O Céu Continua Azul escrita por Just a writer


Capítulo 3
Capítulo 3




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— Eu já disse! Mais controle nos seus golpes! – Jim exclamou, enquanto se esquivava de um soco.

Laura não queria saber de controle naquele momento. Duas semanas já haviam se passado. Duas semanas se preparando para o teste semestral de Senhores do tempo. Ela já estava farta das explicações de seu anfitrião. Toda aquela coisa de física envolvendo seu corpo e aquele mundo era apenas baboseira para Laura. E ela iria descontar toda essa carga emocional em Jim. Por sorte, ele percebeu isso. Sem o mínimo de esforço, ele agarrou o soco com uma mão, e manteve a mão da garota ali, naquela posição.

— Chega. Se você quer liberar raiva, não vai ser na minha cara. Eu ainda tenho que trabalhar – ele a soltou. – Espere aqui.

Estralando o dedo indicador com o polegar, ele saiu para os fundos da casa. Laura inspirou profundamente e secou o suor da testa. ”Aonde está a Ronnie?” ela pensou. Ronnie acabara se provando uma boa pessoa, e como conseqüência, uma boa amiga. Cada vez mais, Laura a queria ao seu redor, mesmo que não admitisse isso em voz alta. Jim... bem, Jim era outro caso. Por diversas vezes ele se mostrara apático. Ele estava seguindo uma regra que Laura instaurara para ela mesma: não se apegar. Ele só provia o mínimo de interação com ela, apenas o necessário. Ele prometera preparar Laura para ser uma Senhora do tempo. Ele não ia ser seu amigo, muito menos um confidente. Ele seria o que Laura precisava o que ele fosse. Naquele momento, ele era seu saco de pancadas pessoal.

Quase que como mágica, Jim apareceu carregando debaixo das axilas, dois pedaços enormes e pesados de concreto. De onde ele tirava essa força descomunal, Laura não sabia. Jim várias vezes dizia para ela se soltar, que a mesma força viria a ela. Mais fácil falar do que fazer. A conversa com Jim sobre ele ser um mestiço ainda dava dores de cabeça a garota. Ele posicionou os pedaços um do lado do outro. Tirou uma bola de tênis do bolso.

— Esses são seus problemas e pensamentos ruins. Quero que você os reduza a pó usando nada além dos seus punhos. – Ele disse apontando para os pedaços de concreto.

— Você está maluco se acha que vou fazer isso. Minhas mãos vão quebrar – Laura fechou os punhos.

— Não, não vão Loirinha – pela primeira vez, Jim usou algum apelido com Laura. Sempre usava “você” ou “ela” para se referir a ela. Era algum progresso no quesito simpatia. – Física, se lembra? Aqui, você não se machuca tão fácil, vão precisar de uma britadeira para fazer algum estrago em você ou nos seus ossos nesse mundo. Mas se lembre que você não é invulnerável, só tem uma larga vantagem em questão de força em relação aos outros. Não deixe isso subir a cabeça. E convenhamos, você precisa liberar um gás. E nada melhor do que quebrar coisas. Foi assim que treinei com os Van Whelm, vai ser assim com você.

— Eu... eu não sei se consigo. Por algum motivo não consigo fazer o que você faz. E convenhamos, – o canto da boca do Senhor do tempo se encrespou num meio sorriso – eu realmente não queria estar aqui. Duas semanas já se passaram! A minha família deve estar surtando querendo saber aonde eu me meti. E a única maneira de eu voltar para eles, é servindo como bucha de canhão durante anos para um mundo que nem conheço. Então, me diz novamente, como isso vai me ajudar a voltar pra casa?

Jim segurou a bolinha de tênis entre os dedos e começou a gira-la.

— Você não tem um físico corporal no qual confiar para os testes físicos. Sem a sua força, você é tão útil quanto uma formiga amassada na sola do meu sapato. Do jeito que você descreve sua vida, você deve ser vital para eles. Não quer voltar para sua familia? Então vai ter que se soltar. Ai você vai ter sua força e uma mínima chance de voltar pra casa. Ou você quebra esse concreto ou vai ficar aqui o resto da sua vida. Sinceramente, eu não dou a mínima para nenhum dos dois.

Laura engoliu em seco. Ela nunca tinha visto essa intensidade em Jim.

— Mas...

Num movimento súbito, Jim lançou a bola de tênis na árvore mais próxima deles. O som da fricção do ar nos ouvidos de Laura foi altíssimo, quase como que a bola rompera a barreira do som. Quando olhou novamente para Jim, ele caminhava para dentro da casa. Fitou o local que Jim disparara a bola, para se deparar com a árvore partida ao meio, com a carcaça da bolinha enterrada no muro mais adiante.

