Todo o Espaço Entre Nós escrita por Tai Bluerose


Capítulo 4
Festa de Despedida


Notas iniciais do capítulo

Desculpem qualquer erro.



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A percepção de que só lhe restava mais dois dias para compartilhar a vida na Enterprise com Spock, fez Jim tentar encontrar maneiras de passar mais tempo com o vulcano. Tarefa que se tornou mais difícil do que ele imaginava.

Com a sua saída do posto de Oficial de Ciências e de Primeiro Oficial, Spock estava determinado a entregar tudo o que estava sob a sua responsabilidade perfeitamente concluído, catalogado, registrado, revisado e organizado. Ele passava horas nos laboratórios, ajudando os cientistas a concluírem os experimentos e conferindo os relatórios de avaliação de resultados.  Conferiu e atualizou todo o inventário da nave, preparou a lista de todos os materiais, mantimentos e equipamentos que precisavam ser reabastecidos. Spock teve o cuidado de colocar uma nota pessoal para o próximo que ocupasse seu posto:

Não esquecer de verificar se há estoque suficiente de café extra forte. Pó de café real, não o replicado. Segue em anexo uma lista com os tipos favoritos do Capitão Kirk e onde encontra-los.

Ele achou que era algo importante a especificar. Talvez o próximo oficial não fosse tão atento ao que o Capitão gostava de beber. E Spock tinha notado há muito tempo que o humor de Jim melhorava consideravelmente depois de sua xícara de café matinal.

Jim, por sua vez, estava sobrecarregado com sua própria parcela de tarefas. Ele gastara grande parte dos dois últimos dias na Engenharia com Scotty e Keenser, analisando quais melhorias deveriam ser feitas nos motores de dobra enquanto a nave estivesse na Terra. Normalmente, Jim não acharia essa uma tarefa tão enfadonha, mas Keenser estava gripado e os remédios de McCoy não estavam sendo muito ágeis. Foi uma coisa horrível! Eles perderam um relatório completo por conta de um espirro de Keenser. Quem iria adivinhar que a mucosa nasal de Keenser era ácida?  McCoy isolou Keenser na Enfermaria, Jim e Scott precisaram refazer o relatório do zero.

Havia momentos em que Jim ficava livre, mas Spock estava sempre ocupado com alguma coisa.

― Ei, Spock? O que acha de uma partida de xadrez?

― Agradeço o convite, Capitão, mas devo recusar. Estou verificando com o Sr. Sulu e o Sr. Chekov a precisão de nosso sistema de navegação. Outra hora talvez?

― Claro.

Jim até ficou acordado até depois de uma da manhã, na esperança de que Spock aparecesse. Ele não veio.

 Jim fez outras tentativas, mas Spock tinha uma reunião com o Departamento de Xenolinguística, uma inspeção em conjunto com Chefe de Segurança, o Ten. Comandante Giotto, e outras coisas mais. Parecia que Spock estava auxiliando ou acompanhando todo mundo em alguma tarefa. Todos exceto o capitão.

― Sr. Spock, quer se juntar a Magro e eu para o almoço? ― tentou mais uma fez quando deixava a Ponte de Comando juntos.

― Sinto, Capitão. Dei minha palavra a Tenente Uhura de que almoçaria com ela. Numa outra oportunidade, talvez?

Spock pareceu não perceber que não haveria outra oportunidade, aquele seria seu último almoço na Enterprise. Jim preferiu não comentar esse pequeno fato.

― Tudo bem, bom almoço.

― Desejo-lhe o mesmo, Capitão.

Era uma sensação um tanto incômoda assistir Spock e Uhura almoçando juntos a cinco mesas de distância. O casal conversava amigavelmente. Eles formavam um casal bonito, Jim tinha de admitir. Apesar de algumas poucas desavenças, Spock e Uhura sempre se acertavam. Talvez eles nunca se separariam.

