Infinite escrita por Skye Miller


Capítulo 3
Quão próxima da tristeza eu posso estar?


Notas iniciais do capítulo

Hello Boys and Girls! Muito obrigado ás pessoas que comentaram no capitulo passado (Anna, Angel, Miller e Gabriela) vocês não imaginam o quão grata eu sou por terem dado o ar da graça, hahahaha!
Bom anjinhos, eu estou tentando arrastar os leitores de cph pra cá, tá sendo meio dificil, mas nada é impossivel, certo? certo!
E, como muitas pessoas tem pedido ultimamente, vou continuar in my veins!!!!! Mas é o seguinte: Terça descobri que passei na facul, vou cursar história, e começa segunda feira, então tenham paciência! Vou ter tempo para escrever só finais de semana, apesar de in my veins estar concluída, quero mudar muita coisa.
Bom, é isso, espero que gostem do capitulo!



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Manhã de Terça. Minha casa, segundo cômodo, cozinha, onde meu pai está parado na porta encarando mamãe tentar fracassadamente fazer algo comestível sem chorar. 

— Sarah, você não acha que deveria descansar? – Meu pai pergunta pela terceira vez a mesma coisa para a minha mãe, e como nas três vezes anteriores, ela não responde. Não faço nada além de colocar a cabeça no balcão e encará-los. – Tenho certeza que Vivi e eu estamos bastante satisfeitos com o molho.

Minha consciência diz que eu deveria estar ajudando meu pai a convencer a minha mãe parar de cozinhar, mas eu prefiro que ele continue fazendo isso sozinho por dois motivos: 1) Mamãe usa a cozinha para se distrair, e nesse momento isso é o que ela mais precisa 2) É a primeira vez em meses que meus pais tem um diálogo que seja mais do que sete palavras, e eu estou tentando aproveitar ao máximo isso por mim, e em parte por Juliet também.

Desde que Juliet morreu, sete dias atrás, tenho comido carne ao molho madeira todos os dias. Há comida suficiente na geladeira que possa simplesmente ser esquentada e que dê para minha mãe e eu nos alimentarmos por quase um mês, mas ela prefere gastar quase duas horas na frente de um fogão á ter que fazer algo rápido e pratico. Isso acontece porque ela simplesmente não quer pensar no que aconteceu, enquanto eu fujo para debaixo da cama como uma garotinha, ela foge para a cozinha como uma dona de casa, coisa que ela nunca foi.

Fazem poucas horas desde que a missa terminou. Ao contrário da quantidade de pessoas que foram para o enterro, hoje apareceu um numero três vezes menor. Você não é mais tão popular assim, Juliet. – Penso. Isso soaria maldoso se eu deixasse as palavras escapulirem da minha boca, mas na minha consciência, é como se eu estivesse colocando minha irmã á par das coisas que acontecem.

Estou tão distraída que não vejo quando meu pai toca no ombro da minha mãe, tentando fazê-la parar. O que ele não sabe é que, desde que foi embora, mamãe criou uma espécie de autodefesa ao cozinhar. O que ele não sabe é que ela odeia ser interrompida, odeia que toquem nela sem permissão, odeia que alguém lhe diga o que deve fazer ou não e meio que o odeia um pouco também.

Levanto-me e vou para o seu lado, desligo o fogo e tampo a panela. Demora cinco segundos até que minha mãe relaxa os ombros e solta um suspiro como se dissesse: “Desisto”. Eu me aproximo e abraço-a de lado. Meu pai nos encara, como se estivesse se perguntando se deveria fazer o mesmo, mas eu balanço a cabeça em negativa, pois se ele fizesse algo assim a situação ficaria ainda mais complicada.

— Estou tão cansada. – Sua voz treme e ela soluça antes de começar a falar novamente. – Ás vezes, eu acho que tudo isso não é real. Eu queria tanto que não fosse real. Sinto tanta falta dela, Vivi, tanta.

— Nós também, mamãe. – Eu a abraço e inspiro com força, exalando seu perfume de flores silvestres. Minha mãe é bem mais baixa que eu, de modo que sua cabeça se posiciona na minha clavícula e suas lagrimas deixam um rastro grosseiro sobre o decote da minha blusa. – Tem certeza que não quer que eu fique?