Laura encarou o pedaço de concreto e fechou os punhos. Medo a segurava sua mão. A apreensão era quase palpável. Suspirou, girando o corpo no mesmo lugar. Era como se um muro se estendesse a sua frente, um muro que a impedia de alcançar o que queria. E Jim a desafiava a botá-lo a baixo. “Dane-se ele! Esse cara consegue ser irritante até nos meus pensamentos!” a raiva tomou conta. Sem hesitar, Laura esmurrou o concreto, representação de seu muro. Um grande pedaço foi arrancado, esfacelando em pequenas migalhas. Ela olhou a mão, agora cinzenta, incrédula. Jim estava certo no final das contas, ela precisava liberar alguma raiva. Imaginou tudo aquilo que mais odiava naqueles pedaços de concreto. Todo seu sentimento de impotência, que vinha acumulando nas ultimas duas semanas, e levantou seus punhos.

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O som vindo do quintal de Jim era familiar para Ronnie. O som de barreiras sendo quebradas e a satisfação que viria logo após.

Reuniões de família eram sempre tão chatas. A cada tique do relógio, ela ansiava mais por sair dali. As outras famílias importantes aparentemente estavam comprando armas e juntando soldados e mercenários. As coisas sempre foram tensas entre eles, mas Ronnie não achava que iriam querer ir para a guerra agora. Necessitavam de tempo e dinheiro. A economia em Blacksteel não andava bem das pernas. As rebeliões nortenhas haviam exaurido os cofres do Ministério e ele se virou para a aristocracia. Quase metade da fortuna dos Van Whelm tinha ido embora. Mas eles sabiam como disfarçar isso das outras famílias, e sabiam ganhar dinheiro como ninguém. Se houvesse de fato, uma guerra entre casas seria a família de Ronnie que ganharia. O Ministério não era bobo. Sabia que deveria controlar a situação, e para isso usariam os Deuses da Guerra. Os Deuses da Guerra eram o equivalente aos generais da Terra Mãe. Mestiços e nascidos da Terra Mãe que não quiseram voltar, eram os melhores guerreiros e estrategistas do Ministério. Cada um com um exército de Senhores do tempo a sua disposição. Eles eram a vantagem do Ministério sobre as casas aristocratas. Seria um banho de sangue se houvesse guerra dentro dos muros de Blacksteel, e o sangue seria das casas.  Quando o ultimo assunto fora encerrado, ela não se importou de parecer apressada. Para o inferno a compostura. O lugar que ela queria estar era na casa de Jim. Nas duas semanas, sua cabeça sempre esteve ali. Um senso de perigo vinha à tona, toda vez que ela se aproximava daquele lugar. E ela gostava disso. Ronnie abriu a porta de entrada da casa, e se deparou com Jim escovando os dentes ao mesmo tempo em que colocava café numa caneca. Houve o tempo em que ela imaginava essa mesma cena, mas a imaginava presenciando-a todo dia, desejando-lhe um bom dia no trabalho e pedindo para ter cuidado, enquanto ajudava a  arrumar a camisa de Jim , num possível futuro. “Devaneios de uma garota boba”, Ronnie repreendia-se. Era claro para ela que isso nunca ia acontecer.

— Bom dia! – ela o saudou com um sorriso largo.

Jim respondeu saudando-a com a caneca. Ele correu até o banheiro e voltou sem a escova de dente.

— Como está Laura? Pelo visto, conseguiu fazer ela se soltar – Ronnie se apoiou no balcão da cozinha.

— O método Van Whelm nunca falha. – ele bebericou o café – Onde você esteve? Dois dias sem noticias não é do seu feitio.

— Ah, sabe como é essas reuniões gerais familiares. Temos que nos preparar para qualquer “ataque” das famílias rivais – Jim adorava o jeito sarcástico de Ronnie com as palavras, mas sabia mascarar muito bem qualquer traço disso. – Me desculpe por isso. Prometo dar sinais de vida para vocês dois, tudo bem?

— Por mim, você pode fazer o que quiser. Agora, você vai ter que falar isso para Laura. Ela realmente sentiu sua falta – ele tomou outro gole de café.

— Eu estou ouvindo certo? – Ronnie limpou o ouvido com o dedo mindinho – Você chamou ela de Laura? Ou estou escutando coisas?

Jim suspirou. Ele sabia que isso ia acontecer.

