O Mundo que Você não Vê escrita por Carolambola


Capítulo 7
7




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Ouço gritos. Pessoas apressadas passam correndo por mim. A casa está em chamas, e sinto o calor do fogo na pele. Estou correndo também, mas no sentido contrário, pois não consigo encontrar Joseph ou Arthur, nem mesmo as irmãs. Tenho a sensação de que posso morrer a qualquer segundo.

Abro os olhos. Estou sozinha no quarto, deitada na cama que nunca usei. Foi um sonho? Como é possível que eu tenha sonhado se sou incapaz de dormir?

— Bom-dia, Amanda.

É uma voz conhecida, mas não sei quem fala. É uma mulher. O som era doce e fino. Uma voz de criança.

Então lembro de onde conheço a voz. E entro em pânico logo em seguida. Ela estava sentada na poltrona do outro lado do quarto, me encarando. Me encolho na cama, abraçando os joelhos.

— Harriet.

— Olá, Amanda, dormiu bem?

— O que você fez? Eu não posso dormir.

— Eu fiz você dormir, querida. Sabe, amada, eu não gostei muito da nossa despedida da última vez que nos encontramos.

— Isso faz um ano, Harriet.

— Você não sabe o tempo que levou para eu me recuperar daquele seu pequeno show. Não se deve queimar as pessoas, Mandy. — Ela cospe meu nome como se lhe causasse nojo.

— Vá embora, Harriet. Você não tem nada para fazer aqui.

— É aí que você se engana, mon amour. Mas eu já estou de saída, Amanda. Aliás, acho que você deveria dar uma olhada lá fora.

Dizendo isso, ela sai voando pela janela. Saio correndo do quarto para encontrar Joseph ou Lilith ou Arthur ou qualquer um que se importasse.

Quando coloco o pé para fora do cômodo, tenho a sensação de que tudo está se repetindo. Os vampiros correm para todos os lados, agoniados. Lembro da cena de Harriet. Ela me mostrou o que estava acontecendo e o que eu faria. Não era igual, mas quase. Não vejo as chamas mas posso sentir seu calor.

Corro na direção do salão de baile. Abro a porta pesada de madeira para constatar que está vazio; entro e fecho a porta. Joseph me disse que, em caso de ataque, era ali que eu deveria me esconder, e que lá ele me acharia. Não sabia ao certo se teria algum invasor propriamente dito, pessoas do exército de Harriet atacando, mas também não queria sair dali para saber. Ouvia gritos lá em cima, e deduzi que sim, intrusos atacavam em meio às chamas. Me encolhi ainda mais no canto em que me encontrava, esperando por Joseph e rezando para que ele viesse rápido.

Mas sabia que não podia cobrar que ele se apressasse, afinal, ele era o grande mestre, o vampiro mais antigo, líder da Liga, essas coisas. Pensei em como ele era corajoso e em como ele sempre estava lá para mim, sempre disposto a me ajudar ou salvar, por mais que eu tenha salvo ele diversas vezes.

Em um momento pensativo, me lembro das minhas habilidades. Por que diabos eu estava me escondendo de um incêndio? Eu podia apagar as chamas facilmente. O salão tinha uma janela, da qual eu arrebentei as grades, e saí por ali para o exterior da mansão.

Estou prestes a jogar água na casa quando percebo que não há fogo. A mansão está inteira, exceto pelas janelas quebradas. Ainda posso ouvir os gritos lá dentro, mas dou as costas para a construção.

— Boa jogada, Harriet. - grito, porque sei que ela pode me ouvir- muito boa. O que você quer de mim? Apareça, sua infeliz. Mostre-se. Agora!

— Acalme-se, Amanda. Foi só um joguinho para te deixar sozinha. - ela está se aproximando e posso vê-la flutuar – Está ouvindo isso? São seus amigos. Os meus amigos estão fazendo questão que eles sofram, meu bem. Está ouvindo, Amanda? Pois ninguém pode te ouvir. Seu Joseph não vai vir te salvar desta vez.

