naqueles filmes clichês e chatos de romance, bem na cena final em que o casal protagonista se declaram depois que enfrentam o evento comum que tentava separa-los durante o filme inteiro.

— Hmmm, pelo menos eu acho que não sou, não.

Marcus pareceu pensar um pouco.

— E cafetão?

Titus apertou Marcus contra o seu corpo e sentiu o calor de sua pele substituir os dedos da morte pelo seu toque muito bem-vindo.

— Também não — respondeu.

— Então está tudo bem — ele fez uma pausa. — E o que você quer? Um psicólogo? Você sempre vem aqui falar sobre seus problemas.

Titus dessa vez não falou nada. Ele percebeu que sempre ia ali e falava de toda a sua vida para Marcus, porém não dava chance do outro também lhe dizer algo.

— Muito que bem, então me fale dos seus problemas. Estou a ouvidos.

Marcus sorriu um pouco.

— Ah, eu não quero falar disso, na verdade. Eu não quero falar nada e nem quero que você fale. Eu pensei que uma das possibilidades seria essa.

O garoto levou seus lábios aos lábios de Titus, tomando-os num beijo delicado e lento. O réptil derreteu-se no toque morno em sua boca, que logo se abriu para dar passagem a língua do menor. Titus saboreou o gosto adocicado da boca dele, seus lábios e língua se movendo agora com uma ferocidade maior que a do início do beijo.

Eles se separaram após algum tempo para tomar um pouco de ar.

— É, pode-se dizer que talvez esse fosse o motivo — riu Titus sem fôlego.

— Um bom motivo, claramente. Espero que seja contínuo.

Titus roçou a ponta de seu nariz no de Marcus, sentindo o cheiro de sabonete barato em sua pele.

— Interminável — disse.

— E lindo — Marcus completou.


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