Spock e Uhura tinham conversado e concordado sobre como o relacionamento deles funcionaria com a mudança. Garantir a proximidade mesmo com a distância. Parecia o tipo de coisa que casais maduros conseguiam fazer. Tão diferente de como as coisas tinham saído entre ele e Carol. Jim suspirou em resignação e voltou sua atenção para seu prato. McCoy olhava para ele com uma expressão estranha. Uma mistura de incredulidade e repreensão.

― Algum problema, Magro?

― Não sei. Me diga você ― o médico respondeu com todo seu jeito sarcástico.

― Não há problema algum. ― Jim respondeu com firmeza.

― Se você diz...

Os dois dias se passaram em velocidade de dobra, sem que Jim tivesse um tempo de qualidade com seu amigo vulcano. Eles tinham umas oito horas juntos na Ponte de Comando, mas não dava para ter uma conversa discreta ou mais amigável com tantos olhos e ouvidos observando. E também havia Uhura. Jim se sentia desconfortável em tentar conseguir a atenção de Spock quando Uhura estava por perto, mesmo dizendo a si mesmo que não havia razão para isso, ele não estava fazendo nada de errado.

No fim, Jim desistiu de tentar contato com Spock. Principalmente depois de ver o vulcano e Uhura caminhando juntos para o deck de observação. Os dois ficaram um bom tempo lá. Não que Jim estivesse monitorando o tempo. Era natural Spock querer passar suas últimas horas na Enterprise na companhia de sua namorada. Era o que Jim faria.

Em pouco tempo, a Enterprise estava chegando à doca espacial que orbitava o planeta Terra. Jim olhou para seu planeta azul sentindo um misto de alegria e tristeza. Atracada à doca, ainda presa ao ancoradouro, estava a USS T’Saura. Brilhando de nova. Recebendo os últimos ajustes, pronta para sair. Era duas vezes menor que a Enterprise, mas igualmente bonita.

― Sua futura nave, Capitão Spock ― Jim falou bem humorado. Todos na ponte olharam para a nave com curiosidade e começaram a despejar suas felicitações a Spock. O vulcano moveu seus olhos de Jim para a nave no ancoradouro. Spock se demorou lá, contemplando, mas sem demonstrar qualquer emoção. Jim desejou poder saber o que Spock estaria pensando naquele momento.

― É uma dama muito bonita, Sr. Spock ― falou Scott. O engenheiro, assim como o Dr. McCoy, se encontravam na Ponte de Comando, posicionados ao lado da cadeira do capitão. ― Adoraria dar uma olhada nas naceles dela. Espero que não seja muito geniosa, naves muito novas geralmente são.

Spock se dirigiu ao engenheiro:

― Fui informado de que uma equipe de engenharia já foi atribuída para a T’Saura. E não é uma dama, Sr. Scott. É uma nave. Um objeto inanimado e, portanto, desprovido de qualquer espécie de emocionalismo.

― Tal capitão, tal nave. ― McCoy falou e todos na ponte se esforçaram para conter os sorrisos.

― Sabe, Sr. Spock, sentiremos sua falta. ― Chekov declarou de repente. Sulu colocou a mão sobre o ombro do companheiro e meneou a cabeça concordando. O restante da tripulação ali confirmou sentir o mesmo.  Spock ficou realmente surpreso. ― Não será o mesmo sem o senhor aqui. Não é, Kaptan?

Chekov falou inocentemente, buscando em Kirk uma confirmação, pois sabia que o Capitão e Spock eram muito amigos. E se alguém ali sentiria mais a falta do Sr. Spock, talvez mais do que a Ten. Uhura sentiria, esse alguém seria o Capitão Kirk. Percebeu tardiamente que sua pergunta fizera todos cair em silêncio e, por alguns minutos, não se ouviu mais do que os bips dos computadores e equipamentos.