— O que você quer Harriet? Por que não me deixa em paz?

— Ah, o de sempre, mon amour. Quero que se junte à mim.

— Nem morta.

— Isso não nos deixa muita opção, se é assim. - dizendo isso, ela sorri maliciosamente e já sei que estou ferrada. Sinto meus ossos quebrando e caio no chão. Sinto aquela dor por alguns instantes antes de não sentir mais nada. Sou incapaz de me mexer, e fico deitada, respirando com dificuldade.

— Vamos lá, Amanda. Não é tão ruim. Junte-se a nós, é divertido.

— Não! - grito com o fio de voz que me resta.

— Por favor, Mandy… tudo isso vai passar se você vier.

Eu não aguento mais ficar à deriva daquele jeito, sem poder me mexer. Mas ela teria que me matar antes de eu me juntar àquele bando.

— Já disse que não. Vai ter que me matar, pelo jeito.

— Ah, querida, mas eu não quero te matar.

— Você não tem coragem! - agora estou só provocando, porque quero que ela me mate de uma vez e acabe logo com aquilo – sua covarde! Você sabe que Joseph e toda a Liga virão atrás de você se me matar! Covarde!

— Você não deveria ter dito isso, sua…

— Me mate! - eu não queria morrer, não de verdade. - vamos!

— Pare com esse drama, menina. - a vi hesitar – viu muito filme, né?

— Me mate! - me desculpe, Joseph. - eu quero que isso acabe logo. Aceite, Harriet. Eu nunca vou me juntar a você. Agora, me mate ou deixe-me ir!

— Foi você quem pediu. E vou fazer com minhas próprias mãos, porque gostei de você. Prometo que não vai doer, mon amour…

A vejo se aproximar de mim, sorrindo. Ainda estou “presa”. Fecho os olhos, pensando em toda a minha vida. Meus avós, meus pais. Julie, a escola, Josh. Os vampiros da Liga e da Guarda, sofrendo a poucos metros de mim. Joseph, provavelmente preocupado com a minha ausência. Sinto as mãos de Harriet em meu peito e cabeça. Imagino se ela vai fazer um feitiço ou uma manobra elaborada, ou simplesmente catar um galho e enfiar no meu peito. “Que demora” penso, pois achei que seria rápido, mas não é. Me concentro em lembrar da minha vida, nos troféus de dança e nos prêmios de redação. Lembro de todos os meninos que já beijei e todas as festas que fui durante a minha vida inteira. Lembro das sereias, que ninguém nunca me disse que existiam. E nos unicórnios que nunca vi mas gostaria de ter visto. Minha vida imortal durou muito pouco tempo. Legalmente, eu nem podia beber. Tecnicamente, eu agora tinha dezoito anos, por mais que teria para sempre dezessete. Meu “para sempre” foi bem curto.

Toda a minha filosofia leva um segundo e ainda estou esperando Harriet fazer o seu trabalho, mas parece que tem todo um processo para a realização de tal.

Volto às minhas memórias e recordo da vez que Joseph me levou à Austrália. Foi uma viagem incrível. Um dos nossos objetivos era tirar várias fotos para mandar para meus pais como prova. Levei um monte de roupas e tirei dezenas de fotos no mesmo lugar, apenas as trocando. Também compramos algumas peças por lá. Nadamos nas barreiras de corais e seguramos coalas. Fomos fazer trilha e vimos cangurus. Visitamos todos os pontos turísticos do país. Foi maravilhoso.

Do nada, o peso das mãos de Harriet some. Ainda estou com os olhos fechados quando sinto meus braços e pernas e posso finalmente ficar de pé. Abro os olhos e levanto, procurando pela maldita fada. A encontro caída ao pé de uma árvore, com Hadrian e Verena à sua frente.

— Mandy, entre e procure Joseph. Nós cuidamos desta aqui para você.-Verena diz por cima do ombro. Assinto e me viro, me direcionando à casa. Vejo Aaron Velentin e Petrus correndo para ajudar os outros dois. Entro e procuro por Joseph, aos gritos. Não tenho nem ideia de onde ele possa estar naquela casa imensa. Subo ao último andar e vou descendo até chegar às salas de treinamento. Na última delas, o encontro num canto, sangrando.

