Cinzel, Angel, Rigel. escrita por João Victor Costa


Capítulo 2
A Ovelha




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O som dos meus passos pisando fortemente dentro das poças de água ecoava pela rua vazia; o som não tão alto quanto os soluços de enquanto eu corria.

Olhei para trás umas três vezes antes de parar, arfando, com as mãos nos joelhos sobre um poste de luz cuja lâmpada não parava, piscando. Afastei o cabelo molhado do rosto e concentrei meus sentidos no perseguidor. Não conseguia vê-lo, mas sabia que ele era capaz de sentir meu temor. Eu não ouvia seus passos, mas sabia que ele estava escutando minha respiração. Sentia o cheiro do meu perfume e o gosto antecipado do vermelho e eu, corria sem direção.

— Vá embora! - eu gritei por cima do ombro, voltando a correr. Tudo parecia estranho e a única coisa que eu conseguia me lembrar era de meu nome. Caelum, a Cinzel.

Parei novamente, cansada, e ouvi o som de alguém estalando a língua em um ritmo constante como o tic tac do ponteiro vermelho do relógio. A cada segundo marcado o som aumentava o suficiente para eu não conseguir ouvir mais nada além do silêncio.

“Onde estou?”

Meu pensamento monótono ecoou pelo vazio negro que se estendia em todas as direções. Estava com frio.

“Onde estou?”, perguntei novamente.

Ninguém respondeu.

Andava sobre uma ponte enquanto o Sol se punha belo no horizonte. Sentia-me sozinha com o vento balançando levemente meus cabelos que tive de prender atrás da orelha para impedir que continuasse esvoaçando na frente do meu rosto.

Eu não sabia do motivo de estar ali, mas era uma sensação boa. Uma paz momentânea que desabaria no exato momento que eu subisse na amurada e me jogasse.

Foi exatamente o que eu fiz.

...

Apertei fortemente minhas mãos contra os ouvidos logo depois de fechar a porta do banheiro atrás de mim, abafando o som da festa que acontecia do outro lado.

As paredes eram terrivelmente decoradas com retalhos de revistas e pôsteres de bandas. Quando encarei meu reflexo no espelho, notei que o lugar fedia. Os meus olhos e cabelos castanhos não passavam-se de um borrão desfocado.

Minha mãe disse uma vez que eu era bonita. Disse que eu tinha cabelos lindos, diferente dela.

No seu último aniversário de 32 anos, cortei uma mecha longa com a tesoura e dei para ela os fios de presente. Não conseguia distinguir suas lágrimas em meio ao seu rosto.

No banheiro, olhei para as minhas mãos de dedos desfigurados e notei que segurava uma lâmina. Ela simplesmente apareceu ali, como se tivesse acabado de ser convidado àquele momento. Pressionei-a contra meu braço e cortei a pele, exibindo pequenas bolinhas de sangue ao longo da fenda vermelha recém aberta. Senti todo meu corpo se arrepiar enquanto a dor tornava-se insignificante.

Cortei mais uma vez e outra, observando aquela fragilidade humana com certa curiosidade, ignorando completamente a pessoa que batia e gritava atrás da porta, querendo entrar.

Soltei uma gargalhada e pintei meus lábios de vermelho com as mãos sujas de sangue. Pelo espelho, ainda consegui identificar o sorriso.

...

Eu não entendia o mundo. O mundo, muito menos me entendia.

Na sala branca apareceu uma porta e eu a atravessei.

As vezes eu imaginava que eu realmente não estava lá. Que tudo aquilo não se passasse de uma ilusão da minha mente. Todos aqueles rostos deturpados de pessoas fazendo compras, indo trabalhar ou saindo juntas, simplesmente me davam arrepios.

Eu queria acordar.

Meus olhos estavam abertas para a escuridão do quarto. A luz prateada da lua entrava pela janela e eu não conseguia parar de contemplá-la.

— Precisamos ir - uma voz sussurrou para mim. Virei-me em direção ao som e apenas vi uma forma… A silhueta de um garoto na escuridão.

Não me assustei.

— Sim, precisamos ir.

Ele me deu suas mãos frias e me levou embora.

Há um corredor branco cercado de portas da mesma cor e, no final dele, havia uma passagem escura.

Quando eu a atravessei, me vi flutuando em uma sala vazia feita de constelações distantes. No centro da sala havia uma plataforma circular e uma criatura humanoide magricela e com pernas de um animal me observava. Seu rosto era coberto por uma máscara triangular com um único ponto gravado na testa. Seu cabelo liso e prateado despencou em suas costas.

— Onde estou? - perguntei, observando boquiaberta as estrelas. Virei-me para a criatura. - Quem é você?

A entidade mudou de posição, equilibrando-se somente em uma pata.

— Sou a Ovelha - respondeu ela, serena e acolhedora. - Você está em Lugar Nenhum.

— Como assim, lugar nenhum? - perguntei, confusa.

— Exatamente. - disse a Ovelha, dando uma cambalhota no ar e caindo com perfeita graciosidade no mesmo lugar. - Agora, precisa escolher.

— Escolher o que? - disse eu, observando os olhos prateados que brilhavam por trás daquela máscara. Não estava borrada. - Não sei o que você está falando.

— Apenas escolha. Abrace-me ou acorde.

A criatura estendeu os braços abertos para mim.

— Acordar? - perguntei. - Eu estava dormindo, então? Se escolhesse a primeira opção, nunca iria saber a verdade.

— Sim, isso mesmo.

— Então, eu escolho acordar. - anuncie, decidida.

A Ovelha me encarou por mais alguns.

— Muito bem. - disse ela, finalmente.

Eu e o garoto estávamos de mãos dados, fugindo pela rua vazia da cidade quando deparei-me novamente com a Ovelha. Ela estava parada, diante de mim, equilibrando-se em um único pé.

— O que você está fazendo aqui? - perguntei a ela. Segurei no braço do garoto com a outra mão.

— Você pode escolher novamente - a Ovelha explicou. - Meu mestre não sabe de você. Por favor, venha comigo.

Um sensação de dor e confusão me invadiu com uma força indestrutível. Coloquei ambas as mãos na cabeça e desabei no chão.

— Não! Não, não, não.... - gritei aos grunhidos. O garoto abaixou-se do meu lado e colocou a mão em meu ombro. - Eu quero acordar!

A ovelha abaixou a cabeça.

— Bom, neste caso…

Dito aquilo, senti uma onda fria percorrer meu corpo antes de cair para trás. O garoto ergueu-se diante de mim e uma nova forma animalesca se moldou no escuro. Seus olhos brilharam em prata, atrás de sua nova máscara. Seus cabelos negros como o próprio vazio caíram sobre seus ombros.

— Sinto muito. - disse ele, sem demonstrar qualquer sentimento com aquelas palavras.

— Quem é você? - perguntei, aterrorizada.

— Eu sou o Lobo.

E então tudo ficou preto mais uma vez.


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Notas finais do capítulo

O que acharam? O que significa isso tudo que foi vivenciado pela Cinzel?
Não se esqueçam de acompanhar :D
PS: Não se assuste se o capítulo foi confuso. Tudo será explicado nos próximos.



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