Rune abr Fricai - Os Versos do Amigo escrita por Dan Achard


Capítulo 6
Monte de Prata


Notas iniciais do capítulo

YO! Bem... Admito que esse capítulo deu certo trabalho de ser concluído por vários motivos, mas cá está ele e no prazo! Bem, esse vai ser o primeiro capítulo que terá um ponto de vista de outro personagem que não a Ismira... Pelo menos, parte dele. Enfim, espero que gostem!



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Roran estava terminando de se vestir quando Katrina despertou. Haviam chegado a Gil’ead na noite anterior, junto com a numerosa caravana de torcedores e atletas que se dirigiam à cidade a fim de acompanhar aos Jogos Triviais. Desde que se acomodaram no castelo de lorde Simon, senhor da cidade, o homem e sua esposa recusaram-se a receber qualquer visita, por mais importante que fosse – apesar de que tiveram o prazer de não ser incomodados em nenhum momento.

— Toda a tensão acabou? – indagou Katrina em tom malicioso.

— Talvez, por enquanto. – respondeu Roran, virando-se enquanto ajustava o cinto. A esposa estava com um olho semiaberto e o outro totalmente fechado, tentando filtrar parte da luz que entrava pela janela do quarto. Seu corpo, delineado debaixo do fino cobertor, repousava delicadamente no espaçoso colchão. Mesmo depois de tantos anos desde que a conhecera, o homem nutria uma paixão ardente pela amada, sempre desejando tê-la a seu lado. – Essa viagem ainda me deixará mais tenso, não tenha dúvidas.

— Espero que sim. – disse a mulher, bocejando.

Roran sorriu. Caminhou até a cama, sentando-se na beirada do colchão e inclinando-se para beijar Katrina, até ouvir uma trombeta soar ao longe, anunciando a chegada de alguém importante. Encarando sua esposa e firmando um acordo mudo, ergueu-se e se dirigiu à porta do cômodo enquanto a mulher de cabelos cor de cobre levantava-se para se vestir. Sabia que aquele som só poderia significar uma coisa: Ismira estava de volta com Arya.

Saindo pela porta e fechando-a atrás de si, pediu para que um dos criados guiasse-o pelos corredores até o portão exterior, caminhando a passos largos.

***

Martelo Forte desejava ter levado seu martelo consigo até ali. Encarou o elfo à sua frente novamente, como se para se certificar, pela milionésima vez, de que não estava zombando dele.

— Amigo, minha paciência já se esgotou muitas horas atrás! – vociferou o lorde entre os dentes.

— Sinto muito, lorde Roran Martelo Forte, mas a rainha... – começou de novo o elfo a contar a história que o homem irritado já ouvira diversas vezes ao longo da manhã.

— Pouco me importa o que Arya disse! – interrompeu-o Roran, agitando os punhos. – Eu não suporto esse silêncio, muito menos ser proibido de sair da cidade! Onde está minha filha? O que aconteceu para que ainda não esteja comigo no castelo ou ao menos mande notícias?

Desde que ouvira a corneta soar logo cedo, Martelo Forte dirigira-se à muralha externa apenas para ser impedido por um grupo de elfos que vigiava o portão ao sul da cidade. Segundo eles, sua rainha convocara a rainha Nasuada, o rei Orik e uma das Herndall – acompanhada de Nar Garzvhog, como tradutor – para uma reunião em uma elevação a quilômetros de distância da cidade. Explicaram apenas que receberam ordens restritas de deter qualquer um que ameaçasse interferir nas discussões.

— Mas minha filha está lá! – argumentara o lorde. – Preciso vê-la agora!

— Infelizmente, não podemos fazer nada quanto a isso. – respondera o elfo que, desde então, apenas aborrecera ainda mais a Roran com sua persistência em impedi-lo de deixar os muros da cidade.