— Não deixe isso subir a cabeça, Whelm. Você sabe muito bem o porquê de não me apegar a ela, mas também não posso continuar chamando Laura de “ela” apenas.

— E lá está o nome dela mais uma vez! Será que James Graham está tendo seu coração descongelado, senhoras e senhores?

— De vez em quando você consegue ser tão irritante, sabia? – Jim desviou o olhar, cobrindo a face com a caneca de café.

“E de vez em quando você consegue ser muito fofo, sabia?”, Ronnie pensou.

— Ela está lá atrás? – a aristocrata perguntou.

Jim respondeu afirmativamente com um aceno.

— Eu levo você. – ele completou pondo a caneca na pia.

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Naquele momento, o rosto de Laura não exibia nenhuma emoção, quase que como em transe. Ela batia seus punhos em tudo que via pela frente, quase que como no automático. Suas mãos entraram em um estado de dormência, então não havia dor para sentir que a fizesse parar. Os blocos de concreto a muito já tinham virado pó. Na mente de Laura, apenas imagens e sons se faziam presentes. Lembranças daquela madrugada. O toque frio do revolver em sua mão, o sangue empapando suas roupas, e seu rosto. Ela ouvia as sirenes de longe. O corpo estirado a sua frente. E sua irmã, agarrada a sua perna, tão assustada que não conseguia dizer uma palavra, muito menos um murmúrio. Era demais para assimilar.

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Laura estava demolindo sua casa. Jim assistia enquanto os punhos dela obliteravam a parede de sua casa.

— Laura, pare! – ele correu em direção a ela.

Passou os braços em volta do corpo dela, e a apertou contra si. Ela se debateu, berrando e chorando. Laura estava bem mais forte agora, forte o bastante para escapar da pegada de Jim. Ele se pôs de pé, e Laura o imitou. Estralou o outro dedo indicador, e partiu novamente para cima dela em outra tentativa de segura-la. Num piscar de olhos, ela se abaixou e desferiu um gancho certeiro no queixo de Jim. “Guarda muito aberta, Graham. Ela não esta com a cabeça em ordem” Jim pensou. Contenção não iria funcionar. Teria que derrubá-la. Num canto, Ronnie assistia impotente o embate. Ela sabia que Jim era mais do que capaz de lidar com aquilo, mas sua preocupação se depositava em Laura. A inexperiência em controlar sua força era um problema, com um movimento, ela poderia matar Jim. Esse era o problema de se ter a força equiparável a de deuses. Não havia limites para os perigos que ela podia proporcionar.

Jim ergueu os punhos, em posição ofensiva, e a passos largos, se aproximou de Laura. Inflou os pulmões, e disparou um soco potente na direção do rosto de Laura. Automaticamente, ela o mimetizou, e os dois punhos se encontraram no meio dos lutadores. O ar vibrou em volta deles. Jim teve que fazer um tremendo esforço para o seu braço não voltar para trás com o impacto. Ela ainda não estava utilizando cem por cento de sua força. Isso era assustador. Ele teria que levar aquilo um pouco mais a serio. Não ia perder seu bilhete dourado. Aumentou a velocidade dos golpes, mas ela conseguia acompanhar. Punhos encontravam punhos. O sangue respingava para todos os lados. Os seus olhos vidrados diziam que Laura não estava no controle dos seus movimentos, mas o estupor assumia. Ela poderia nem estar prestando atenção ao momento. Isso irritava Jim. Aquela luta de quintal estava sendo a coisa mais interessante e divertida que ele fez nos últimos meses, e nem mesmo sua desafiante estava plenamente sã. “O que ela poderia fazer com alguns anos de treinamento?” Jim se perguntou, mas logo teve que manter a concentração, pois num vacilo, Laura tinha achado uma brecha e encaixado um soco em suas costelas. Jim cuspiu um pouco de sangue, e o peito se comprimiu, expulsando todo o ar. Ele se encolheu e a sombra da garota se assomou sobre Jim. Ela iria finalizá-lo. Assoviando pelo ar, um pedaço de concreto acertou a cabeça de Laura e a fez cambalear. Jim se aproveitou disso e acertou um gancho certeiro no queixo dela. Laura tombou e caiu inconsciente. Do outro lado do quintal, Ronnie estava com outra pedra em mãos, pronta para outro disparo.

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— O que você acha que aconteceu ali? Aquela não era a Laura – Ronnie passou os dedos pelo cabelo, sentada no sofá, pensativa.

