Magia escrita por themuggleriddle


Capítulo 1
Magia


Notas iniciais do capítulo

Este sou eu tentando escrever algo original.



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Madalena sentia falta do mar.

Certo, ela ainda estava perto dele e podia vê-lo se subisse até a cobertura do prédio, mas, com setenta anos, ficava difícil chegar até a praia mais próxima sem atrair a atenção de parentes demais e causar muita confusão.

Ela nunca teria saído de sua casa em Santo Antônio se não fosse pela família, aliás, mas que Deus os livrasse de ter uma velha de setenta anos morando sozinha, longe de todos os filhos... Não, era muito melhor ter ela em um apartamento pequeno (mais fácil de limpar), no térreo (menos chances de rolar escada abaixo) e morando há cinco minutos de seu filho (mais fácil se alguma emergência acontecesse). Ela havia nascido e crescido ao lado do mar e agora precisava pagar para chegar perto dele ou se submeter a ligar para um dos filhos e pedir uma carona. Era torturante.

Mas ali estava ela, enfiada em um apartamento pequeno e bem iluminado, com cortinas de um tom rosa antigo que sua filha havia escolhido e uma guirlanda de madeira pendurada na porta, um presente de sua nora: um gatinho sorridente estava pendurado na guirlanda, segurando uma placa escrita ‘Aqui mora gente feliz!’. Ela podia ser velha, mas gostaria muito de saber por que as pessoas associavam a velhice ao rosa antigo e bibelôs esquisitos.

Não que Madalena não gostasse de tranqueiras. Ao lado da televisão, havia uma cestinha cheia de conchas que ela havia catado ao longo da vida; a estátua em miniatura de um marinheiro ficava no balcão da cozinha e, no balcão da sala, havia uma sereia. Sobre uma toalhinha rendada em uma mesinha no canto da sala, havia duas conchas de náutilo ao lado de um incensário e na parede atrás do sofá, um quadro com uma cena de praia. Na beirada da sacada minúscula, ela havia colocado alguns vasinhos com flores e, no chão, a pequena horta de apartamento que ela conseguira fazer. Seus filhos já haviam tentado fazê-la se livrar das garrafas velhas que ela deixava empilhadas no canto da cozinha, mas ela simplesmente se recusava a fazer isso.

Aquelas quinquilharias eram o que havia sobrado do mar dentro daquele apartamento.

Além do local apertado e longe do mar, havia também o agravante dos vizinhos. Em Santo Antônio, a mulher conhecia os vizinhos que ficavam ao lado de sua casa: um homem que ficava mais tempo fora de casa do que ali e um casal que morava ali com os filhos. Eles eram calmos e Madalena gostava de levar bolinhos de chuva para as crianças ou um bolo para o homem que morava sozinho (ele sempre ficava emocionado). Mas ali? O casal do lado tinha um cachorro que latia o tempo inteiro quando eles saíam; em algum lugar daquele prédio havia também um homem que voltava para casa de madrugada, bêbado e fazendo barulho... Certo, esses eram os piores, mas era diferente. Era como se cada apartamento isolasse completamente cada um de seus moradores.

Para piorar, logo acima do seu apartamento, alguém estava se mudando. Volte meia ela ouvia o barulho de móveis sendo arrastados e, a julgar pela música que conseguia ouvir quando abria a janela, devia ser um dos universitários que se mudavam para os arredores da universidade para estudar. Não que ela estivesse muito perto da faculdade, mas, ainda assim, era mais barato ali do que na rua do local.

Naquela noite de lua cheia, Madalena queria apenas um pouco de silêncio enquanto acendia um incenso na sacada e colocava algumas de suas conchas em fila no beiral desta. O cheiro do incenso era doce e a fazia sorrir, quase possibilitando que ela se lembrasse do cheiro do mar misturado ao incenso... Até sentir outro cheiro, também doce, mas levemente diferente, invadindo o seu nariz.

A mulher franziu o cenho e olhou em volta. A sacada ao lado estava fechada, mas o cheiro estava próximo demais... Ela inclinou-se um pouco para fora da janela, erguendo a cabeça e vendo um fiapo de fumaça aparecer da sacada acima.

“Não creio,” ela murmurou para si mesmo e olhou para o gato preto largado no chão ao seu lado. “Acredita nisso, Merlin?”