Quando perguntado se ao menos poderia responder se Ismira estava bem, o elfo apenas dissera não ter sido informado. Isso apenas acentuou a frustração do Conde do Palancar, que passou a usar de insultos cada vez mais ousados dirigidos ao ser de orelhas pontudas. Katrina tentara acalmá-lo, dizendo que havia um bom motivo para o silêncio, mas Roran estava preocupado demais para se dar ao luxo de voltar ao castelo e esperar que sua filha simplesmente aparecesse para o almoço.

— Devo recordar-lhe que sua soberana, rainha Nasuada, também deu ordens a você e a qualquer homem ou mulher de permanecerem na cidade, sob pena de prisão por rebeldia e desacato. – lembrou-lhe o elfo de armadura prateada.

— Maldito seja! – pestanejou Roran, socando uma carroça parada ali perto. – Para o inferno com tudo isso!

— Pai... – interveio Ricni – Não acho que seja...

— O quê? – cortou-lhe Martelo Forte, rispidamente. – Ruim o bastante? Para tanto? Tão preocupante? Ora, cale-se, Ricni! Qual é o sentido de tudo isso? Estou aqui desde que amanheceu e sequer posso saber se minha filha está viva!

— O senhor deve saber que a rainha Arya trouxe quatro novos ovos para a Alagaësia e prefere discutir o futuro deles em um lugar mais seguro, mais privado. – respondeu Ricni, apaziguadoramente. – E creio que Ismira não gostaria de caminhar sozinha por quilômetros até aqui apenas para almoçar. Seja mais paciente, como mamãe disse. Em breve ela estará de volta e todos nós riremos dessas horas de nervosismo.

Roran hesitou. Sabia que não seria bom, em nenhum aspecto, permanecer ofendendo ao elfo ou reclamando. Ismira estaria com ele em breve. Ou melhor, era o que esperava – afinal, a ausência de notícias sobre o estado de sua filha criava dezenas de ideias desagradáveis em sua cabeça.

Por fim, suspirou exausto. Dirigindo-se a uma calçada próxima, sentou-se e avaliou o céu. O sol já descia de sua posição mais alta, indicando que ele já deveria ter almoçado há pelo menos uma hora. Quando uma das criadas viera anunciar que o banquete no castelo estava prestes a se iniciar, o lorde recusara-se a sair sem Ismira, o que descontentara a Katrina. Ela o fizera prometer não se demorar muito ali e seguiu a criada, junto com Beoward, para o salão de lorde Simon. Enquanto isso, Ricni ficara com seu pai – a mãe do rapaz realmente acreditava que Martelo Forte seria capaz de tentar algo desesperado para sair da cidade. Ela não estava de todo enganada.

Quando o conde estava prestes a desistir e voltar ao castelo do senhor da cidade, ouviu um burburinho vindo dos elfos no portão e o som inconfundível dos cascos de um cavalo. Ergueu-se com um salto e correu para os portões. Dessa vez, os guardas não o impediram de cruzar a saída, então ele disparou ao encontro da rainha Nasuada, que galopava em um majestoso cavalo baio em direção à cidade.

Ao se aproximar da soberana, parou e fez uma reverência breve, encarando-a e buscando em seu rosto alguma explicação para o que passara nas últimas horas. Antes que pudesse verbalizar qualquer dúvida, entretanto, a rainha levantou uma das mãos e disse, com um olhar sério:

— Terá de aguardar a rainha Arya. Sinto muito, Martelo Forte, mas ela deseja entregar-lhe a notícia pessoalmente.

— Que notícia? – perguntou Roran, ainda mais preocupado que antes. – Onde está Ismira? O que está acontecendo?

A mulher de pele escura como o ébano apenas esporeou o cavalo, dirigindo-se à muralha que cercava Gil’ead. O conde sentiu um aperto no coração, sem entender o que estava acontecendo. Caso Ismira estivesse bem, que outra notícia seria essa que exigiria tanto suspense? Mil e uma ideias corriam pela mente do homem de olhar cansado, porém tinha a terrível sensação de que não seria nenhuma das mais leves.

