Mirror escrita por Lua Chan


Capítulo 8
O adeus




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Porque metade de mim é partida, mas a outra metade é saudade...

— Oswaldo Montenegro

— O que quer que eu faça? - perguntei, retirando a manta de mim. Cassie a segurou e procurou por peças de roupa mais longas, talvez para me esconder.

— Algumas partes do seu corpo são invisíveis, certo? - confirmei com a cabeça - Acho que com esforço você pode se tornar completamente invisível.

— Já tentei isso. - admiti - Essa não é a primeira vez que tento fugir daqui. Nenhuma das outras vezes funcionou. Além disso, eles ainda veriam um par de calças flutuante.

Cassie apalpou minhas costas, deixando, juntamente, uma sensação de formigamento agradável. Suspirei nervosamente, sem querer decepcionar a menina.

— Não se você tirá-las. - falou. No mesmo instante, me apartei dela com uma expressão assustada.

— O quê?!

— Podemos seguir por passos. - sugeriu, rindo como se eu tivesse dito algo extremamente engraçado - Primeiro, tente ficar invisível por completo. Depois, suas roupas.

— Ficou louca? E se eu nunca mais me visse no espelho? - não sei como, mas algo nos olhos de Cassandra me dizia que ela tinha certeza que isso daria certo.

Não sobraram muitas alternativas, então fechei os olhos e me concentrei nos barulhos mais agradáveis possíveis. O chacoalhar das folhas era um deles. O uivo do vento chegou a provocar cócegas em minhas orelhas congeladas. Eu sequer pude ouvir a voz de Cassie.

Quando abri meus olhos novamente, olhei para meus braços, anteriormente nus. Eles sumiram! Assim como tudo o que não estava coberto por tecido. Cassie me olhava com espanto e orgulho, descansando as duas mãos na cintura.

— Sabia que iria funcionar! Tenho que admitir, é estranho não olhar para seu rosto. Ele fica mais bonito quando visível. - declarou - Agora, remova suas roupas.

Essa era a parte que me deixava vermelho de vergonha. Não sabia se eu ficaria completamente invisível, por isso pedi que ela ficasse de costas. Retirei tudo o que tinha das vestimentas. Aparentemente, tudo deu certo. Não conseguia me ver, o que era estranho.

— Posso olhar? - ela retirou as mãos dos olhos e se voltou para mim, traçando o olhar de um lado para o outro.

— Se você conseguir... - minha garota sorria como uma criança. Ela tentava me encontrar, mas sem êxito. Começou, então, a seguir os comandos da minha voz.
Partimos para o resto do plano. Cassie pegou minhas roupas e a manta. Eu abri a porta vagarosamente, tendo o maior cuidado para não chamar atenção indesejada. A garota seguia por trás de mim, relutantemente. Após segundos de completo silêncio parti até a cozinha, onde 3 dos homens estariam reunidos. Perto da geladeira, havia um vaso, que acabei derrubando no chão propositalmente. Os 3 baixaram a guarda e se viraram para onde o estrondo teria se originado. Essa era a deixa de Cassie.

Ela correu até a porta de saída da casa sem provocar um ruído sequer. Tenho que admitir, ela conseguiria fazer um papel de fantasma melhor do que eu. Eu era um completo desastrado! Quando conseguimos sair, comemoramos com um beijo e um abraço tão apertado que devo ter quebrado uma costela.

— Deu certo! - ela sussurrava entre ligeiros pulos de felicidade, enquanto eu colocava minhas roupas - Agora vamos lá. Feche os olhos e concentre-se na minha voz.

Obedeci aos seus comandos, dando respirações nervosas e trêmulas.

— Você está muito tenso! - reprovou - Relaxe os ombros. Ouça o barulho dos pássaros brigando nos galhos das plantas. Sinta a brisa fria, as árvores se balançando ritmicamente.

Com dificuldade, fiz o que pediu. Os barulhos pareciam ter canalizado toda a energia negativa do meu corpo. Ao abrir os olhos novamente, pude ver meus membros superiores, como antes. Infelizmente, ainda estava invisível do quadril até os pés, era irreversível. Reparando bem, acho que o processo avançou mais ainda. Minhas mãos também foram atacadas pelo "vírus" da invisibilidade. Falei para a garota que precisaria de luvas.

— O que pretende fazer agora que saímos? - os olhos de Cassie brilhavam, ela parecia tão perdida quanto eu. Levei uma mão até seu ombro e o afaguei tranquilamente.

— Eu vou fugir de novo. - sussurrei com lentidão - Procurar uma nova casa ou algo semelhante.

— Ótimo. Também vou. - o sorriso que eu antes carregava se deformou.

Eu amava Cassandra com todo o meu coração, mas pedir que ela vá comigo para só Deus sabe onde era crueldade. Ela tinha uma família aqui, pessoas que a amavam. O que me restava na cidade eram pais que pensam que estou morto e um irmão sociopata e medíocre. Aqui não era mais meu lugar. Não era um bom local para um menino invisível viver.

