Aventureiro De All Star escrita por Gabriel Lima


Capítulo 5
Capitulo 5


Notas iniciais do capítulo

Se prepare para chorar haha



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Eu tinha arrancado a gravata, me livrado do terno e arranjado um blazer, sabia que isso não era bem visto na empresa, mas vestes emperiquitadas eram desconfortáveis e atrapalhavam o meu processo criativo.
— Senhor, estes sapatos não são permitidos aqui — disse o segurança me barrando na catraca.
— Qual é cara, são meus tênis da sorte — eu disse.
— sinto muito senhor — disse ele.
— Ei Carlos, deixe-o passar, esse é o projetista, ele é estranho mesmo... — disse um cara na recepção.
— Valeu pelo “estranho”! — eu disse. Carlos me deixou passar com uma certa resistência.
— Ei cara! — eu disse apertando um botão no elevador, ele olhou pra mim — Prometo que amanhã dou uma lavada neles — mesmo a distancia senti que sua testa ficou um pouco mais quente.

 

Senti como se alguém estivesse pincelando minha mão, alguém me cutucou, abri os olhos e vi um tatu lambendo minha mão.
— Ei gordo! Acorda! — olhei pra cima e vi Juanita tapando o sol, hoje ela vestia um poncho colorido — Está na hora da sua lição!
— Que lição? — eu disse sentando-me, acariciando o tatu com uma mão e coçando o olho com a outra, uma folha da arvore caiu em meu cabelo.
— Bem, o doutor disse que você chamaria isso de sabedoria Inca... — disse ela. Suspirei.
— E onde o sabichão está? Não me diga que ele te transformou em guru também...
— O que é guru? — perguntou ela.
— É um tipo de sabichão — respondi.
— Sabichão?
— Desculpa, essa palavra é da minha língua, acho que aqui é sabelotodo, alguém que sabe de tudo — eu disse. Ela riu.
— Eu não sei de tudo, eu nem sequer sei porque o céu é azul, ou mesmo porque as folhas são verdes... — disse ela.
— Bem, é como um arco-íris... O azul do céu... — eu disse.
— Um arco-íris?
— Sim, existem diversas coisas na atmosfera... Gases, hidrogênio, oxigênio, nitrogênio, argônio... A luz do sol passa através deles, refletindo uma cor azul... — eu disse.
— Uau! Você sabe mais que minha professora! E por que as folhas são verdes?
— Existe um pigmento formado pela fotossíntese, chamado clorofila, ele absorve a luz e reflete a cor verde — eu disse.
— E o que é fotossíntese? — perguntou ela.
Continuei a responder perguntas enquanto levantava, usava o banheiro, lava o rosto numa bacia com agua e comia uma pamonha que Yomira me oferecera.
— Obrigado — abri minha mochila — Posso te pedir um pouco de agua quente?
— Claro — respondeu Yomira. Abri a mochila e peguei um sachê.
— O que é isso? — perguntou Juanita.
— Café, eu não consegui encontrar uma boa cafeteria por perto, fiquei feliz por ter trazido um expresso, eu não ia aguentar ficar sem essa maravilha — eu disse. Juanita continuou olhando com curiosidade, Yomira trouxe a agua. — Quer provar? — ela assentiu — Deixe só eu adoçar, se não você vai detestar — eu ri — Aqui! — ela deu um gole demorado, acho que desfrutando o sabor.
— Isso é muito bom! — disse ela, eu ri.
— E esse nem é dos melhores, café é uma das maravilhas do meu país... — senti uma nostalgia.
— E quando você volta pra lá? — perguntou Yomira — Eu sempre tive vontade conhecer, vi fotos lindas de lá, as praias... — bebi um gole de café, e comi um pedaço da pamonha, que estava uma maravilha.
— Eu não sei... Todo país tem suas maravilhas, acho que qualquer lugar é visitável... — eu disse.
— Ei! Está na hora da sua lição! — disse Juanita. Engoli o ultimo pedaço.
— Ok, estou pronto! — eu disse. Terminei meu café.
— Venha comigo — ela me puxou. Fomos até uma cabana ao lado de um templo, Juanita puxou uma cortina, havia uma mesa e uma cama, onde uma senhora estava deitada, enrolada num cobertor. “Está tão calor, como ela pode...”.