Aos poucos, os demais presentes na reunião com a rainha dos elfos foram chegando à cidade, porém Roran não via sinal de Fírnen, Arya ou Ismira. Aquilo estava o matando aos poucos, como um ferimento banhado por óleo de Seithr. Tal pensamento não o ajudou a se acalmar, então jurou a si mesmo que correria em direção à elevação onde os soberanos haviam se encontrado tão logo contasse sessenta segundos e Ismira ou Arya não estivessem à vista.

Não precisou contar mais que vinte.

Avistou uma figura aproximando-se velozmente, ficando mais confuso e alarmado quando não viu sinal de Ismira ou Fírnen. A rainha Arya corria em sua direção, com seus longos cabelos negros esvoaçando ao vento e uma expressão impassível. O lorde percebeu um lampejo de movimento acima de sua cabeça, erguendo o olhar e vendo que Fírnen fazia círculos no ar, aparentemente sem intenção alguma de pousar.

Assim que se aproximou cerca de dez metros, a elfa estacou e suspirou profundamente. Roran apressou-se ao seu encontro, com o olhar aflito.

— Onde está? – perguntou ele, ao parar em frente à Cavaleira. – Onde está Ismira? Por que esse silêncio? Algo aconteceu a ela? Está ferida? – fez uma pausa, horrorizado. – Ela está viva, não está?

A Cavaleira o encarou por alguns instantes, sua expressão não revelava nada do que poderia ter acontecido. Então, respirou fundo e encarou o homem atormentado, assumindo um semblante abatido.

— Ela não está aqui, Roran. – respondeu Arya, tentando ignorar os títulos de ambos e falar francamente. – Ela desapareceu.

Por alguns segundos, o choque tomou conta de Roran e ele não conseguiu pensar em mais nada. Desapareceu? Em seguida, encarou mais atentamente a elfa, como se tentasse identificar algo em seu rosto que contrariasse sua afirmação anterior.

— Desapareceu? O que quer dizer? – perguntou o homem, incrédulo.

A elfa suspirou novamente, como se tentando decidir a melhor forma de esclarecer a afirmação. Escolhendo cuidadosamente as palavras, começou:

— Estávamos no navio Talita quando Adsha rugiu e atacou Mustethun. Aparentemente, ele fez algum comentário que a ofendeu e ela revidou abocanhando-o na pata. Fírnen tentou impedi-los, mas ambos alçaram voo e começaram a atacar um ao outro. – explicou Arya, com ar de desaprovação. – Todos nós corremos em direção à proa do barco a fim de tentar acalmar os dragões e pôr um basta no conflito. Ki’dáin estivera despedindo-se de Ismira na cabine de comando enquanto estávamos à porta, antes da confusão, porém ele disse que não notou nenhuma mudança enquanto corria em direção à saída e supunha que sua filha seguia-o. – fez uma pausa, erguendo as mãos, impotente. – Ela não o seguiu, Roran. Creio que ela sequer chegou a sair da cabine.

Martelo Forte abaixou o olhar, descrente. Ismira desaparecida? Como era possível que Ki’dáin não tivesse notado o desaparecimento de uma jovem mulher logo atrás dele? Caso houvesse sido raptada, certamente ele ouviria ao menos um grunhido. Algo terrível veio-lhe à mente, mas antes que pudesse fazer qualquer pergunta, a rainha prosseguiu:

— Somente percebemos o inexplicável desaparecimento de Ismira depois que tudo fora resolvido. Procuramos por todo lugar do navio. Saímos pela campina, por Hedarth e até mesmo mergulhamos no rio em sua busca. Vasculhamos quilômetros e quilômetros de extensão durante longas horas da noite. Mesmo vendo e revendo as lembranças de Ki’dáin, não conseguimos identificar o que teria acontecido. – lamentou-se a elfa, parecendo profundamente triste. – Fizemos encantamentos dos mais diversos, mas nem mesmo a magia foi capaz de perceber a consciência de Ismira ou qualquer vestígio de onde poderíamos encontrá-la. Nenhum resquício de magia. Nenhum sinal de raptor ou inimigo. De qualquer modo, seria absolutamente impossível que ela fosse levada dali sem que isso fosse percebido por qualquer um de nós.