Jim se concentrou no painel e botões no braço de sua cadeira. Evitou olhar para Spock ou qualquer outro, embora sentisse os olhos sobre ele. Esperavam uma resposta, mesmo que já soubessem qual seria. Ele estava tão focado em parecer empolgado com a promoção de Spock, que não imaginou que isso poderia dar a impressão errada ao vulcano. Spock poderia concluir que ele não era querido pela tripulação e seu capitão. Que sua saída não seria sentida. A surpresa de Spock ao ouvir a declaração de Chekov e da tripulação só provava isso. Jim se perguntou se Spock tinha a certeza de que na Enterprise ele era amado, se não por todos, pelo menos por alguns. Isso, Jim podia garantir.

― Não. Não será o mesmo ― Jim respondeu finalmente. ― Todos sentimos muito ter de terminar a missão de cinco anos sem a sua companhia, Sr. Spock.

Jim forçou um pequeno sorriso, não sabia se para motivar Spock, a tripulação ou a si mesmo, mas não conseguiu mais do que isso. A tristeza se espalhou rapidamente. Jim não tinha certeza se todos estavam tão deprimidos quanto ele com a partida de Spock, ou se a melancolia crescendo dentro dele estava distorcendo sua visão da realidade.

― Falem por si mesmos ― McCoy fez-se ouvir. Atraiu a atenção de todos imediatamente. ― Eu, de minha parte, soltarei fogos.

Spock arqueou uma sobrancelha.

Risos tomaram o lugar do silêncio.

― Corrija-me se eu estiver enganado, Capitão ― Spock virou-se em sua cadeira para encarar Jim e McCoy, os braços cruzados. ― O lugar de permanência do Oficial Médico Chefe não é suposto ser a Enfermaria?

Jim sentiu um sorriso chegando. Ele amava isso em Spock. A insolência e o sarcasmo escondido em meio a suas palavras pronunciadas com estoicismo. A maneira de Spock mostrar seu lado rebelde e desafiador. Seu lado humano.

― Sim, você está certo, Sr. Spock ― Jim respondeu, falhando miseravelmente em conter o sorriso. McCoy encarou Spock com irritação.

― Está me expulsando da Ponte? Não há nenhum paciente na Enfermaria neste momento, portanto, sou livre para andar e permanecer em qualquer maldita parte dessa lata voadora. ― McCoy terminou seu argumento colocando uma mão no quadril e estalando a outra com veemência sobre o espaldar da cadeira de Jim, como se reivindicasse seu lugar ali. A sobrancelha de Spock subiu mais ainda. ― Inacreditável, mal é capitão e já quer me dar ordens.

― Na verdade, minha patente de comandante sempre me permitiu lhe dar ordens, Doutor. ― Spock acrescentou. Uma veia pulsava na testa do médico. ― O senhor é que sempre pareceu incapaz de obedecer.

― Maldição, Spock! Por que você sempre tem que me responder?

― Só estou corrigindo um equívoco seu.

― Rapazes, rapazes ― Jim tentava apaziguar. Ele ainda ria, como todos em volta. ― Acalmem-se. Não precisam brigar.

― Quem está brigando? ― McCoy indagou. ― Você está, Spock?

O vulcano meneou a cabeça negativamente. ― Estamos apenas argumentando, Capitão.

Claro que ninguém estava brigando realmente. Ninguém ali se odiava. Era apenas uma cena familiar, com a qual todos estavam acostumados. A alegria voltara rapidamente e McCoy sorria satisfeito consigo mesmo.

― Acho que devemos fazer uma festa de despedida para o Spock ― Jim teve a ideia subitamente. Todos pareceram concordar.

― E para a Carol também, não acha? ― McCoy sussurrou para Jim, e lançou um olhar significativo.

― Não sei se ela iria. Carol está me ignorando completamente. Ela conseguiu ser mais esquiva que o Spock. ― Sussurrou de volta.

― Não custa tentar. Você não quer passar a ideia de favoritismo, você quer?

Jim e McCoy se encararam.

― Uma festa de despedida para Spock e a Dra. Marcus. Vamos agendar um dia. ― Jim confirmou em voz alta. Ele percebeu que Spock o observava. Um olhar indecifrável.  O vulcano sustentou o olhar por mais alguns segundos antes de se virar para seu próprio console.