O felino apenas a encarou por um longo tempo e piscou. Bufando baixinho, a senhora fechou os olhos por um momento e assobiou baixinho. Uma brisa mais forte bateu, levando para longe o cheiro incômodo e, certamente, apagando o incenso da vizinha de cima, já que ela ouviu uma exclamação vinda de lá.

“Não se pode mais fazer um ritual em paz,” a mulher sussurrou.

Talvez seja prudente dizer que Madalena era o que muita gente chamaria de ‘bruxa’. Ela, em particular, não sabia se gostava da denominação, mas também não se opunha... Afinal, ela realmente fazia magia, mesmo que fosse para coisas corriqueiras: deixar um bolo mais doce, aparar as unhas de Merlin, manter as janelas limpas por mais tempo, marcar a página de um livro, fazer as flores crescerem mais rápido., entre outras coisas. O seu tempo de fazer rituais complicados e predições do futuro complexas já havia passado, mas a magia ainda vivia em si e ela gostava de poder praticá-la.

Foi por isso que sair de perto do mar a afetou tanto. Tendo nascido ao lado de uma praia, todos os feitiços que fazia eram inspirados por esta. Ela pegava náutilos para ouvir os sussurros das fofocas, guardava pedaços de madeira que o mar levava até a areia para esculpir pequenos amuletos, purificava pedras e conchas na água salgada... Mas ali, longe do mar, isso ficava impossível.

A questão era: como uma bruxa do mar podia viver longe do mar?

Era algo que ela realmente queria saber, mas que, naquele momento, não teve muito tempo para pensar, pois percebeu que a brasa que queimava o seu incenso simplesmente se apagou. Não havia brisa alguma, mas o cheiro sumiu, assim como a brasa. E o perfume do incenso da vizinha voltou a se fazer presente.

Madalena estreitou os olhos e resmungou baixinho para si mesma. Ela realmente estava ficando sem paciência com a idade (contrariando a crença popular de que os velhos eram mais pacientes) e, por isso, apenas pegou seu incensário e suas conchas e voltou para dentro. Não era nada parecido: o cheiro se prendia demais às cortinas e a sala ficava meio embaçada por conta da fumaça. Merlin também não pareceu muito feliz de ter que sair da janela e ir se sentar sobre a mesa de jantar.

“Amanhã vamos ver isso, querido,” ela falou, afagando as orelhas do bichano, que apenas a olhou como se ela estivesse mentindo.

***

No dia seguinte, ao fim da tarde, Madalena havia acabado de fazer um bolo de cenoura no qual ela havia tentado colocar o máximo de magia para deixá-lo doce e capaz de fazer qualquer um que o comesse se sentisse bem. Aquela seria a sua tentativa de ser amigável com a vizinha de cima e, ao mesmo tempo, tentar conhecê-la melhor.

Diferente do que seus filhos pensavam, subir dois lances de escada não era nenhum desafio terrível. Logo a mulher estava encarando uma porta sem nenhuma guirlanda de gatinho, esperando que alguém a abrisse depois de bater.

Como esperado, quem atendeu foi uma jovem. Ela não devia ter mais de vinte anos, com pele morena e cabelos cacheados e volumosos. A garota a olhou por um momento, parecendo confusa enquanto apoiava a mão cheia de anéis no batente da porta.

“Ouvi você fazendo a mudança ontem,” disse Madalena, erguendo o bolo. “Achei que talvez fosse gostar de alguma coisa para comer.”

A menina arqueou uma sobrancelha, mas eventualmente sorriu.

“Nossa.” Ela riu, aceitando o prato e empurrando a porta mais aberta com o pé descalço. “Muito obrigada. Sempre achei que essa coisa de vizinhos levando comida para os recém-chegados fosse brincadeira.”

“Ah, eu gosto de fazer isso.” A senhora encolheu os ombros e viu a outra acenar para que ela a seguisse para dentro do apartamento.

Assim que cruzou o batente, Madalena sentiu um arrepio passar pelo seu corpo. Erguendo a cabeça, viu um pequeno símbolo desenhado com lápis grafite na madeira do batente e franziu o cenho. Quem fazia um símbolo de proteção com lápis grafite?

“Veio estudar pra cá?” ela perguntou, olhando em volta e tentando guardar o máximo de informação sobre o local.