Ela balança a cabeça duas vezes em concordância. Queria tanto que ela tivesse negado, queria tanto que ela estivesse me obrigando a ficar em casa.

Desde que meus pais se separaram, seis anos atrás, eu tento não pensar muito sobre o que fazer no final de semana. O Juiz decidiu que nossa guarda ficaria com minha mãe, mas éramos livres de ir para a casa do meu pai. Depois de muita discussão, eles entraram em um consenso de que em todos os finais de semana Juliet e eu deveríamos ir para a casa do meu pai, onde ele e Natalie, minha madrasta, vivem uma vida toleravelmente perfeita. Mas eu quase nunca ia, sempre forcei Juliet a ir sozinha, sempre inventava desculpas, doenças e coisas do tipo. Eu não conseguia ficar na companhia do meu pai por muito tempo sem surtar.

Na noite em que o assunto divórcio veio a tona, Juliet e eu fomos até o porão e nos sentamos de frente para uma TV velha que havíamos encontrado na rua e arrastado até lá. Apesar do calor, estávamos de mãos dadas. Enquanto Juliet chorava e soluçava, eu estava firmemente calma, sem nem sequer alterar minha respiração. Eu tinha tanta inveja de Juliet ser tão intensa e conseguir pôr para fora os sentimentos que lhe afligiam. Então ela apertou meus dedos com tanta força que eu tentei puxá-los, mas seu aperto era tão firme que minha mão continuou imóvel. Juliet olhou no fundo dos meus olhos e disse:

— Nunca vamos nos separar.

— Nunca?

— Jamais, nós somos uma família, não é?  Você e eu? E em uma família ninguém abandona ninguém, ninguém esquece ninguém.

Até que, no seu aniversário de quinze anos, Juliet simplesmente disse que iria morar com o nosso pai. Claro que eu não reagi bem á isto, afinal de contas, éramos as irmãs Singer, estaríamos sempre juntas. Eu tentei fazer a situação toda mudar, tentei convencê-la a ficar, mas Juliet estava decidida. Foi a segunda vez que tive meu coração destroçado pela pessoa que mais amava.

Agora que Juliet se foi, não tenho mais para onde correr. Agora, todos os fins de semana, vou comer comida vegetariana, andar pelo bairro chique em que eles moram com pessoas chiques fingindo que eu sou chique enquanto levo Florck, o cachorro chique de Natalie, para correr, nunca fazer nada produtivo além de assistir séries e ler livros pelo e-reader. Finais de semana perfeitos, não é mesmo? Não. Não quando tenho que fingir que tudo está bem, não quando tenho que continuar tentando seguir com a minha vida, não com Kiersten morando no final da rua e meu pai agindo como se isso não fosse nada demais.

Se Natalie e minha mãe soubessem... Tudo seria tão diferente.

Mas tudo realmente seria tão diferente, se eu nunca soubesse de nada.

—.-.-.-

Os verdadeiros motivos para eu não gostar de Mindy são bem fúteis. Quando tínhamos oito anos, Juliet e eu fomos para uma excursão na África com os meus pais. Lembro que, de inicio, odiei as condições climáticas e as paisagens rústicas, mas quando o guia nos levou para conhecer os animais em exposição, tudo mudou.  O primeiro bicho que vi, foi um crocodilo em seu momento de lazer exposto á um banho de sol. Lembro que soltei um grito, toda eufórica, e fiquei apontando para ele igual uma retardada. O guia parou no meio do caminho e nos mostrou e falou sobre cada um deles. Havia uma faixa de segurança que avisava o limite que uma pessoa poderia ir, e também havia uma grade de quase dois metros de altura.

Até aquele momento, eu estava apenas curtindo toda a situação e tirando fotos sem parar, além de correr de um lado para o outro apontando animada para cada animal que eu via. Então Juliet parou em frente á uma grifara, ela estava além da faixa de segurança e tinha um olhar determinado. Fiquei encarando-a, até que ela se virou para mim com um sorriso idiota e disse:

— Duvido você ir até a grade.

— Duvido você ir.

— Eu duvidei primeiro.

— E daí? Eu não vou.

— Medrosa.

— Cala a boca!

— Vivi medrosa, Vivi medrosa... – Ela começou a cantarolar com uma sobrancelha erguida. Eu ficava tão irritada quando alguém me caçoava que não percebi que Juliet é quem estava com medo, que suas mãos tremiam e seus olhos estavam arregalados. – Vivi, tenho certeza que a Mindy não vai matar você.

