O Garoto da Calça Rasgada escrita por Biax


Capítulo 8
Capitulo 8




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Assim que terminei com as louças, coloquei uma porção de ração para Dragon e Nathaniel e eu levamos nossos materiais para a mesinha de centro da sala. Também aproveitei para pegar meu notebook para fazermos algumas pesquisas.

Enquanto copiávamos alguns trechos de um site, observei Nathaniel. As pequenas manchinhas roxas em seu rosto estavam mais claras, porém, o olho ainda estava escuro. Talvez até mais do que ontem.

— O que foi? — perguntou ele sem tirar os olhos de sua folha. — Tá distraído de novo?

Meu coração acelerou por ele ter percebido.

— Um pouco.

— O que foi dessa vez? — Ele me olhou.

Desviei o olhar, sentindo as bochechas quentes. Eu não estava apenas preocupado com ele, não podia negar que também estava o admirando. Ele era tão bonito, mesmo com os machucados.

— Deixa quieto. — Voltei a escrever, sabendo que ele provavelmente voltaria a ficar com raiva, caso eu tocasse no assunto de novo.

— Fala.

— Não, você vai ficar bravo.

Nathaniel ficou em silêncio e, quando o olhei, notei que ele parecia considerar algo.

— Não vou, prometo. — Me encarou de uma forma mais firme. — Pode falar.

Fiquei um tempo observando seu rosto sem perceber. Corei mais uma vez e voltei a copiar o texto, tentando parecer descontraído.

— Eu só queria saber o que você vai fazer quando voltar pra casa.

Ele ainda estava me encarando, e eu não quis olhá-lo, mesmo que a resposta estivesse demorando a sair.

— Nada. Vou voltar e fingir que nada aconteceu.

— Mas... — protestei.

— Castiel, eu não tenho o que fazer.

— Eu não sei o que você fez, mas seu pai passou dos limites... Você não acha que deveria ir procurar a polícia ou sei lá?

— Não... — cochichou, olhando para sua folha. — É ele quem sustenta a casa... Se ele fosse preso, minha mãe e minha irmã ficariam desoladas.

— Você tem irmã? — perguntei, surpreso.

— Sim, é minha gêmea, e ela é um porre.

— Gêmea? Uau...

— Não temos nada de iguais. Ela é um saco e é totalmente mimada por meus pais.

— Ela é a preferida?

— Com certeza. — Deu uma risada, sem humor.

— Mas...

— Olha, vamos terminar logo isso, tá?

Ele parecia querer encerrar o assunto. Foi uma surpresa ele ter falado tanto, e eu me senti satisfeito com aquilo.

Paramos para comer no almoço. Fizemos lições de outras matérias durante a tarde e eu percebi que Nathaniel tinha matéria escritas em seu caderno, e mais uma vez me perguntei o porquê de ele tirar notas baixas. Não deixei que minhas dúvidas viessem à tona.

Como Nathaniel não falou nada sobre ir embora ou mesmo de continuar ali, presumi que ele preferia ficar longe de casa o máximo que conseguisse. Preparei um jantar, querendo deixá-lo mais à vontade e tentando criar um ambiente aconchegante, onde ele se sentisse bem. Jantamos, ele se voluntariou para cuidar das louças e passamos o restante da noite jogando videogame.

Tomei banho depois de Nathaniel, e arrumei minha cama, que estava bagunçada. Dragon foi o primeiro a deitar, seguido do nosso visitante, com um sorriso divertido no rosto.

— Acho que ele gosta de mim — falou, fazendo carinho no cão.

— Se ele não gostasse, já teria arrancado sua mão.

— É sério? — Nathaniel arregalou os olhos de forma exagerada.

— Claro que não. — Dei risada, me sentando na cama e encostando na cabeceira. — Ele só tem tamanho.

Nathaniel apoiou a cabeça na mão e me observo, soltando um suspiro.

— Eu sei que fui um idiota... Peço desculpas por isso.

— Por que tá se desculpando agora?

— Por que você tá me ajudando, e eu fui um idiota falando daquele jeito com você — disse calmamente. — É que eu não tô acostumado a ter alguém se preocupando comigo.

— E quem disse que eu me preocupo com você? — retruquei.

— Ah, foi mal. — Ele riu. — Me precipitei.

Acabei sorrindo, e tentando ser rápido, peguei meu travesseiro e joguei nele. Por pouco não acertei, já que ele foi mais rápido e se defendeu com o braço.

— Ei, que isso! — Ele riu mais, jogando o travesseiro de volta.

— Claro que eu me preocupo, somos amigos... — soltei, sem pensar, me arrependendo de imediato, já que não sabia se Nathaniel também pensava daquela forma.

— É, eu sei — falou, abrindo um sorriso gentil. — Obrigado.

Concordei, ainda sem graça, e ele voltou a se deitar. Aproveitei a deixa e fui apagar a luz, me sentindo mais feliz por saber que ele também me considerava seu amigo. Voltei para a cama e fechei os olhos, pronto para dormir.

Enquanto caía na inconsciência, senti algo mexer no meu pé esquerdo.