— Joseph?!- me aproximo.- o que houve? O que é isso.

Olho mais de perto para seus ferimentos. Ele parece coberto de buracos de bala.

— O que é isso, Joseph? Responde! - sinto o desespero tomar conta de mim. Seguro seu rosto, o forçando a olhar para mim, mas seus olhos insistem em se fechar.- Fala alguma coisa, por favor! Vamos!

— As balas…

— O que tem as balas?

— São balas de madeira com a pílula de Harriet mais veneno de lobisomem.

Sinto meu mundo cair quando ele diz aquelas coisas.

— Um coquetel anti vampiro.- finalmente a ficha cai.

— Isso mesmo. - murmura ele. Tem feridas até em seu rosto. Descruzo seus braços. Não tem uma bala em seu coração, pelo menos. Tiro sua camisa às pressas. Me ajoelho a sua frente e coloco meus dedos em seu rosto, num ato muito nojento, e procuro as balas ali. Cada vez que removo uma, a ferida se fecha, felizmente. Passo para seu peito, seus braços e sua barriga, e sigo por suas pernas, removendo suas calças. Quando finalmente termino de tirar as quase vinte balas de seu corpo, ele parece se sentir um pouco melhor. Ainda não sei o que fazer sobre o veneno de lobisomem, entretanto.

— Tem um pote de antídoto lá – murmura ele, apontando para um armário. Corro até lá e volto com um vidrinho. Ele arruma uma dose e toma. É visível que ele se sente melhor.

— Obrigado, Mandy.

— De nada. Você quase me matou de susto.

— Sinto muito, meu bem.

— Tudo bem, o que importa é que estamos bem.

Beijo seus lábios, um beijo casto de alívio. Ele retribui o beijo, segurando meu pescoço. Ficamos parados ali, nossos lábios simplesmente se encostando, até ouvirmos um barulho alto. Uma coisa escura e grande se aproxima de nós. Nos levantamos juntos, prontos para atacar o que quer que nos atacasse.

— Ah, não – Joseph sussurra. O que quer que fosse, o deixou apavorado.-tenha cuidado, Mandy.

Como se estivesse esperando que Joseph parasse de falar, a criatura atacou assim que ele o fez. A besta soltava fogo pela boca. Então aí que estavam as chamas.

Aquilo que identifiquei como um demônio tenta nos queimar. Faço um “escudo de vento” que faz com que o fogo volte para ele. O bicho fica confuso por alguns momentos. Aproveitando isso, Joseph e eu corremos, um para cada lado. Torço que o demônio se vire para mim. Era só um pouco maior que Joseph, nada que eu não pudesse lidar. Mas ele se vira para o meu companheiro. Eles começam uma interessante luta de espadas, tiradas das paredes da sala. É uma luta violenta. O demônio finalmente encurrala Joseph, que derruba a espada. A criatura abre a boca e eu sei que vai matar o outro queimado. Daí, em um momento de iluminação, atiro um monte de água no bicho, que cai de quatro no chão. Agora ele parece um homem normal. Ele corre para o canto oposto da sala e eu vou de encontro a Joseph, o abraçando. Me afasto um pouco, para ver se o homem-demônio ainda vivia no seu canto. Deduzi que não, porque ele estava parado, imóvel.

Dou as costas para ele e retomo meu caminho até Joseph quando o ouço gritar.

— Mandy, atrás de você!

Não entendo o que ele quer dizer até sentir algo sendo cravado nas minhas costas, na altura do peito. Sinto o gosto de sangue invadir minha boca enquanto caio de joelhos. Meus olhos estão colados nos de Joseph, por isso vejo quando ele pula por cima de mim para matar aquela coisa. É a última coisa que sinto antes de mergulhar na inconsciência.


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Notas finais do capítulo

Tenso... Comentem!



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