Juliet tinha a mania de nomear qualquer tipo de animal que ela visse, então não estranhei e avancei a faixa. Ficamos lado a lado. Lembro-me que eu estava me cagando de medo, mas mesmo assim fui até a grade e toquei no ferro, só para me fazer de durona. Virei para Juliet com um sorriso, e ela sorria também, mas aí seu sorriso murchou e ela soltou um grito, em seguida, eu soltei um grito, pois a tal girafa simplesmente decidiu que o meu cabelo era, além de comestível, gostoso.

Lembro que chorei, chorei por quase dois dias inteiros. Lembro que tive que cortar o cabelo igual ao de um garoto, curtíssimo e todo torto. Lembro que fiquei quase um mês sem falar com Juliet, tão receosa, com tanto ódio.  E lembro que, quando papai deu á ela essa girafa de pelúcia, eu tentei fazer com que ela fosse parar na pilha de brinquedos-que-ninguém-brinca, mas Juliet dormia abraçada nela como se fosse a coisa mais importante da sua vida.

Se alguém me perguntasse porque estou levando Mindy comigo para a casa do meu pai, eu não saberia responder. Mas, para ser sincera, talvez eu esteja fazendo isso para sentir que tenho Juliet comigo. Seus pelos já estão amarelados por causa do tempo e um dos olhos está quase para saltar para fora, mas ainda assim tem certa beleza nesse troço.

— Como vai a escola? – Meu pai tenta casualmente puxar assunto. Estou incomodada com o sinto de segurança, pois ele me aperta com uma força desnecessária sobre o banco e me deixa sufocada. – Tem conseguido ter algum foco nos estudos depois de... depois de... você sabe.

— Estou de recesso. – Respondo. Ele deveria saber disso, já que Natalie é a auxiliadora pedagógica no turno da tarde na minha escola. Mas é claro que ele não sabe, pois Natalie é o tipo de mulher independente que não deve satisfação para o marido. – E se isso conta como foco, terminei de ler um livro para o trabalho de literatura que estava pendente. – Minto, não tem trabalho nenhum, mas meu pai não precisa saber disso.

— Isso é ótimo, Vivi, de verdade. – Ele desvia o olhar da estrada e olha para mim com um meio sorriso. Esforço-me a dar um meio sorriso também. Queria que Juliet estivesse aqui, pois ela me ajudaria a fingir. O que Juliet faria se estivesse no meu lugar? – Sabe, Natalie disse que se você precisar de alguma ajuda, conselho e qualquer coisa do tipo, pode contar com ela.

Isso seria um horror, um fracasso total, pois esse é o problema: Eu não quero ajuda, eu não quero conselho, não quero desabafar. Estou acumulando tudo isso dentro de mim há anos, não só a morte de Juliet. Não estou pronta para vomitar tudo isto de uma única vez.

— E suas amigas? Mayra e Andy, né?

— Mayune e Anne, pai. – Corrijo. Não quero falar sobre elas agora. Não quero falar sobre o fato de que as duas viajaram juntas para Califórnia durante o recesso e não se importam com o fato de que eu fiquei para trás. Não quero falar sobre elas só entrarem em contato comigo sobre Juliet três dias depois da sua morte. Não quero comentar sobre o quão desanimada estou em relação ás minhas amizades. Tento continuar lembrando a mim mesma de responder como Juliet responderia: – Elas estão viajando. Voltam próxima semana, volta ás aulas e tudo mais.

Eu suspiro aliviada quando adentramos o bairro chique, de pessoas chiques, com casas chiques. Nós passamos na frente da casa de Kiersten, e minha cabeça faz um movimento de setenta e cinco graus, literalmente, para não perder a casa de vista. Há um carro estacionado e Kiersten fala com alguém que está na porta enquanto leva sacolas para dentro.

Por fim, já estamos longe demais para que eu possa vê-la. Meu pai para em frente a sua casa e me encara. Espero, pacientemente, que fale algo, que ele olhe para a casa de Kiersten como eu olhei, que ele me repreenda. Se eu estivesse agindo como Juliet agiria, nada disso estaria acontecendo. Se eu estivesse agindo como Juliet, neste momento já estaríamos dentro de casa ouvindo Natalie falar sobre o quanto carne de porco faz mal á saúde.