— Ela não sabia o que estava fazendo. Nem um pouco. – respondeu, desligando o ArcPad, seu dispositivo de comunicação. Ele não estava em condições de trabalhar mais. – Quando a deixei, falei pra se soltar e descontar no concreto. Acho que ela se soltou demais.

— Você não ouviu o que ela dizia, entre cada golpe?

— Ela falava algo? – Jim tocou suas costelas machucadas.

— Eu me esqueço que você se desliga do mundo quando começa a trocar socos com alguém. – Ronnie revirou os olhos. – Ela dizia “Não fui eu!”.

— O que você pensa disso? – Jim abriu o armário e tirou de lá um kit de primeiros socorros.

Ronnie se levantou e começou a enfaixar o tronco de Jim. Havia um grande hematoma aonde Laura o acertara. As mãos dele estavam em carne viva, tremendo.

— Deve haver algo que ela não nos contou da vida dela na Terra Mãe. Algo bem ruim. – ela apertou as bandagens, e Jim gemeu de dor em resposta. Quando ela terminou, o ajudou a por a camiseta. Jim levou a mão direita ao topo da cabeça de Ronnie e a afagou.

— Sim. Isso, no presente momento se mostrou ser algo bom.

— Como isso pode ser algo bom? – ela olhou para o quarto de hóspedes, onde Laura estava. O receio e culpa a estavam preenchendo de pouco a pouco.

— Você viu o potencial dela agora pouco. E ela fez isso sem nem estar consciente! Imagine o que ela vai poder fazer daqui alguns anos, com pratica. Eu sabia que nascidos da Terra Mãe tinham vantagem sobre os mestiços. Mas não sabia que era esse abismo! Eu estava chegando no meu limite lá.

— Você realmente está falando serio? Isso deveria ser motivo de preocupação! Você quer deixar ela nas mãos dos Juízes, quanto tempo vai demorar para eles a utilizarem em campanhas militares? E se chegar ainda mais nascidos da Terra Mãe, o que acha que farão? Vão parar de deportar eles! Todos eles terão a mesma vida que você e Laura. Serão deuses a disposição do Ministério. A opressão sobre o populacho vai se tornar absoluta. Você realmente quer isso?

Ronnie sabia como colocar Jim contra a parede. E sabia quais armas usar contra ele. Ele odiava o Ministério mais do que tudo. Mas dessa vez ela lhe deu uma idéia. Foi impossível de conter o sorriso diante de tal possibilidade.

— Tá, esse sorriso está me tirando do sério. Seja o que for, esqueça. Eu não vou te ajudar. – Ronnie conhecia Jim. Aquele sorriso indicava uma péssima idéia, idiota, e possivelmente suicida.

— Você nem me escutou ainda! – Jim sentou-se do lado de Ronnie e chegou mais perto. Ela teve que se esforçar muito para disfarçar o rubor em seu rosto.

— Porque eu já sei que é uma idéia horrível. Vai nos meter num problema maior ainda. E você quer colocar Laura no meio disso. Não, chega! Ela já teve o bastante. Amanhã vamos deportá-la de volta para a Terra Mãe. Mesmo lugar e horário que ela veio para cá. – Laura poderia ser um fator de extremo perigo para Ronnie e seu mundo, mas a aristocrata ainda se importava com a amiga. Amiga. Ronnie já havia desistido de se indagar se podia se intitular de tal coisa.

— Ela vai voltar para casa. Você tem minha palavra quanto a isso. Mas vai ser uma pequena mudança nos planos. Ao invés de eu sair daqui e ela ficar em meu lugar, vamos todos sair juntos. Você pode vir também se quiser.

Aquilo fez Ronnie ficar inquieta. Sair de Blacksteel. Sair da Terra Convergente e viver outra vida na Terra Mãe, junto a James Graham. Aquele lado menina sonhadora voltou, e se pegou imaginando como seriam os dias deles juntos, sem a pressão da família. Imaginou-se visitando Laura em casa, relembrando os melhores momentos de sua amizade e ansiando por mais momentos como aqueles. Ir à faculdade, aprendendo o que mais a fascinava naquele mundo. Ter algo que ela própria construíra, uma vida apenas dela.

— Então me convença desse novo plano – Ronnie fitou Jim, inquisitiva.

Mas ele sabia que já tinha convencido.

— Não vamos mais torná-la uma Senhora do tempo. Vamos levá-la para o ultimo degrau. – ele apontou para cima.

Ronnie prendeu a respiração. Ela sabia aonde isso ia levar.

— Vamos torná-la uma Deusa da Guerra e tomar o controle do Ministério e de Blacksteel.


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