― Capitão? ― Uhura os interrompeu. ― Recebi a mensagem de que temos autorização para atracar.

― Obrigado, Tenente. Informe a equipe de segurança e todos os ordenanças para estarem a postos e ajudarem como puderem. Sr. Scotty, preparar Sala do Transportador e todas as naves auxiliares para o desembarque. Sr. Spock, preparar os grupos de descida. Pessoal, estamos em casa.

.

.

Eles chegaram a San Francisco no meio de novembro. Ficariam três meses na Terra, antes de voltar ao Espaço.

As três primeiras semanas passaram voando. Jim passou a maior parte do tempo em reuniões com almirantes e comodoros, cheio de trabalho burocrático. Só encontrou com Spock três vezes durante esse período. Duas vezes em uma reunião com Almirante Nogura para apresentar relatório das missões e em uma reunião com a Vice-almirante Garcia e o Sr. Scott para tratar do desempenho da nave. O resto do tempo, Spock esteve ocupado com os preparativos de sua própria nave.

Ninguém teve muito tempo livre até a segunda semana de dezembro. Em breve, todos receberiam licença e deixariam San Francisco para visitar os parentes em outros lugares do planeta ou em outros planetas. Jim queria fazer a festa de despedida de Spock antes que todos se dispersassem.

 Jim ficou agradecido por Uhura, Christine, Sulu e Scott o ajudarem com os preparativos. Jim arranjou e alugou um local confortável com espaço para muitas pessoas. Uhura cuidou da música. Christine ficou com a comida. Sulu fez a decoração e Scotty garantiria que houvesse bebidas para todos. Jim estava ansioso pela festa, pois não participava de uma desde a época da Academia. Houve festas diplomáticas, mas elas dificilmente poderiam ser consideradas festas de verdade.

Spock só aceitou participar da festa depois que Kirk e Uhura o convenceram de que o objetivo principal da festa seria confraternizar com os membros da tripulação e não somente para homenageá-lo. Para Spock, participar de uma festa em sua homenagem seria o mesmo que vangloriar-se. Vulcanos não se vangloriam. Mas confraternizar fora do ambiente profissional provou ser benéfico no passado.

Carol não estaria na festa. Ela tinha deixado San Francisco na mesma semana em que desembarcaram na Terra. Jim até tentou convencê-la, mas ela foi irredutível. Disse que precisava começar seu trabalho imediatamente. Jim percebeu que ela evitou lhe informar em que cidade ou país ficava esse trabalho. Jim não conseguia entender o comportamento dela. Ele não se lembrava de ter feito nada estúpido, ela também não parecia estar irada com ele. Talvez ele não lhe tenha dado tanta atenção, mas ele tinha se esforçado. Pelo menos ele acreditava ter se esforçado.

― Carol, olha, me desculpe se eu fiz qualquer coisa que te desagradou. Não foi de propósito ― Jim queria deixar isso claro. ― Tem certeza que você quer ir? A Enterprise vai precisar de um oficial científico agora.

― Jim... ― ela suspirou ― Eu cheguei a uma fase da vida em que percebi que preciso mudar. Eu preciso de mais segurança, mais estabilidade, mais quietude. Eu quero trabalhar em algo que eu realmente ame. Toda a minha vida, eu busquei agradar meu pai, porque ele era meu exemplo, meu espelho. Só me especializei em armamento por causa dele. Eu nunca... Eu nunca imaginei que ele... Toda aquela atrocidade. Foi uma decepção. Estar na Enterprise só me faz lembrar dele constantemente. Eu entendo que você ama estar lá em cima, mas eu não. Eu nunca quis servir em uma nave espacial. Só me transferi para a Enterprise porque desconfiei que meu pai estava tramando algo, e só permaneci lá porque eu estava confusa, sozinha e você me ofereceu uma família.