Mas eu não estou agindo como Juliet, pelo menos não agora. Eu estou sendo simplesmente eu, por isto estou encarando meu pai com aquele ar acusatório todas as vezes que ficamos sozinhos por muito tempo.

Ele não faz nada além de sair do carro, então eu sou obrigada á fazer o mesmo. Isso vem acontecendo desde O Dia Horroroso, em que todo o nosso relacionamento de pai e filha mudou. Tento não pensar em nada disso enquanto entro na casa estilo colonial que Natalie tanto preza em manter conservada. Somente a entrada é como se fosse a sala e a cozinha da minha casa sem nenhuma coluna de separação, e isso é outro motivo para minha mão meio que odiar meu pai, o fato de que, quando eles estavam juntos, ela queria uma casa grande e espaçosa, por sermos quatro pessoas. Ele sempre dizia que não precisávamos de tamanha mordomia.

Agora, que mora ele e apenas sua nova mulher em uma casa tão grande, minha mãe não cansa de difamá-lo pelas costas. No inicio de tudo, ela parecia não fazer tamanha questão, mas Kiersten sempre ficava ressaltando de que era a melhor casa do condomínio e que era um exagero para apenas duas pessoas. Aí, mamãe começou a encher o nosso saco por quase três meses.

— Isso tudo é ciúmes. – Era o que Juliet dizia, com um sorriso maldoso.

Natalie me abraça por tempo e com força demais. Ela é totalmente ao contrário da minha mãe. É alta, ruiva, está sempre maquiada, está sempre sorrindo, está sempre com vestidos de grifes em um salto de quinze centímetros, tem a pele macia que parece porcelana e os olhos claros. Ás vezes, sinto que Natalie é apenas alguns anos mais velha que eu e não doze. Ela é quinze anos mais nova que o meu pai. Mamãe costuma fazer uma piadinha sem graça: “Quando aquela cabelo-de-salsicha ainda usava fraldas, seu pai e eu já estávamos começando nosso ciclo reprodutivo.”

— Adorei as novas mechas! – Natalie diz empolgada e eu dou um sorriso sem graça. Não gosto de pintar meu cabelo, mas estava vasculhando o quarto de mamãe á procura de uma roupa para o enterro quando encontrei uma caixa de tinta de cabelo azul na estante. Juliet havia pintado desta cor no inicio do verão, de modo que, quando morreu, a cor já havia desaparecido por completo. Quando me olhei no espelho, eu estava idêntica á ela e isso me deixou satisfeita. É bom fingir ser Juliet, mesmo que em segredo. – Como você está se sentindo, Vivi? Você estava tão reclusa em seu próprio mundo na missa hoje que decidi não me aproximar, mas sabe que pode contar comigo para qualquer coisa, não sabe? Posso usar minhas especialidades de psicóloga em você caso queira.

Cenas de Natalie e eu conversando abertamente sobre qualquer coisa me trazem um certo desconforto, então nego com a cabeça e sorrio mais uma vez, depois digo que estou bem e vou para o quarto de hospedes, o quarto que Juliet e eu sempre ficamos.

Nada mudou, nenhum móvel, nenhuma posição de objetos. A última vez que vim aqui, foi há três meses atrás, pois tive que subornar Juliet a me encobrir durante doze finais de semana inteiros. Coloco minha bolsa no chão e deito na cama. Fecho os olhos. Se eu inspirar com bastante força, consigo sentir o cheiro do shampoo de camomila que Juliet costumava usar entranhado na fronha do travesseiro. E isso é bom, pois isso faz-me lembrar dela, do seu sorriso e do quão maravilhosa ela era.

Uma das coisas que mais senti falta quando Juliet começou a mudar foi de dividir o quarto com ela. Para algumas pessoas é algo simplesmente maravilhoso ter um quarto só para si, mas comigo a situação era completamente diferente. Eu havia crescido dividindo um beliche amarelo cheio de estrelas azuladas com Juliet, dividindo o mesmo espaço, as mesmas roupas, os mesmos produtos de beleza e higiene e, ás vezes, até a mesma cama. Foi doloroso ouvi-la dizer que queria um quarto só para si, que estávamos grandes demais – ela tinha apenas quatorze, e eu doze – para continuarmos daquela forma. Foi doloroso vê-la pegar o pôster do The Smith que tínhamos e simplesmente dividi-lo em dois, como se não fosse nada demais.