O apartamento tinha o mesmo desenho do seu, mas possuía bem menos móveis: um sofá, uma TV sobre uma raque, uma mesa de jantar e outra mesa colocada no canto da sala, sobre a qual havia o que parecia ser um aquário sem água. Na cozinha, apenas o fogão, geladeira, micro-ondas e o balcão. Na parede havia um pôster daquele filme do menino bruxo, enquadrado e bem cuidado, e uma luminária ajudava na ambientação da sala. Em outro canto, havia caixas de mudança cheias de livros.

“Sim,” a garota falou, colocando o bolo sobre o balcão da cozinha. “Parece delicioso! A senhora é aqui da ilha?”

“Nascida e criada aqui,” a mulher respondeu, sorrindo orgulhosa. “Pode me chamar de Madalena.”

“Sarah,” disse a menina, encostando-se contra o balcão e agora era possível ver que no antebraço direito ela tinha uma carta de tarô tatuada: a Morte. A garota pareceu perceber o seu olhar, pois ergueu o braço e riu. “Prometo que isso não é macabro.”

“Por que a Morte?” perguntou Madalena.

“É uma carta que representa mudanças. Eu fiz um pouco antes de me mudar pra cá, achei que fosse uma coisa boa para eu me lembrar,” ela explicou, encolhendo os ombros.

“Por que não a Torre? Também indica mudança.”

Sarah ficou em silêncio, pendendo a cabeça para o lado enquanto a olhava. Então um sorriso despontou em seus lábios. Ela havia entendido.

“A Torre é muito abrupta,” ela explicou. “A senhora joga?”

“Faz tempo que não faço isso.” A senhora sorriu.

“Legal. Eu estou juntando dinheiro para comprar um baralho,” a moça explicou. “Deve ser muito legal poder tirar as cartas em um baralho de verdade.”

“Como assim?” Madalena franziu o cenho. “Como você joga?”

“No computador, é claro.” Sarah encolheu os ombros e riu. “Quer ver?”

A mais velha permaneceu com as sobrancelhas franzidas enquanto a garota entrava para um dos quartos e saía trazendo um laptop, o qual colocou em cima da mesa de jantar e o abriu. Com movimentos rápidos dos dedos sobre o mousepad, a menina abriu uma janelinha e digitou algo na barra de endereços (ela podia ter setenta anos, mas Madalena sabia uma coisa ou outra de computadores, afinal, como ela iria colocar a Peppa Pig para os seus netos assistirem?).

“Aqui,” a garota falou, virando a tela para ela. Era um site simples com alguns desenhos de cartas e um botão onde estava escrito ‘Aperte aqui para fazer a leitura’. “É só apertar.”

Um pouco hesitante, a mulher clicou no botão na tela e a página mudou. Três cartas surgiram: a Torre, a Sacerdotisa e o Três de Pentáculos. Madalena encarou os desenhos no computador e depois sacudiu a cabeça, rindo um pouco alto.

“Não funciona assim, querida,” ela falou, olhando para a menina de um modo condescendente. “Como é que um computador vai saber o que você procura?”

“Bom, pra mim sempre funcionou.”

“Divinação é magia e magia é natural,” a mulher explicou, levando uma mão até a conchinha que usava pendurada em seu colar. “Computadores estão longe de serem naturais. Nada contra eles, muito pelo contrário, mas... Eles não servem para essas coisas.”

Sarah piscou algumas vezes, encarando-a em silêncio.

“Eu imagino que bruxaria deve ser algo muito chamativo para vocês hoje em dia.” Madalena falou, sorrindo enquanto apontava para o pôster na parede. “Mas não é bem assim que funciona. Leva tempo e aprendizado. A maior parte do que aprendi veio de um grimório da família da minha mãe, o qual minha avó me deu quando percebeu que eu tinha o dom.”

“Mas eu tenho isso,” a menina falou, estalando os dedos e fazendo uma vela no canto da sala acender. “Não é preciso de toda essa... Formalidade.”

“Ter o dom da magia não é o mesmo que ser uma bruxa. Me diga, aquele símbolo ali na porta, como sabe que ele funciona?”

“Porque eu o criei,” ela explicou. “Adoro desenhar essas coisas. Enquanto desenhava, pensava que queria algo que me protegesse e voilá!”

“Se quiser, posso lhe trazer um símbolo que funciona bem melhor que esse.”