“Eu finalmente conclui minha especialização em Microbiologia e não posso perder a oportunidade de participar de um projeto que vai tornar possível a vida onde não há. Eu quero começar uma vida nova, uma família nova, uma carreira nova, no meu planeta. Espero que no futuro você me perdoe pelas minhas escolhas.”

― Você deve estar onde se sente bem. Te desejo sorte, Dra. Marcus.

Jim bateu continência para ela, sorrindo. Carol retribuiu o gesto.

― Obrigada, Capitão Kirk.

Carol deixou San Francisco naquele mesmo dia. Jim não voltou a ter notícias dela depois disso. E talvez nem voltasse a ter. Talvez fosse melhor assim. No momento, ele não se sentia inclinado a se envolver romanticamente com nenhuma mulher.

.

.

A festa começou por volta de 1930 horas de um sábado. O espaço era amplo e havia cerca de trezentas pessoas ali, bebendo, dançando ou conversando.

Nyota abria caminho em meio à multidão para ela e Spock passarem. A mulher ia apontando para os petiscos, a maioria veganos, e para a decoração dizendo quem tinha feito o quê e como. Ela estava feliz, Spock podia sentir a emoção irradiando do braço preso ao dele.

Eles caminharam entre as pessoas, parando aqui e ali para conversar com alguém ou para ouvir os parabéns ao Spock. Encontraram Scott e Chekov no bar, ambos discutindo sobre qual bebida era a melhor.

― E o Kirk? ― Nyota indagou. Ela pegou uma taça de vinho branco para ela e para Spock, embora Spock tenha dito que não queria beber.

― Eu não sei. Ainda não o vi ― Scott se curvou no balcão e praticamente gritou para que Nyota pudesse ouvi-lo.

― Talvez o Dr. McCoy saiba. Eu o vi ir naquela direção com a Christine. ― Foi a vez de Chekov gritar.

― Venha ― Nyota voltou a puxar Spock. ― Vamos procurar um lugar mais tranquilo para ficarmos.

Spock olhou para a multidão barulhenta com incredulidade. Além da música, todos falavam ou sorriam muito alto. Era ilógico. O ambiente era parcialmente iluminado e a pouca iluminação vinha de luzes coloridas que piscavam e rodopiavam irregularmente em todas as direções.

― Acho pouco provável existir um lugar assim aqui, Nyota.

― Na verdade há sim. Kirk garantiu que o local tivesse o que ele chamou de “Ilhas de Isolamento”. Ele imaginou que você fosse querer se esconder, então organizou esses lugares como... Lá! Você vê?

Nyota apontou para um canto com sofás expostos em um semicírculo e protegidos por uma amurada. Enquanto caminhavam para lá, Spock localizou outros espaços semelhantes. Havia um casal se beijando em um desses.

Nyota soltou o braço de Spock para cumprimentar Janice Rand, as duas começaram a conversar. Spock sentiu o seu PADD vibrar no bolso de sua calça e puxou o dispositivo para ler a mensagem que acabara de receber.

Leu o texto duas vezes. Desnecessário. Ele havia compreendido muito bem com a primeira leitura, ainda assim o fez.

― Algum problema? ― Nyota tinha voltado para ele.

― Não.

Ele desligou e guardou o aparelho.

Eles seguiram para seus lugares. Depois de alguns minutos, McCoy e Christine se juntaram a eles. O doutor trouxe com ele uma garrafa de vodca e vinha tomando uma garrafa com líquido azul.

― Espero que isso não seja cerveja romulana, Doutor. É ilegal na Federação.

― Não seja um chato, Spock. Você está numa festa. Divirta-se.

Enquanto estavam ali, vários membros da tripulação vieram para conversar e depois saíram. Sulu veio apresentar um amigo que também era botânico e que seria transferido para base Yorktown. Spock notou que os dois homens ficaram juntos a noite toda. Havia uma cumplicidade na maneira como conversavam e se comportavam perto um do outro. Era curioso. Sulu era sempre mais reservado. Talvez o interesse mutuo pela botânica facilitava a interação.

