Mirror escrita por Lua Chan


Capítulo 14
A ukrasti de Millard




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Aprendi através da experiência amarga a suprema lição: controlar minha ira e torná-la como o calor que é convertido em energia.

— Mahatma Gandhi

Tive que esperar uma semana inteira para que Alex pudesse voltar a andar normalmente. Quando voltou para nós, suas asas estavam rigorosamente polidas e ele parecia ter ficado 1 ou 2 anos mais jovem. Incrível como o repouso poderia mesmo curar alguém. Infelizmente, nem tudo saiu com total perfeição. O garoto, por vezes, se queixava de dores na coluna e se assustava quando suas penas arranhavam as costas ao caminhar. Isso o fazia lembrar de sua queda, de sua "quase morte".

Tentei falar com Cassie, dizer que nosso amigo estava mais do que bem, mas ela se trancou do mundo que a cercava. Mal saía do quarto, mal falava com a gente. Todos os dias eu levava flores para ela, deixando os buquês encostados na porta que nos separava. Não sabia como, mas eu sentia seu caloroso sorriso quando falava com ela.

Eu e Alex estávamos indo para a cozinha, mas acabamos nos "derrapando" no quarto de Cassandra que, por inacreditável coincidência, estava aberto.

— Será que ela melhorou? - perguntei para o anjo, que não parava de olhar para um espaço vazio da madeira.

— Que tal se dermos uma conferida? - concordei com a cabeça. Ao entrarmos, nos deparamos com uma Cassandra menos triste, sentada numa cadeira acolchoada. Era como se alguém tivesse falado com ela. Presumi ter sido a srta. P, ela era uma ótima orientadora.

— Olá, Mill. - disse ela, entrelaçando os dedos nos cabelos desgrenhados com um sorriso simples que me contagiou.

— Oi, amor. - fui até perto dela e nos abraçamos. Fiquei sem saber o que fazer, e com uma rápida resposta, ela me beijou. Notei que Alex evitava olhar para nós dois, respeitando nossa privacidade - Como está se sentindo?

— Um pouco melhor do que antes. - sussurrou, dando um breve aceno para Alex, como quem dissesse "oi" - Alma veio aqui algumas vezes. Ela me trouxe comida e algumas das cartas dos nossos amigos. Olive, Rose, Hugh, Horace, Emma, Abe... todos se importaram comigo. E vocês dois foram meus guardiões pessoais. - brincou.

— Mas é claro que nos importamos com você, Cas. - Alex interveio, usando o apelido que criei para Cassandra - Você é especial. Ah, e se não for muito incômodo, será que eu poderia conversar com a Cassie por um instante, Mill?

Disse que sim e fui para a cozinha, esperando ser recebido com vivas, depois de eu avisá-los que Cassie estaria voltando para nós, assim como Alex fez há alguns dias.

. . .

Após algum tempo, Cassandra desceu as escadas, tão rapidamente que quase não pisava no chão. Ela estava com uma expressão irritada, de fuzilar qualquer um que ousasse falar asneiras em seu ouvido. Alex veio logo após a garota.

— Por que demoraram tanto? - falou srta. Peregrine, fazendo a pergunta que tanto desejava fazer no instante.

— Por que não pergunta a ele? - grunhiu Cassie, apontando para Alex. O garoto, cabisbaixo, não fez mais nada, além de escolher uma cadeira para sentar-se. Para retirar qualquer clima de inimizade, tentei mudar de assunto.

— Srta. Peregrine disse que quer falar sobre sua espécie, Cas.

— Minha espécie? - perguntou, intrigada - Como assim?

— Você, minha querida, é tão especial quanto o sr. Portman. - explicou nossa mentora - Você é uma ukrasti, srta. Valentine. Do croata, significa "o que rouba". Sua peculiaridade vai além de apenas desligar nossos poderes. Você pode ativá-los a qualquer momento, também.

— Quer dizer que se eu me concentrar, posso transformá-la num pássaro agora mesmo? - Cassie estava pasma de surpresa.

— Exato. Os antigos ukrastis conseguiam pegar emprestadas as peculiaridades. Se um ukrasti tocasse num piromaníaco, por exemplo, ele adquiria a habilidade de produzir fogo.

— Incrível! - falei, sem esconder qualquer felicidade - Quer dizer que Cassie pode fazer o mesmo?

— Talvez. - disse a Peregrine, soando como uma professora que não sabia como responder uma pergunta de classe - Isso é o que as lendas nos informam, mas não há garantia. O tempo lhe dirá com mais exatidão. Mas por enquanto, o que eu quero mesmo que vocês dois façam é comer. E sem mais atrasos, entenderam?

Cassie e Alex não deram o trabalho de se entreolharem, apenas curvaram a cabeça e escolheram alguns dos variados aperetivos que estavam sobre a mesa.

Fiz companhia aos dois, lançando perguntas sobre como Cassandra se sentia com tamanha habilidade e quando pretendia exercitá-la. Todas as respostas foram dadas com frieza, como se ela estivesse atirando sua raiva em mim ou esquivando de conversas. Olhei umas duas ou três vezes para Alex, que devorava uma gorda coxa de frango com avidez. Ele não retribuiu o gesto, deixando-me repleto de dúvidas.

— O que vocês têm? - questionei, a paciência já se esvaindo de mim. Essa era uma das piores características que eu e Jason teríamos puxado de papai - Já estou farto de aguentar esse silêncio. Alguém pode me falar alguma coisa?

Antes que qualquer um pudesse responder, Alex puxou rapidamente o guardanapo que descansava sobre suas pernas e limpou, educadamente, os espaços ao redor de sua boca. Ainda sem olhar diretamente para nós dois e com uma postura de arrependimento, levantou-se da cadeira.

— Sinto muito, Cassie. - disse, finalmente, com a voz embargada. O tom misterioso, porém, não o largou - Sinto ainda mais por você, Millard.

Cheguei a tentar perguntar do que ele estaria falando, mas Alex correu em disparada para o jardim e nos deixou a sós. O último ruído que ouvimos foi o tilintar turbulento de suas asas metálicas. Cassie olhava para o prato, agora vazio, sobre a mesa, os dedos deslizando sobre os talheres prateados que srta. Peregrine tanto amava. Seu olhar perdido anunciou que o que estava prestes a falar não seria agradável.

— M-Me desculpe, Millard. - Cassie sussurrou entre soluços e choro. Suas lágrimas chegaram a manchar a cobertura da mesa. Levei um dedo para secá-las, mas ela se afastou - Ele começou e então eu... me d-desculpe! Não posso ficar com você!

— Cassie, tenha calma. Do que está falando, meu amor?

Ela sempre recorria a mim quando algo a abalava. Sempre conseguímos desabafar um com o outro, retirando toda a angústia e todo o peso das costas. Por que ela não fazia isso agora? Os segundos que ela utilizou para ficar em silêncio dentro de seu casulo invisível me machucavam. Infelizmente, nada me machucou mais do que suas próximas palavras.

— Alex... me beijou.


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