Eu vivo sozinho e apaixonado
Não tenho ninguém
Aqui do meu lado
Meu cachorro Venus foi roubado
Fiquei um pouco preocupado

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A sala de estar da casa há muito não recebia visitas. Pra falar a verdade, nunca recebera nenhuma visita.  Vivia só.

O seu viver só nunca a atrapalhara em nada, mas apenas se cansou. Cansou de ser sozinha. Queria companhia. Precisava falar com alguém vivo, não mais com as paredes da casa. Elas eram boas ouvintes, mas não retribuíam seus questionamentos com respostas.

Precisava ouvir vozes verdadeiras, não aquelas que brotavam tarde da noite em sua mente e não a deixavam dormir.

Pegou-se pensando se era alguém normal. Pessoas normais vivem uma vida normal. Conhecem pessoas normais e se relacionam com elas. Riem de forma normal. Comem comidas normais. Apaixonam-se normalmente e vivem de maneira normal o amor.

Mas com ela nunca fora assim, nada pra ela era normal.

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Vou me entorpecer
Bebendo vinho
Eu sigo só
No meu caminho

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Nunca disse que amava alguém. Amar não pode ser normal. Quer dizer em termos médicos, o objeto da sua afeição passa por você, fazendo seu coração descer para o estômago e arrebentar as suas entranhas; e toda a umidade disso faz você suar em profusão. Essa condensação dá um curto circuito no cérebro, fazendo você ficar completamente tonta... e quando o cérebro pifa de vez, sua boca se descontrola e você começa a balbuciar coisas como uma imbecil até ele ir embora.¹

Como isso tudo acima pode ser normal?

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Chove prá caramba aqui no Rio
Penso no Sul
Aquele frio
A TV diz que vai fazer sol
Não sei se é bom ou é pior

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Nunca sequer cogitou isso como uma possibilidade.

Mas o tempo passou para ela. E ela percebeu que, por mais estranho que possa parecer, queria sentir todas essas coisas. Que, por não se achar normal, talvez essa “anormalidade” toda envolvida com sentimentos pudesse ser a “normalidade” que procurou fora do habitual.

Confuso? Talvez. Mas para ela era a única forma de ver o mundo.

Se apenas parasse com esses pensamentos, seria mais simples e consequentemente mais feliz. Mas não conseguia. Queria viver o diferente, pois isso a atraía.

Caminhou pelo corredor até chegar à cozinha. No armário do alto guardava uma garrafa já bem velha. Era assim que gostava da bebida. Romanée–Conti. Iria beber o vinho que custou boa parte das suas economias.

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Vou me entorpecer
Bebendo vinho
Eu sigo só
No meu caminho

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Abriu a gaveta do meio do grande armário e tirou de lá o saca rolhas; da prateleira pegou uma taça. Caminhou de volta até a sala de estar, sentou-se sobre o tapete e serviu-se de uma taça. Saboroso. Sem dúvida, era a melhor bebida do mundo.

Serviu outra, e mais uma. Foi se servindo da bebida indiscriminadamente. Não se importava com o que ia acontecer depois. Não ligava.

Ela dava um passo importante agora e precisava celebrar.

Um passo dentro da normalidade ou um passo rumo à destruição total de um mundo hermeticamente construído?

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A radio toca um velho Rock and Roll
Fico pensando
Aonde estou
Nada satisfaz nessa hora
Se é assim eu vou embora

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Dane-se. Era a hora de celebrar a mudança. Radical ou não, estava decidida. Aquela seria a primeira das várias garrafas que tomaria, mas a última que tomaria acompanhada pelos móveis e paredes de sua casa.

Se tiver que mudar para ser feliz, mudaria. A atitude. Não se conformava antes e agora muito menos, porém só hoje atentou que, se demorasse demais, talvez nunca vivesse o que tinha vontade.

A garrafa esvaziou depressa e a manha chegava ligeira.

Dia da certeza?

Não, só de dúvidas. Mas se não buscasse, nunca encontraria as respostas...

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Vou me entorpecer
Bebendo vinho
Eu sigo só
No meu caminho

Vou me entorpecer
Bebendo vinho
Eu sigo só...