— Juanita! Minha menina! — disse a senhora — Quem é o seu amigo? — Sua pele tinha tantas rugas que eu tinha vontade de tocar pra ver se era real. Juanita olhou pra mim e fez um gesto de “Se apresente logo! Não seja grosseiro!”. Tossi pra limpar a garganta e me aproximei, era um lugar bem humilde, e fiquei sem graça por não estar usando uma roupa tão simples quanto à dela.
— Olá senhora, sou Isaac, o doutor me trouxe pra conhecer a vila — eu disse. Ela estendeu a mão e eu a apertei em retribuição.
— Entendo... — disse ela apertando minha mão — Muito sábio da parte dele o trazer aqui... Diga meu rapaz, você está triste? — eu quis muito soltar a mão dela nesse momento.
— Eu? Não, porque a...
— Pode conseguir rir, pode treinar um sorriso no espelho ou mesmo criar uma atmosfera de sarcasmo em tempo integral, mas seus olhos nunca vão esconder sua tristeza...
— Eu...
— Por favor, me responda, uma velhinha como eu não merece ficar esperando, não acha? — agora ela me segurava com as duas mãos — Você está triste? — eu apenas consegui assentir — Ninguém consegue mais mentir pra mim, eu já passei tantas fases quanto qualquer um na minha idade poderia... — ela soltou minha mão, olhou pra Juanita — Pode nos deixar a sós querida?
— Ah de novo não! — disse ela, cruzando os braços e fazendo um bico.
— Se você for eu prometo fazer aquela torta que você adora! Assim que eu estiver melhor — disse a senhora.
— Tá bom... Mas eu vou querer um pedaço bem grande! Desse tamanho olha — ela mostrou o tamanho abrindo os braços.
— Mas assim você vai ficar estufada — disse a senhora.
— Trato é trato! — Juanita cruzou os braços de novo.
— Está bem, você venceu! — ela deu um pulinho de alegria, então sentir algo arranhando minha perna, era Frank o tatu.
— Frank! Vamos brincar lá fora, eu te levo onde tem um monte de cupins! — chamou Juanita, ela saiu e o pequenino foi atrás. A senhora mudou um pouco o semblante.
— Por favor, sente-se! — disse ela, sentei-me — A propósito, sou a Inês...
— Ahn, prazer... — eu disse, tentando não sair correndo dali.
— Eu pedi pra ela sair porque precisava te contar uma história... — disse ela.
— Uma história? — perguntei.
— A história de como Hans se tornou um guia, de como Juanita perdeu seus pais, de como eu vim a ser alguém que testa e dá lições a pessoas que estão perdidas e todo o resto... — disse ela.
— Hans... Então esse é o nome dele... — eu disse.
— É... Ele passou a não gostar muito de nomes, acho que por medo de se apegar a eles... Acho que começou depois que Lucero se matou... Pendurado numa arvore, no meio da vila pra que todos vissem... Talvez quisesse morrer tendo uma ultima visão do lugar que amava... — disse Inês, derramando lagrimas entre as palavras.
— Isso... É horrível... Lucero, quem ele era? — perguntei.
— Era o pai de Juanita... — disse ela.
— O que?! Mas por quê? — perguntei.
— Ele tinha uma tristeza profunda, que nunca ia embora, Hans tentou ajuda-lo, tentou muito... Chegaram a tentar medica-lo, mas ele era teimoso, dizia que não precisava disso... De vez em quando saia andando pela mata de madrugada, Carol ficava doida atrás dele, mesmo gravida insistia em monitorar o marido que não parava quieto... Ela tinha medo que ele... Ele... Enfim, tentava disfarçar parecendo feliz e fazendo piadas, mas durava pouco, logo estava triste de novo, se cobrando constantemente e se sentindo errado, Juanita nasceu e ele cismou que não tinha um emprego bom o suficiente pra dar o melhor a ela... — ela parou de falar e começou a olhar para o nada.
— E o que aconteceu depois? — perguntei. Ela se sentou na cama, com dificuldade.