Eu reagi como se estivesse tudo bem, como se estivesse concordando com isto. Mas, assim que chegou a noite, chorei. Parecia que eu havia feito alguma coisa para que aquilo tivesse acontecido, sentia que a culpa era somente minha, pois acreditava que não havia absolutamente nada de errado com Juliet.

Juliet não era só uma menina bonita, cheia de amigos e com status social. Ela era simplesmente incrível. Aonde quer que chegasse, conseguia cativar as pessoas. Eu só conseguia ter esse tipo de proeza quando usava todas as técnicas que aprendi ao observar Juliet interagindo, e nem sempre era com perfeição. Agora, percebo que posso sim me aperfeiçoar á Juliet. Talvez, tentar ser como ela, faça com que eu nunca esqueça como ela era.

Eu só não espero esquecer como eu realmente sou.

Mas, afinal... Quem eu realmente sou?

—.-.-.-

No dia seguinte, logo após comer um pão integral que Natalie mesmo fez e beber cevada com leite, saio para correr com Florck. É sábado de manhã, o que significa que poucas pessoas estão na rua. Meu pai e Natalie foram para a igreja, já que a religião de Natalie guarda o sábado ao invés do domingo, e como eu nunca fui de nenhum tipo de denominação, optei por ficar em casa.

Acontece que Florck logo começou a se animar assim que seus donos saíram de casa. Ficou se esfregando em minha panturrilha até que eu finalmente decidisse colocar uma coleira em seu pescoço e o levasse para passear. Por esse motivo, estou correndo a toda velocidade tentando ficar o máximo possível ao seu lado, pois ele é um pastor alemão enorme que acha divertido correr em disparada.

— Cachorro mau. – Digo ofegante puxando sua coleira para que ele corra mais devagar, porém, isso faz com que ele fique ainda mais afoito. – Você não era assim, Florck, não mesmo. O que há de errado? Cachorro mau, muito mau.

Nós continuamos nesse mesmo ritmo e damos uma volta inteira no quarteirão. Vou o caminho inteiro conversando com Florck. Isso não é algo que Juliet faria, pois ela acha idiotice conversar com animais como se eles fossem bebezinhos, mas eu gosto, eu acho fofo, e no momento não estou sendo Juliet, estou sendo eu mesma.

Eu começo a arrastar minhas pernas por estar muito cansada e Florck acaba sendo um bom garoto – ou seria cachorro? Enfim – e fica balançando o rabo de um lado para o outro com uma língua de fora. Continuo conversando com ele, quase sem voz. Ainda faltam mais de nove enormes casas até que chegamos á casa do meu pai. Eu me esforço á olhar para frente, tanto por estar sem minhas lentes – Juliet não usava lentes, ela usava óculos. Mas não faço a mínima idéia de onde ela colocou-o. – quanto por causa do cansaço e minha falta de ar repentina por ter corrido rápido demais.

Eu paro, coloco as mãos no joelho, baixo a cabeça e expiro o ar com força. Quando finalmente me recomponho, vejo um garoto caminhando na mesma via que a minha. Ajo naturalmente, voltando a puxar Florck pela coleira. Ele passa por uma senhora e troca algumas palavras. Estou curiosa, pois acho que nunca o vi aqui. Ele está balançando a cabeça em concordância para algo que a senhora disse e ele faz movimentos exagerados com as mãos quando começa a falar. Seu cabelo é claro como o sol e bem aparado. Só percebo que estou encarando-o por tempo demais quando ele para de conversar com a senhora e olha para mim.

Desvio o olhar e começo a atravessar a rua calmamente, com o rosto ardendo em chamas por ter sido pega no flagra. Quando dou uma rápida espiada, o garoto ainda está com os olhos fixos em algo: em mim.

Então percebo que o garoto está literalmente vindo em minha direção, e ao invés de agir naturalmente, fico aturdida. Florck põe a língua para fora e abana o rabo quando ele se ajoelha ao seu lado e faz carinho no seu focinho.

— Oi. – Ele está sorrindo para mim, com todos os dentes superbrancos e retos. Seus olhos são de um castanho que preenche toda a pupila e tem pequeninas pintas verdes. – Você tem algum parentesco com Juliet Singer?

