Claustrofobia escrita por Astus Iago


Capítulo 1
Claustrofobia




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Corredor. É um corredor cinzento, cheio de cinza e cinzento. Limpinho como tudo, apenas cinzento. Um corredor em que me atrevi a entrar, o corredor onde devo morrer. O corredor por onde passo, cinzento. O corredor é cinzento. Eu sei que é cinzento.

As paredes pelo menos eram cinzentas, desbotadas, sujas como a própria sombra. O avançar delas, fechando o corredor, silencioso. Elas fechando-se, elas fechando-se. O teto fechando-se, aproximando-se do chão, e o chão subindo e subindo. Mas tudo sem se notar qualquer movimento. Só a sombra. O escuro à frente, o escuro atrás. Sem se ver um fim, sem se ver um início. Onde está a saída? Não existe saída.

Mas existia entrada. Era uma porta, era um quarto. Eu vim de um quarto porque hoje acordei num quarto. Desconhecido, só Deus sabe onde. Um quarto estranho. Acordei lá, sem me lembrar de adormecer. E só havia uma porta para este corredor. Eu esperei no quarto. Não trouxeram comida. Não trouxeram água. Eu esperei no quarto, mas não vieram. Não vem ninguém, eu vou até eles. Arrisquei sair pela porta, entrei no corredor. Este corredor. Este estúpido corredor. Não liguei ao papel que estava no chão do quarto, aquele que me dizia para ficar quieto em letras grandes. Quero sair daqui e já.

Onde se andava, agora baixa-se a cabeça. Onde se baixava a cabeça, agora rasteja-se. Não existe outra opção. Não existe uma janela, um buraco ou uma fenda que seja para se poder respirar nesta terrível espelunca. Não. Elas fecham-se. O corredor fecha-se sobre si próprio. As paredes querem-me. Querem abraçar o caminhante com os seus braços de cimento. Querem envolvê-lo com, com...

É difícil respirar e, com a cabeça, raspo no maldito cimento. O cimento, o cimento. Dói-me o topo da cabeça de ter raspado. Mas continuo a raspar. Que se lixe. Continuo a raspar até aparecer uma luz. Uma luz. Onde está a luz? Mas não existe uma luz que seja. A escuridão é o meu destino, parece ser. Só há escuro e mais escuro. Está escuro, escuro, escuro. E os braços doem-me. As pernas encolhem-se cada vez mais.

Em frente, vidros. Vidros cobrem o solo que, anteriormente, estava limpo. Solo de cimento. De cimento. Curiosamente, a parte por onde passei do corredor, a mais longínqua, parece mais apertada. Se esticar a perna para trás, corre o risco de ficar presa. Não quero ficar preso. Como é que fugia depois? Teria de amputá-la. Tenho vidros. Afiados. Teria de amputá-la. Cortantes.

Passarei por cima. Por cima desta estupidez toda. Ah. A fricção na carne, o desgosto. Ah. Aquele sangue novo, fresquinho, saindo dos dedos, brotando para a minha boca, para ser bebido. Lambido. A doença entrando-me no corpo. Ai, ai, ai. Jamais. Jamais pensarei em coisas parecidas. No que pensei? No que pensei, coisas malditas?! Eu sei lá, eu sei lá...

Ah! Ah! AH!

Tudo tão apertado. Tão apertado.

No céu há luzes. No teto há lâmpadas elétricas incrustadas na porra da parede. Em intervalos regulares. Três, três, três. Ou cinco, cinco, cinco. Deus que o sabia, só quero fugir. Só fugir, só fugir um bocadinho, eu não sei. Fica calor a cada passo. Qual passo? Cada rastejar do meu focinho, cada raspão do meu maxilar inferior na porra do cimento. Está calor, tanto calor. As luzes. Faz luz. Mas calor.

Um soco no vidro que cobre as lâmpadas que estão dentro do cimento. Ah! Ah! A minha mão. Ewh. Ah. A carne. A carne em cortes delineados, definidos sobre a minha pele de fuligem enegrecida. Sujidade. Todo sujo. Sujidade entrando na ferida e infetando. Sangra, sangra pulso abaixo. Que sangre! Continua, parvo, continua! Corre, quer dizer, faz isso mais depressa.

Não consigo ver o que está atrás de mim. O corredor engoliu tudo. É como se já não existisse entrada, como se tivesse sido comida por este cimento todo ou lá o que isto é. Nem dá para pensar voltar para trás. Não caibo. Não caibo. Não.

A frente, mais para a frente, mais para a frente.

O chão agora está molhado. Tenho quase a certeza de que está molhado. Não alucino. Não estou louco. Há água derramada sobre a porcaria do chão. E molho-me ao rastejar. Mas a água sobe. A água está a subir. O pescoço tenta trepar, quer dizer, estica-se para cima, para o topo. Mas bate no cinzento cimento. Bate no teto e é projetado contra as profundezas do oceano. A água cobre os olhos. Cobre a boca, cobre as narinas. Tapa-as. Infiltra-se nelas e, e...

AH...

Ah...

O respirar. De cabeça para cima. Agora rastejando de cabeça para cima. Magoando o pescoço, mas de cabeça para cima. Sobrevivendo, de cabeça para cima. Só de cabeça para cima.

O nariz é o único que fica de fora. A ponta raspando o teto. Como sempre. Ai, sempre. O vermelho escorrendo dela para se diluir na água, única coisa que vejo, porque me tapa os ridículos olhos. Ficam avermelhados também. Parece água turva. Mas parece que tem cloro, aquele que arde e arde e arde muito. Luto para não fechar os olhos. A ponta do meu nariz vai-se desfazendo. O teto aproximando-se do chão, as paredes uma da outra. Direita e esquerdo. E o nariz vai-se entortando. Vai-se partindo e eu afogando-me.

Porém, a água vai-se. Começa a haver menos água. Começo a poder rastejar confortavelmente. Mais do que estava. Joelhos feridos, pulsos, mãos, tudo ferido. Todo magoado, todo sangrento. Mas em frente não há luz. Ainda não. Só escuro escuro.

O cimento uniu-se completamente atrás. Não dá. Não é real. Não faz qualquer sentido. Não faz!

Em frente, vai-se unindo, como já disse, sem se mexer. Não parece mover-se mas sei que se move. Não é imaginação minha! Juro! Esta porra está viva! Ele quer matar-me, ele quer...

A frente está a ficar mais fechada. Está a apertar-se o caminho por onde tenho de ir. Mas tenho de passar por lá. Acho que já vejo a luz, já vejo uma luz.
Passo o braço direito, a porra do ensanguentado braço direito. A mão, a cabeça. Os ombros não passam. Estou entalado. Os ombros não passam. Fricciona, fricciona. AH! AH! AH! A carne arrancando do topo dos braços. Não interessa.

Quero viver, quero...

E não sinto as pernas.

E não sinto o corpo.

Não tenho controlo do braço esquerdo, também não se mexe.

Onde está?

Onde estão?

E em breve não sentirei mais nada.


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