Inconscientemente, Spock passou a observar as pessoas que dançavam. Chekov estava dançando com Rand, a juventude e a vitalidade dos dois era notável. Arriscavam passos ousados e riam sem se preocupar com quem estava ao redor. Gaila dançava com quatro homens ao mesmo tempo ou talvez fossem eles que estivessem ao redor dela. Os machos normalmente não resistiam ao ver uma garota orion dançar, e orions adoram dançar; felizmente, os vulcanos são imunes ao feromônio dos orions.  Spock desviou os olhos e percorreu cada rosto humano e não-humano presente ali.

― Vocês me dão licença? Eu preciso ir ao banheiro. ― Christine remexeu em sua bolsa e se pôs de pé. A movimentação da enfermeira Chapel trouxe Spock de volta ao seu círculo de conversa. Ele nem tinha notado sua distração. Vulcanos não se distraem.

― Eu vou com você ― Nyota a seguiu.

― Sério, nunca entenderei por que as mulheres vão ao banheiro em bandos. ― McCoy apontou vagamente para a direção em que as mulheres seguiram. Ele voltou a encher seu copo com vodca e ofereceu a garrafa a Spock. Spock recusou, sua taça ainda estava pela metade do mesmo vinho branco, agora quente.

― Com certeza há uma explicação social e historicamente plausível para o comportamento em questão, Doutor. ― Spock correu os olhos pelas pessoas espalhadas pelo salão, as mesas, os sofás e finalmente a porta de entrada antes de voltar para McCoy. Não era a primeira vez que o vulcano fazia isso, McCoy percebeu.

― E que explicação plausível seria essa?

― Eu disse que há uma explicação plausível, não afirmei conhecê-la, Doutor.

Spock fez uma nota mental para questionar Nyota sobre isso posteriormente. McCoy franziu a testa.

― Então, nem o Senhor Sabe-Tudo entende as mulheres.

― Doutor, eu falho em compreender a falta de lógica nas ações dos humanos em geral, quanto mais daqueles de gênero feminino.

― Ora, seu bastardo vulcano, é um piadista agora?

― Posso ser muitas coisas, piadista não é uma delas. ― Spock sorriu internamente. Havia um certo prazer em irritar o médico.

― Minha cara que não é. Isso é influência do Jim. Ele te estragou.

Spock enrijeceu. Não pela sugestão de que James Kirk podia influenciar seu comportamento, o que não podia, mas pela simples menção do nome. Spock olhou mais uma vez para as pessoas presentes. Jim não estava ali.

― Jim tinha uma reunião de última hora com o Nogura, você sabe. Ele disse que provavelmente se atrasaria um pouco. ― McCoy usou um tom mais calmo, gentil. Spock evitou olhar para ele, concentrou-se na taça em sua mão.

― Ele me notificou quanto a esse imprevisto ― Spock fez uma pausa. ― Espero que não seja nada grave. As reuniões com os Almirantes não costumam ir tão tarde.

― Ele deve estar chegando.

Spock deu mais um gole em sua bebida, o gosto era desagradável, mas só havia bebidas alcoólicas na festa.

O Dr. M’Benga se aproximou e pediu licença para sentar-se com eles.

― Creio não ter tido a oportunidade de parabenizá-lo pela nova patente, Sr. Spock.

― Agradeço o gesto, embora parabenizações não sejam necessárias.

McCoy girou os olhos.

― Imagino que nessa nova nave haverá médicos vulcanos para atendê-lo. Fico contente em saber que estará em boas mãos lá.

― Agradeço a consideração, doutor. Também não tive a oportunidade de dizer-lhe algo antes. Suas habilidades e conhecimentos sobre Medicina Vulcana são realmente impressionantes.

M’Benga sorriu para si mesmo. ― Bem, só fui parar na Enterprise por causa delas, não é?

Spock encarou o homem com curiosidade.