O lorde permaneceu calado, sem conseguir discernir tudo o que ouvira. Não fazia sentido nada do que a rainha dos elfos falava e Roran não queria acreditar que simplesmente perdera sua filha. Isso não era opção. Sempre fora super protetor com seus filhos e, na única ocasião em que deixara um deles sair de sua supervisão, algo assim acontecera. E por que Arya não a protegera? Jurara que traria sua filha de volta. Não havia desculpas para esse erro.

— E onde você estava quando ela sumiu? – indagou quase num sussurro Roran, subitamente irado. – O que estava fazendo? Por que disse que cuidaria de minha filha e não o fez?! Você prometeu que a traria de volta! Você disse que ela estaria segura e que voltaria em breve! Maldita seja essa língua traiçoeira dos elfos! Raça de raposas ardilosas e inconstantes! – à medida que falava, seu tom de voz aumentava, até que se viu gritando e socando uma pequena árvore ao seu lado, partindo seu fino tronco como se não fosse mais espesso que um macarrão.

— Pai, acalme-se! – exclamou Ricni. – Ela é a rainha dos elfos e fez o que pôde!

— Pouco me importa quem é ou o que fez, não foi suficiente! – berrou Roran. – E agora o que acontece? Fico sem filha, fácil assim? A vida dela não vale para vocês tanto quanto vale a de uma vaca, que se recusam a comer? E Katrina? O que direi para ela?

— Reconheço que deveria ter sido mais atenciosa. – disse Arya, angustiada. – Mas tem de entender que ela estava com Ki’dáin, um Cavaleiro. E nenhum de nós sequer imaginava que algo assim fosse ocorrer. Não há como culpar alguém até que se saiba exatamente o que aconteceu. Além disso, todos os elfos e anões presentes em Hedarth estão, neste momento, vasculhando a região junto com magos de ambas as raças. Rainha Nasuada também enviará dez dos melhores rastreadores da Vanyalí Varden. Inclusive, eu retornarei ao local para procurá-la pessoalmente. Encontraremos Ismira, isso eu lhe garanto.

— E se ela estiver morta? Disse que não identificaram sua consciência! E se estiver ainda no Talita? E se... – começou o lorde.

— Roran, nós vamos achá-la. – interrompeu-o a elfa. – Entendo sua preocupação, mas mesmo que ela estivesse morta, sentiríamos seu corpo e o encontraríamos. Como eu disse, nós usamos muitos encantamentos, inclusive aqueles usados para encontrar corpos sem vida. Onde quer que Ismira esteja, está viva. Além disso, Blödhgarm garantiu-me, antes de partir, que vasculhariam o navio com a ajuda de Eragon quando chegassem a seu destino.

— Pergunto-me se confiar em sua palavra novamente seria uma opção. – estourou Roran, virando-se e caminhando pesadamente até as muralhas exteriores da cidade. Mal podia acreditar que passara a manhã, mesmo irritado, com uma centelha de esperança em ver sua filha ao menos no jantar. Tal expectativa provou-se lamentavelmente infrutífera.

O lorde ouviu Ricni desculpar-se às suas costas e proferir algum tipo de agradecimento pela ajuda que a rainha dos elfos oferecera. Martelo Forte esperava que o banquete já houvesse terminado – não estava disposto a encenar um maldito pedido de desculpas ao lorde Simon pelo atraso nem queria conversar com ninguém no momento. Estava exausto e furioso, mas, acima de tudo, imensamente aturdido. Onde estará Ismira? Pensava, conturbado. Não posso ficar de braços cruzados. E o que direi à Katrina? Como contarei o que aconteceu?