“Mas esse é meu, entende?” A garota gesticulou para a porta. “Eu que criei, minha magia está nele e é por isso que sei que funciona.”

“Mas, querida-“ A senhora começou a falar, mas se interrompeu e arregalou os olhos ao ver, no aquário atrás da mesa, uma coisa comprida e escura se erguendo contra o vidro. “O que é isso!?”

“Ah, esse é o Loki.” Sarah sorriu abertamente e foi até o aquário, abrindo a tampa e tirando de lá uma cobra escura: as escamas brilhantes pareciam ser marrons e pretas e verdes em alguns lugares. “Ele só parece meio assustador, mas na verdade é um bobo.”

Madalena encarou a outra bruxa boquiaberta. Aquele apartamento quase vazio, aquela menina de shorts e regata com uma cobra enrolada no braço, aquele computador com um site que tirava cartas de tarô... Aquilo tudo era o completo oposto do que ela havia aprendido que era bruxaria. O mar, o cheiro do mato depois da chuva, a sensação da terra entre os dedos dos pés, as mãos cuidando de flores... Era disso que vinha a magia e era disso que saíam os feitiços. Não dos cabos de eletricidade e telas de LED.

Não, não, não... Aquilo simplesmente não funcionava.

***

As semanas que se seguiram foram passadas longe do apartamento do andar de cima. Madalena ouvia as músicas da menina, de vez em quando a via passar pelas escadas em roupas coloridas e jaquetas cheias de broches, sentia a magia dela de vez em quando, mas não voltou mais lá. Também não era grosseira: ela sorriu e conversou um pouco com Sarah quando ela apareceu para lhe devolver o prato do bolo, a cumprimentava na rua e aceitava a ajuda dela para levar algumas sacolas para dentro de casa. Sarah era uma boa menina e a única coisa que Madalena não gostava nela era o tipo de magia que ela praticava.

Quando o meio do ano chegou e seus filhos anunciaram que ficariam fora da cidade por alguns dias (Eliza iria para São Paulo e Pedro, para a Inglaterra), a senhora não pôde deixar de se sentir ainda mais solitária dentro daquele minúsculo apartamento. Claro, Merlin estava ali, ele sempre estava, mas sabia que durante aquelas semanas ela não poderia ir até Santo Antônio ou se distrair brincando com os netos. Era apenas ela e Merlin e o apartamento completamente seguro para uma mulher de setenta anos.

Foi em um dia frio de Julho, no terraço do prédio, que Madalena voltou a trocar mais do que algumas poucas palavras com a sua vizinha do andar de cima. Ela havia subido até lá para observar o mar e acabou encontrando a menina encarapitada em uma das muretas enquanto digitava algo em seu celular.

“Olá!” A garota sorriu, acenando para a senhora ir se sentar ao seu lado. Ela estava usando calças jeans e uma jaqueta de couro, tinha o rosto quase escondido dentro de um cachecol.

“Boa tarde,” ela falou, aproximando-se e vendo, de relance, que a menina estava enchendo a caixinha de texto com desenhos pequeninos.

“Feitiço.” Sarah deixou o sorriso se alargar enquanto virava a tela do celular para a mais velha: os vários desenhos repetiam um padrão, mas aquilo estava longe de parecer um feitiço para ela. “Feitiço com emojis. Esse aqui é para uma amiga que está nervosa com a prova de amanhã. Ela me pediu algo para ajudar.”

“Feitiço com emojis...?”

“Pense em runas,” a moça explicou. “Emojis são como runas, não são? Símbolos que representam alguma coisa. Você anda por aí com uma pulseira cheia de runas para proteção...” Ela apontou para o pulso magrelo de Madalena onde havia uma pulseira de couro com vários símbolos desenhados. “Eu mando minhas proteções por mensagem para os meus amigos.”

A senhora observou os desenhos no celular e depois suspirou, sentando-se ao lado da mais nova.

“Você, por acaso, já fez alguma magia de verdade?”

“Se por ‘de verdade’ você quer dizer ir no meio do mato para fazer algum ritual ou usar algum livro de feitiços passados de mãe para filha... Não,” disse Sarah, sem hesitar. “Eu morava em apartamento em Porto Alegre e meus pais nem sonham que eu possa fazer essas coisas. Nem todo mundo tem acesso à uma praia como vocês tem aqui ou um grimório antigo.”