― Explique.

― Quando a Frota Estelar entrou em contato comigo sobre um cargo de médico cirurgião na Enterprise, fui informado de que o Capitão Kirk tinha solicitado minha contratação. No entanto, ele havia exigido uma entrevista comigo antes. Lembro-me de ficar surpreso ao conhecê-lo, ele parecia bem mais jovem do que eu havia imaginado. Jovem, mas muito convicto em suas ações e decisões. Logo nos primeiros minutos de entrevista, ficou claro que o Capitão estava interessado em apenas uma parte do meu currículo acadêmico. Minha especialização em Medicina Vulcana.

 “Preciso saber se você se sente absolutamente confiante para prestar socorro a um vulcano em qualquer eventualidade que venha a ocorrer, ele me disse. Respondi que sim. Contei a ele sobre os anos em que trabalhei em um hospital no planeta Vulcano, e que fiz parte de equipe de assistência médica em urgência e emergência para os sobrevivente da destruição de Vulcano. Kirk ficou satisfeito ao ouvir isso.

Há quantos vulcanos em sua nave? Eu perguntei. Apenas um, ele respondeu. Um! Este garoto está me contratando por causa de um único tripulante? Eu pensei. Acho que foi ali que comecei a admirar e respeitar o Capitão Kirk.”

― Jim tem um grande coração ― McCoy acrescentou. M’Benga concordou com ele.

― Eu desconhecia esses fatos ― Spock falou quase em um sussurro.

Spock não teve tempo para aprofundar seus pensamentos, Uhura voltara e o chamava para dançar. Ele recusou. Movimentar-se em meio a tantas pessoas não parecia agradável.

― É uma música lenta. Vamos? Por mim.

Ele acabou cedendo.

McCoy aproveitou a saída do casal para se afastar da festa e tentar contato com Jim. O vulcano estava malditamente certo. Já passava das dez da noite, que inferno de reunião era essa? Jim não poderia mais estar em uma reunião a essa hora da noite. Em outras épocas, McCoy apostaria todas as suas fichas na hipótese de que Jim estaria se enrolando com alguma mulher ou alguma alienígena fêmea, talvez duas. Mas, agora, ele achava muito improvável Jim trocar a festa de despedida do Spock, festa que ele mesmo preparara, por algum rabo de saia.

Jim não respondeu suas ligações.

.

.

Spock acompanhava Nyota até a porta do apartamento dela. Nyota mantinha a cabeça apoiada em seu ombro. Ela parou em frente a porta e inseriu o código de acesso no terminal. A porta se abriu, Nyota deu um passo para dentro e se virou para Spock. As mãos dela deslizaram dos ombros do vulcano, percorrendo os braços até alcançar as mãos.

― É quase 0300 da madrugada e você ainda vai voltar para o seu apartamento. Não gostaria de passar a noite aqui comigo? ― Nyota se aproximou sugestivamente. Sua voz era quase um sussurro macio. Spock observou as mãos de Nyota acariciando as suas.

― Agradeço o convite, Nyota, mas devo recusar. Depois desta noite, acredito que preciso de algumas horas de meditação.

Ela gemeu e fez um beicinho. Spock olhou intrigado com o gesto.

― Tudo bem. Vou deixá-lo ir. Mas só porque você foi incrível esta noite.

Spock arqueou a sobrancelha. ― Não me lembro de ter feito qualquer coisa que posso remotamente ser descrito como incrível.

― Como não? Você socializou comigo, conversou com mais pessoas em seis horas do que você conversou em três anos na Enterprise, você bebeu e ainda dançou comigo. Acho que obtive o suficiente de você hoje. ― Nyota parecia muito feliz, então, Spock não contestou. ― Pena que Kirk não foi. Inacreditável! Como é que ele dá um furo desses?

― Ele tinha uma reunião no Almirantado.

Nyota soltou um riso de escárnio.

― Até meia-noite? Conhecendo Kirk, aposto que ele encontrou alguma garota bonita no caminho.