Ismira.

♦♦◊♦♦

Ismira deu mais um passo, titubeante. Apoiava-se nas árvores do bosque enquanto caminhava, tentando não tropeçar nas várias raízes retorcidas no solo ou nas pedras do tamanho de punhos que bloqueavam seu caminho. Desde o momento em que acordara em uma clareira à beira de um rio – que acreditava ser o Edda -, percorria fraca e lentamente, metro após metro, a densa floresta, a fim de encontrar o porto de Hedarth ou alguém que a pudesse ajudar.

Depois que ouvira o segundo rugido na cabine há... Quanto tempo? Algumas horas? Alguns dias? Não tinha certeza. O fato era que, na ocasião, sentiu vestígios e sua visão escureceu. Depois disso, apenas se lembrava de sentir uma leve pressão na base do crânio até que abrisse os olhos, deparando-se com um céu estrelado acima das copas das árvores na clareira. Após a confusão inicial, decidiu levantar-se de onde se encontrara deitada e procurar por alguém, subindo o rio. Caminhou na direção contrária à correnteza, na esperança de que não estivesse tão longe do entreposto dos anões.

Estava exausta. Por algum motivo, sentia como se não comesse há dias. Parecia improvável que estivesse desacordada há tanto tempo, mas suas articulações pareciam mais rígidas do que seria aceitável após um único dia permanecendo inerte. Não fazia ideia do que poderia ter-lhe acontecido, mas sua principal preocupação, naquele momento, era de obter ajuda e sair da mata. As ponderações viriam depois.

Caminhando com dificuldade, conseguiu avistar o fim do bosque rio acima. Estava receosa em deixar o apoio firme das árvores, mas esperava encontrar a rainha Arya, Ki’dáin, Mustethun ou qualquer um que pudesse ajudá-la e levá-la de volta para casa. Estava faminta, cansada e confusa, e a última coisa que desejava para aquela noite era continuar sozinha.

Aproximando-se da última árvore nos limites da floresta, a ruiva deparou-se com uma visão ao mesmo tempo majestosa e desanimadora. À sua frente, o rio seguia até perder-se no horizonte, brilhando à luz do luar e refletindo a imagem das várias estrelas que cobriam o céu. Cercando-o, espalhava-se uma vasta campina, coberta por uma camada de capim alto, que subia até a cintura da garota. Não viu navio, porto ou cidade alguma, o que a fez estremecer. Caminhara por pelo menos uma hora e apenas conseguira gastar suas últimas reservas energéticas para descobrir-se em um estado desolador. Entretanto, ao contemplar a área à sua direita, todos os pensamentos fugiram-lhe da mente ao vislumbrar uma imponente montanha, tão grande quanto qualquer uma das encontradas na Espinha, se não maior. Resplandecia sob a luz prateada da lua, colorindo tudo ao seu redor com a cor do corpo celeste que parecia um largo sorriso. Sua imagem não era simplesmente iluminada pela lua, mas brilhava intensamente. Parecia moldada a partir da prata e do estanho, com seu cume cintilando como gelo à luz do sol. Ismira nunca vira algo semelhante, nem mesmo nas belas cidades élficas ou nos suntuosos templos dos anões.

Antes que pudesse decidir o que fazer a seguir, ouviu um barulho vindo dos arbustos atrás de si. Alarmada, virou-se rapidamente, agachando-se e agarrando um dos pedregulhos afiados para usá-lo como arma. Sabia que não poderia esperar por ajuda contra o agressor e, mesmo fraca, manteve-se firme e determinada a defender-se.

Os arbustos se abriram repentinamente e uma lebre correu para a margem do rio, parando por alguns segundos e retornando a seu esconderijo. A moça de olhos verde-amarelados relaxou um pouco, jogando a pedra no chão. Suspirando, analisou o que tinha à disposição: água do rio, algumas pedras, árvores por todos os lados e uma grande savana. Precisava encontrar algum alimento antes de planejar como proceder quanto à situação.