— Ei, tá dormindo já? — Escutei uma voz perguntar, bem baixinho.

— Uhum — murmurei

Senti a cama mexendo.

— Tá mesmo?

A voz estava ao meu lado, próximo ao meu ouvido, e abri os olhos, alerta. Nathaniel estava ali, me encarando. Seu rosto estava sendo iluminado pela pouca luz que vinha da janela acima de nossas cabeças.

— O que foi? — perguntei, apesar de que com sono, envergonhado por ele estar tão próximo.

— É sério... Eu sou muito grato pela sua ajuda.

— Eu sei, você já agradeceu. — Virei, voltando a fechar os olhos.

— Sim... Então... acho que posso te contar uma coisa.

— O quê?

— Uma vez você perguntou por que eu tinha que fazer recuperação de todas as matérias. Lembra? — Sussurrei um “sim”. — Eu tenho que fazer porque tiro notas ruins nas aulas normais.

— Nossa, jura? — ironizei, cada vez mais sonolento. — Nem imaginaria que era por isso.

— Deixa eu terminar — repreendeu. — E eu tiro notas baixas pra irritar meu pai.

— Você prejudica seu futuro só pra irritar seu pai — falei com sarcasmo.

Ele ficou quieto por um tempo.

— Ele sempre quis que eu fosse perfeito. Sempre quis que eu tirasse as notas mais altas da escola. E eu tentei ser perfeito. — Sua voz falhou na última parte.

Eu despertei mais uma vez e o encarei. Ele estava de olhos fechados.

— Tentei com todas as minhas forças, só pra agradar ele, mas nunca era o suficiente... Minha irmã e eu estudávamos na mesma escola particular. Uma escola idiota de alto padrão. Ele queria que eu entrasse para o grêmio estudantil, e eu entrei. Estudava em horário normal de aulas e depois delas, e ainda cuidava do grêmio. Ele sempre foi duro comigo. Dizia que eu tinha que ser um homem responsável, então me obrigava a fazer tudo certo.

Eu não queria me mexer, com medo de que ele parasse de falar, então fiquei o mais imóvel possível.

— Ele nunca tinha me batido. Ele só gritava quando estava bravo... Um dia, eu surtei, explodi de tanta pressão. Foi a primeira vez que ele me bateu. Foi um tapa na cara, seguido de xingamentos e berros... O tapa foi forte, mas o ódio que eu senti foi maior... E minha mãe viu e ficou quieta. Aquilo me doeu ainda mais.

Nathaniel abriu os olhos, voltando a me encarar, apesar de parecer estar com a mente bem longe dali.

— Depois desse dia, eu não tinha mais vontade de estudar. Saí do grêmio, comecei a faltar nas aulas... E fui expulso da escola. Mais uma vez, ele me bateu. Mais forte, em mais lugares. Ele me matriculou na escola onde estamos. Disse que se eu queria tanto ser vagabundo, não precisava ficar matriculado em escolas boas.

— Mas por que ele queria que você fosse perfeito? — perguntei, sussurrando.

— Quem sabe? — Nathaniel soltou um bocejo, deitando a cabeça ao meu lado. — Sempre foi assim. Minhas primeiras lembranças são quase sempre dele me repreendendo por algo que fiz “errado”. Algo que alguém da nossa classe nunca faria.

— Você precisa denunciar seu pai.

— Não. Posso não ser o integrante mais querido da família, mas não quero que minha mãe e minha irmã fiquem perdidas.

— E você? Você tem que pensar em si mesmo.

— Eu me viro, como sempre... — Voltou a fechar os olhos. — Eu tô melhor, agora... — cochichou, caindo no sono.

Com aquilo, compreendi melhor. Aquela atitude toda era apenas uma aversão às atitudes que seu pai esperava dele. Ele tentou com todas as suas forças ser bom em tudo, mas era completamente infeliz já que nunca era o suficiente...

Me senti mal por ele, por todo o seu esforço, suas expectativas, tudo o que ele começou a ser apenas por raiva e mágoa. Eu queria tanto achar um jeito de ajudá-lo, mas ele se recusava e denunciar aquele monstro apenas para não deixar sua família desamparada, por mais que nem sua mãe o defenda.

Nathaniel respirava tranquilamente com os lábios entreabertos. Sereno daquele jeito, mal parecia que ele estava sofrendo há tanto tempo.

Descansei a mão em seu rosto, deslizando o dedão por sua bochecha. Passei pelo hematoma de sua olheira, pelo nariz e boca, tocando a linha vermelha-escura do corte. Seus lábios eram macios ao toque, assim como o restante de seu rosto.

Infelizmente eu não podia fazer nada a não ser dar meu apoio.

Me aproximei e, sem pensar, depositei um beijo não muito demorado sobre o machucado, e voltei a me deitar, fechando os olhos, apenas desejando que a vida de Nathaniel melhorasse, pelo menos um pouco.


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Notas finais do capítulo

:3 Parece que nosso rebeldinho está se abrindo! Ouvi um amém? -qq

Obrigada por estarem aqui! Até o próximo! ♥



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