— Ele inventou bicos, hora extra... Abriu uma poupança e jurou que ia dar um bom futuro a ela, ele continuou a ter recaídas, Hans insistia com a terapia, até que um dia Lucero se cansou e eles brigaram feio, pararam de se falar depois disso, e um dia, pouco antes de Juanita fazer um ano ele fez aquilo... Carol teve um infarto, depois de alguns dias no hospital ela voltou pra casa, e começou a definhar, não queria comer, não queria tomar banho, nada... Nada... Tivemos de ajudar a cuidar de Juanita... E um dia ela... Ela... E... — abracei-a, instintivamente.
— Não precisa terminar, eu já entendi... — ela desmoronou em meu ombro, e eu não pude não chorar junto — Desculpe te fazer relembrar de tudo isso...
— Não, você tinha que saber disso, porque eu vejo em seus olhos, eu vejo que você é como Lucero... Hans me contou que você fugiu de seu país, fugiu de sua vida... — ela se afastou e secou o rosto — Depois disso tudo ele jurou pra si mesmo, que nunca mais deixaria que alguém nesse estado desistisse... Que sempre iluminaria a vida daqueles que estão perdidos, eu passei a me certificar de que ele não estava obcecado vendo o rosto de Lucero em qualquer um que aparecesse por aí... Por isso sempre testo aqueles que ele traz, se estão realmente tão perdidas como ele acha...
— E você acha que eu estou... — eu disse.
— Você se recusa a dormir em um quarto, se absteve de suas roupas, sua cultura e parece que até da tecnologia, é o primeiro turista que eu não vejo com um daqueles celulares na mão... Está fugindo de qualquer coisa que lembre sua vida, e diz que veio aqui pra viver... Pare de mentir pra si mesmo! — disse ela.
— Eu... — eu não aguentei, corri até a porta, parei pouco antes de sair — desculpe... — corri, muito, o máximo que pude. “Talvez eu devesse acabar logo com isso, vai que eu acabo fazendo como esse cara? Tenho uma família e depois acabo deixando-a a deriva?” pensei, “É melhor agora, antes que isso cresça, antes que alguém mais se apegue a mim...”.
— Gordo? Aonde você vai? — parei de repente, quase tropeçando e caindo. Olhei para o lado e vi Juanita ao lado de alguns cupinzeiros, Frank fazia a festa em um deles.
— Juanita...
— Você está chorando? Aconteceu alguma coisa? — perguntou ela.
— Não, nada... — sequei o meu rosto. “Já é tarde... Ela já se apegou a mim, eu não poderia fazer isso com ela...” pensei.
— Você passou no teste, não é? — disse ela.
— Ahn... O Frank gostou dos cupins? — perguntei, me aproximando.
— Ah, ele adora... — ela pegou segurou minha mão, olhei pra ela, cuja altura era um pouco acima da minha cintura — Isaac, você precisa ir ver o doutor, todos que passam no teste precisam ir...
— Tudo bem, eu vou... — eu disse, ela sorriu.
— Você vai ficar bem logo, vai ver! — disse ela. Uma lagrima insistiu em aparecer.
— Sim... — eu disse.
— Ah! Está na hora de eu ir pra escola! Quase me esqueci... — disse ela.
— Então vamos senão vai perder a hora! — acompanhei ela até a vila, já tinha vários amigos seus lá, esperando-a, Yomira lhe entregou sua mochila e o grupo de baixinhos saiu em direção a escola.
— É muito longe? — perguntei a Yomira.
— Não, é pouco antes de chegar a estrada, você deve ter passado por ela vindo pra cá e não percebeu — disse ela.
— Ah, entendi... — eu disse — Deixa eu te perguntar, sabe onde Hans está? Digo, o doutor... — ela pareceu um pouco surpresa por eu saber o nome dele.
— Ele... Está no trabalho... — disse ela.
— Pode me passar o endereço? — perguntei.
— Ah claro! — disse ela, pegou um papel.
— Aqui! — lhe entreguei uma caneta que sempre trazia comigo no bolso.
— Obrigado — ela anotou.
Ao contrário da escola, o lugar não era tão perto, tive de passar pela estação onde dormi algumas vezes, e logo na esquina encontrei o lugar, um prédio onde havia uma placa em que estava escrito: “CONSULTÓRIO DE PSICOLOGIA - Hans Miller”.


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