― É possível ― Spock não tinha pensado nessa hipótese.

― Ele é o Capitão Kirk e o respeito, mas Jim Kirk ainda é Jim Kirk, o conquistador. De qualquer forma, a festa foi legal. Nos vemos amanhã?

― Certamente.

Nyota se aproximou e eles trocaram um beijo.

.

.

Um barulho persistente tirou Spock de sua meditação. Ele abriu os olhos e olhou para o relógio na parede. 0700 da manhã. Ele se levantou de seu tapete de meditação e seguiu a fonte do barulho até seu quarto. Apanhou seu PADD e leu o nome familiar piscando no display. Respirou fundo e atendeu a ligação.

― Spock aqui.

― Spock, é o Jim.

― Eu sei, Capitão.

― É claro, certo. Ouça, eu... Desculpe não comparecer a sua festa. Isso foi horrível, eu sei. A festa foi ideia minha e você nem queria ir. Eu te convenci a ir e faltei. É uma merda, desculpe. Sério. Eu não queria ter faltado, mas fiquei preso na reunião.

― Capitão, desculpas são desnecessárias quando não há ofensa. Não estou ofendido. Compreendo perfeitamente que os deveres de capitão vêm em primeiro lugar. Você fez o certo.

― Mesmo assim, eu sinto muito.

Eles caíram em silêncio, mas nenhum dos dois tomou a iniciativa de encerrar a ligação. Spock podia ouvir a respiração de Jim, estava irregular. Spock desejou que Jim tivesse feito uma vídeo chamada, assim ele poderia avaliar o estado emocional de Jim pelo seu comportamento e expressões.

― Há algum problema, Jim?

― Não. ― a resposta veio rapidamente. ― Não, quero dizer... Sim, tem. Droga, Spock! Eu estou mentindo. Eu não fiquei a noite inteira em uma maldita reunião com o Nogura. Eu odeio reuniões e não suporto o Nogura.  É obvio que eu estou mentindo e você sabe que eu estou mentido, porque não está zangado comigo?

― Você não tem a obrigação de me dar explicações com respeito a suas decisões pessoais, Capitão. Compreendo perfeitamente que você pode ter tido suas próprias prioridades pessoais.

Jim ficou em silencio por cinco segundos.

― Eu não estava dormindo com ninguém, se é isso que você está insinuando ― a voz veio cansada.

― Eu não quis insinuar isso.

― Não, tudo bem. É a primeira coisa que todo mundo pensa. Magro já me encheu os ouvidos com isso ontem. De qualquer forma, eu só queria pedir desculpas.

― Jim, eu já disse que...

― Eu sei, eu sei.

Spock concluiu que Jim não pretendia revelar o real motivo de sua ausência, mas estava tentando garantir que Spock não tomasse conclusões erradas. Spock escolheu não pressionar Jim, mas sentiu que havia algo errado.

― Jim, há algo que eu possa fazer por você?

― Não, Spock. Não se preocupe. É besteira. Mas me diga, você se divertiu na festa?

― Foi agradável.

― Bom. Vou pensar em alguma coisa pra compensar a minha falta, ok?

― Se você deseja.

― Eu tenho que ir agora. Tchau.

Spock sentou em sua cama com o PADD em mãos. Não conseguiu voltar a meditar. No fim daquele mesmo dia, ele estava saindo da Embaixada Vulcana quando Jim voltou a ligar. Ele parecia mais animado. Spock ficou um pouco aliviado por isso.

― Hey, Spock, o que acha de sairmos para jantar? Não se preocupe, eu escolho um lugar que também sirva comida vegetariana. O que me diz?

Spock não soube o que dizer.

― Não precisa ir se não quiser... ― a voz soou incerta. ― Spock?

― Jantar é aceitável.

― Maravilha! Vou te enviar meu novo endereço e depois confirmo uma data e horário. Kirk fora.


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Notas finais do capítulo

Capítulo 5: Mesa Para Dois



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