Sentiu, então, uma leve pontada tentando penetrar sua consciência. Desde pequena, aprendera com seu pai várias técnicas para proteger a mente de invasores, algo útil em vários aspectos para alguém da corte. Defendeu-se, determinada, e armou proteções tão maciças quanto as muralhas do Palancar. O invasor pareceu hesitar, então atacou com mais firmeza. Apesar disso, Ismira conseguiu manter a posição, pensando em uma canção de ninar que sua mãe costumava cantar para ela quando era pequena.

Lá no alto, lá no céu

Uma estrela a brilhar

Uma vez, outra vez

Para mim vai cintilar

Toda noite eu ouço a corujinha a piar

E eu vejo um rostinho serenamente em seu sonhar

A canção era boba, mas sempre funcionava melhor que os complexos poemas que ela aprendera em seus estudos. O ataque inimigo cessou aos poucos, mas Ismira não relaxou e agachou-se para pegar uma pedra – imaginava que uma simples cantiga não assustaria mais que uma mosca.

Ao se levantar, sentiu uma vertigem e quase desabou. O esforço para defender a mente exigiu mais dela do que pensara inicialmente, e mal conseguia manter-se de pé, de modo que se encostou à árvore mais próxima. Ouviu um barulho vindo dos galhos acima, erguendo os olhos e deparando-se com uma figura oculta pelas folhas.

— Quem é você? – ouviu o estranho falar. Sua voz era melancólica e parecia embargada.

Sentiu-se tentada a lançar a pedra no vulto obscurecido, mas sabia que jamais atingiria o alvo no estado em que se encontrava. Mantendo a voz firme, respondeu:

— Alguém faminto que não quer arrumar confusão.

O estranho pareceu hesitar. Aparentava estar segurando um graveto retorcido diante de si, como se tentando proteger-se. Ao apertar os olhos, Ismira conseguiu distinguir a forma de um arco ao estilo élfico e uma flecha com ponta em formato de folha. A moça ficou nervosa, mas imaginava que o sujeito não a atingiria sem obter mais respostas dela.

Com um salto, a figura pousou a dez metros de distância, com a flecha apontando para o coração da jovem, de modo que Ismira pôde distinguir suas feições. Era um elfo, disso não tinha dúvida. Possuía olhos negros como o breu, com longos cabelos escuros caindo-lhe pelas costas como uma cascata. Trajava uma túnica alaranjada coberta por uma capa marrom, que apresentava um emblema delicadamente bordado na região do peito.

A garota estava a ponto de interrogar-lhe que floresta era aquela quando sentiu suas pernas fraquejarem e caiu de joelhos, apoiando-se pesadamente sobre a árvore ao seu lado. O elfo pareceu lutar consigo mesmo, então correu para seu lado, guardando a flecha e estendendo a mão, desconfiado.

— Vamos, levarei você até o Mestre e ele... Decidirá o que fazer. – disse ele.

Ismira, cansada demais para questionar e confiando que o elfo a guiaria até Hedarth ou outro lugar seguro, agarrou a mão do ser de orelhas pontudas e pôs força para ficar de pé. Ela sabia que seria tolo confiar em um estranho, mas mal conseguia permanecer acordada e não estava em condições de protestar.

Assim que conseguiu se firmar sobre duas pernas, sentiu outra vertigem e desabou nos braços do sujeito postado à sua frente, percebendo seus sentidos falharem. A última coisa que viu antes de desmaiar novamente foi a expressão aflita no rosto do elfo.


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam? SIM, EU TERMINEI ESSE CAPÍTULO COM MAIS UM SUSPENSE. Enfim, despejem críticas e comentários, eles me impulsionam a prosseguir!
Na próxima sexta: Mistérios. Até lá, pessoal!
*Data de postagem: 24/03/2017



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