— Sim. – Eu o interrompo e no mesmo instante sinto um gosto estranho na boca. Ele percebe que sou parecida com Juliet, o que é algo muito constrangedor e incrível ao mesmo tempo. O garoto franze a testa, como se estivesse confuso, então explico: – Sou a Vivi, ela era minha irmã.

Eu sempre me apresento como Vivi, e quando as pessoas perguntam qual meu verdadeiro nome, digo que Vivi vale como um, então a maioria acha que é Vivian. Acontece que eu odeio meu nome; então é coerente que eu não o diga a ninguém, a menos que seja absolutamente necessário, o que nunca é.

— Ela não me disse que tinha uma irmã. – Ainda está olhando-me intensamente e isso faz com que eu seja obrigada a olhar para qualquer coisa que não seja ele. – E nem que era tão parecida com ela.

— Talvez não tenha surgido a oportunidade. – Estou nervosa, pois está quase na hora do culto de sábado terminar, o que significa que meu pai e Natalie chegarão em breve e ficarão pirados por eu estar á esse horário do lado de fora com Flock e sem protetor solar. – Ou não fosse algo tão importante assim.

— Com certeza é. – Ele faz um ultimo carinho em Flock, então põe-se de pé com e pergunta: - Muitas pessoas foram á missa ontem?

É então que eu percebo que ele, seja lá quem for, sabe exatamente o que aconteceu. E isto me incomoda, apesar de a cidade inteira sabe do ocorrido. Acho que dá para ver pela minha expressão que ele não deveria ter perguntando isso á mim, pois estou começando a ofegar. Não posso ter um ataque de pânico na frente desse cara.

— O suficiente. – Sussurro. Ele fica confuso, aperto a coleira de Flock com força e dou um passo a frente. – Preciso ir para casa.

— Desculpe. – Ele não está mais sorrindo. Ele está com a mesma expressão que a minha: dor. Ele abre a boca algumas vezes, desvia o olhar e faz um barulhinho estranho com a garganta. Eu o reconheço como um dos outros diversos rostos no enterro. – Fui insensível

Assinto a cabeça e sem nem ao menos me despedir, saio andando. Quando olho para trás, vejo que ele está poucos passos de mim. Ele pergunta se estou bem e eu digo que sim. Pergunta se estou precisando de algo e eu nego. Pergunta se preciso de ajuda para limpar Flock antes de entrar em casa e eu dispenso. Por fim, ele diz que era bem próximo de Juliet, que eles haviam tido uma discussão no natal, que não entende como isto pode ter acontecido justamente com ela. Eu assinto, sem prestar atenção, e mais uma vez ele diz que sente muito.

Eu também sinto.

— Meu nome é Colin. – Ele diz quando paramos em frente á casa do meu pai. Ele não tem cara de Colin, mas não digo isso. Apenas aperto a mão que está estendida em minha direção. – Moro no final da rua. Se precisar de alguma coisa...

— Tudo bem, Colin.

Dou as costas á ele e entro em casa. Não limpo Flock. Não limpo-me. Não bebo água. Apenas subo as escadas rapidamente e me jogo debaixo da cama. As molas aqui são vermelhas, enquanto as minhas são pretas. Elas são em formas de espirais e parecem não ter fim. Eu inspiro com força, fechando os olhos e tentando contar até o infinito, mas nunca consigo terminar, porque obviamente o infinito não tem fim. E eu estou me retorcendo, abrindo e fechando os olhos á cada contagem, os lábios tremendo.

Para alguém que não acredita em felicidade, nunca estive tão próxima da tristeza como antes.


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Notas finais do capítulo

Então é isso! O Colin é um amor, mas ele não é o boy da nossa querida Vivi. Tenham calma, que o nosso querido crush só vai aparecer lá pro cap 7 ou oito (SIM, O ROMANCE VAI DEMORAR SE DESENROLAR PQ NÃO VAI SER UM AMOR QUE VAI SURGIR DO NADA)
Enfim, amem o Colin, pois ele é um serhumaninho ótimo e prestativo.
Espero tenham gostado, anjinhos.
Beijooosssss de luz.
(PS: domingo eu posto o cap 4, ou talvez amanhã mesmo!!!! vai depender da reação de vocês nos comentários. E não esqueçam: Todos os capitulos pares são cartas para Juliet!)



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