“Eu não tenho acesso à praia,” a mulher resmungou, cruzando os braços na frente do peito. “Não mais. Sou muito velha para poder ser deixada sozinha, sabe?”

“E por que você não leva a praia até você?” Sarah perguntou e pressionou um lábio contra o outro com força quando a bruxa riu. “É sério. Eu tinha um amigo que amava o mar, mas era muito difícil ele poder chegar perto de uma praia durante o ano inteiro. Ele usava o que dava para fazer qualquer magia relacionada ao mar.”

“Isso não funciona assim, querida.”

“A senhora usava a água salgada pra purificar as suas coisas? Mistura um pouco de sal grosso na água da torneira e pronto. Se você quiser que aquela água salgada tenha o mesmo efeito da água do mar, ela vai ter!” a menina falou. “Você quer ouvir o mar? Abre o YouTube e procura um vídeo com barulhos do mar, tem vários. O cheiro? Aposto que têm velas e essências de algas por aí. Não é o ideal para alguém que viveu numa praia, mas é um jeito de tentar essa conexão novamente.”

“Mas eu não vou estar sentindo a água e a areia! O som vai vir de um computador e não do mar! Uma tigela de água com sal não tem o movimento das ondas!” Madalena resmungou, encolhendo-se mais. Como aquela menina queria que ela fingisse que tinha o mar dentro de casa?

“Por isso que se chama magia.” Sarah lhe deu uma piscadela e pulou da mureta, indo até o parapeito e olhando para a rua lá embaixo. “Minha carona chegou. Vejo você depois, Dona Madalena!”

A mulher observou enquanto a moça sumia atrás da porta corta-fogo. Depois, voltou a olhar o mar lá na frente sob o céu nublado que começava a ficar arroxeado com a noite que chegava. A superfície da água estava crispada e ela não duvidava que uma tempestade chegasse naquela noite. Infelizmente ela não poderia ouvir o barulho das ondas quebrando na praia com força e do vento uivando sobre a água. Não dali.

Madalena praticamente se arrastou de volta ao seu apartamento, encontrando Merlin dormindo no sofá e sentindo um aperto chato no peito. A mulher se escorou na porta, brincando com a concha em seu colar por alguns minutos e ouvindo a chuva começar a cair do lado de fora. Os pingos estalavam contra a calçada de lajotas lá fora, um som bem diferente da chuva caindo no mar.

A bruxa respirou fundo e foi até o seu quarto, encontrando o computador (presente de seu filho) e o levando até a sala. Um tanto lenta, afinal, nunca que seus dedos teriam a agilidade dos de Sarah na digitação, ela ligou o aparelho e procurou o YouTube. Ficou um pouco surpresa com a grande variedade de ‘barulho ambiente de mar’ que encontrou por lá, mas finalmente encontrou um com duração de quase uma hora e o colocou para tocar, depois de abrir a janela e deixar o frescor da chuva entrar.

Ela colocou o computador no chão e puxou Merlin para o seu colo. O gato ronronou alto, esticando-se sob os seus dedos que agora o afagavam e a mulher sorriu. Madalena fechou os olhos e concentrou-se no som da chuva e do mar... Para a sua surpresa, logo eles pareceram vir do mesmo lugar e não demorou para que a bruxa conseguisse praticamente visualizar o mar na sua frente: cinzento e revolto, as ondas quebrando na areia e empurrando pedrinhas e conchas pela praia. A maresia batia em seu rosto e o cheiro de algas enchia o seu nariz. O mar basicamente a chamava, contava-lhe histórias e mais histórias, falava tudo o que tinha para dizer desde a última vez que haviam visto um ao outro.

Por quarenta minutos ela ficou ali, de olhos fechados e com Merlin ronronando em seu colo. Aquilo era tão simples e tão real, algum tipo esquisito de bruxaria que a fazia estar muito perto do mar mesmo estando longe. E, o mais engraçado: fora algo que ela conseguira sem seguir um ritual elaborado escrito no grimório de sua família.

Talvez a bruxinha do andar de cima estivesse certa. Talvez magia fosse, no fundo, apenas querer muito que alguma coisa acontecesse. Bastava querer e qualquer coisa se tornaria mágica.


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Notas finais do capítulo

Este sou eu falhando legal na hora de escrever algo original hahahaha. Sei lá, eu ainda tenho dificuldade de lidar com coisas originais.