— Você não vai, Cassie. - suas sobrancelhas se entortaram numa velocidade impressionante - Dessa vez, sou só eu.

— Como pode pensar que eu vou te deixar? - seu tom foi de decepção, mas ela parecia compreender o que eu queria dizer - Somos nós dois contra o mundo, Millard. E se Jason puser os pés em nosso caminho novamente, espero que ele saiba correr.

Não pude evitar de sorrir, apesar de ela estar séria. Cassie deu um pequeno soco em meu ombro, irritada com minha reação.

— O que foi? - questionou.

— Nada demais. - murmurei sem demoras - É que eu te amo.

— É mesmo? Eu só te suporto, mesmo. - brincou, lançando os braços ao redor do meu pescoço, sorrindo. Infelizmente, a sensação de alegria durou uns 4 segundos, até lembrarmos do nosso plano - Escute, tem uma estação de trem aqui perto. Podemos ir para algum lugar. O que me diz?

— Guie o caminho, minha dama.

 ≈

Levaram alguns minutos até que chegamos na estação Old Goderick. Cassie conseguiu luvas para que eu cobrisse ambas as invisíveis mãos. Tive o cuidado de arregaçar as meias, que escondiam perfeitamente parte das canelas. O resto estava tudo bem, ao menos que eu sumisse repentinamente.

— Hm... olá? - Cassie sussurrou para um homem de meia idade. Seus ombros largos o deixavam com um semblante áspero. Ele era responsável por cobrar as passagens dos viajantes - Qual é o horário do próximo trem?

Ele a analisou de cima a baixo, sua expressão facial me deixou com dúvidas e com certo desconforto.

— Receio que eu não deva lhe dizer. - balbuciou, arrebitando o nariz, como se Cassie fosse uma plebeia e ele, o mais confiável guarda da rainha - Quantos anos você tem?

— Essa não é a questão. - me intrometi na conversa dos dois, arrancando o olhar do homem - É uma situação de vida ou morte. Não pode nos dizer?

— Talvez eu possa. - o cobrador fez um gesto estranho com os dedos, friccionando um contra o outro. Ele se referia a dinheiro, claro. Como pude confiar tão rapidamente na primeira pessoa que encontrei nesse lugar?

Cassandra estava prestes a pegar um maço de dinheiro, mas eu a atrapalhei, pegando pouco dos tostões que ainda me restavam no bolso. Dei para o homem que analisou a nota amassada como quem verificasse a qualidade de uma pepita de ouro.

— Vejam com o gerente logo a sua direita. Larry tem todos os informativos que vocês irão precisar, isso eu garanto. - não me preocupei em fazer uma reverência, ele não merecia meu respeito. Partimos para o balcão ao qual o cobrador se referia e encontramos o tal Larry.

— Boa noite, senhores. - cumprimentou ele, educadamente - Com que posso ajudar?

Cassie olhou para mim, como se quisesse certificar se era isso mesmo que iríamos fazer. Acenei com a cabeça e ela se pronunciou.

— Qual é o horário do próximo trem? - Larry deu uma olhada no relógio fixado na parede de seu minúsculo escritório. Checou uma lista que presumi serem os horários e voltou a nos encarar.

— Daqui a 5 minutos. - respondeu simplesmente - Ele irá para Veneza. Querem passagens?

— Sim, por favor.

— Ótimo. Elas custam 45 dólares. Cada. - engoli em seco, Cassie olhou para sua carteira com uma expressão preocupada.

— Não tenho isso tudo, Millard. - disse ela - Apenas uma nota de 50, pagaria apenas uma passagem.

Fiquei cabisbaixo, e mesmo assim, Cassie pôs a nota sobre a madeira do balcão.

— O que está fazendo?

— Você vai. Não quero atrapalhar seus caminhos, Mill. Se isso dá apenas para uma pessoa, quero que essa seja você. - arregalei os olhos, pegando os 50 dólares novamente.

— Não. Não vou fazer isso. Estamos nessa juntos, lembra? - assim que eu disse, Cassie mostrou um fraco sorriso. Foi o melhor que conseguiu - Qual é a passagem mais em conta que teremos?

Larry parecia segurar o riso, como se a resposta fosse um lugar pobre e fétido. Qualquer um serviria para mim, honestamente.

— É uma ilha no meio do nada, no País de Gales. - falou - Cairnholm é seu nome. A passagem é tão barata que não me admiraria se o lugar fosse um maldito celeiro!

— Quanto é?

— 15 dólares.

Cassie entregou novamente a nota amassada. Esperamos ansiosamente pelo troco, enquanto isso, beijei a mão da garota, que me devolveu o melhor sorriso que eu poderia receber.

— Conseguimos, meu amor. - cochichei em seu ouvido - Seremos livres.

— Gales que nos espere.


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