Três Anos escrita por Mia Lehoi


Capítulo 6
Lírios




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Magali checou novamente o relógio de pulso, constatando que ainda faltavam alguns minutos para a hora que Do Contra dissera que iria busca-la. Olhou-se no espelho do quarto, um tanto nervosa.

Ele não dera detalhe nenhum sobre o tal programa, apenas pedira que ela vestisse roupas pretas e usasse sapatos confortáveis. Ela então escolhera uma calça jeans, uma blusinha com detalhes em renda e um par de sapatilhas, já que era o tipo de roupa que poderia usar praticamente em qualquer ocasião.

Seguiu até a sala e sentou-se no sofá, logo ligando a TV e zapeando os canais à procura de algo que a distraísse e ao mesmo tempo evitar que Mingau enchesse sua roupa de pelos brancos.

— Ele não quis dizer mesmo o que vocês vão fazer? – dona Lili perguntou, lá da cozinha, curiosa.

— Não. – a filha respondeu, um pouco emburrada. – Não sei nem porque aceitei. Do jeito que aquele garoto é doido...

— Bom, você está mesmo precisando de alguma coisa para se distrair. – a mãe estava obviamente preocupada com a garota, que passara os últimos dias em casa, comendo tudo o que não devia e assistido um filme de romance atrás do outro.

Magali fez bico, aborrecida por não ter como rebater aquilo. Ela realmente precisava. Se levantou num salto quando a campainha tocou. Por conhecer o garoto, achou que ele chegaria pelo menos um pouco adiantado ou atrasado, mas ele apareceu exatamente na hora marcada.

Ao abrir a porta, o encontrou vestido numa calça e camisa sociais pretas, com um suspensório cinza escuro e um par de tênis Converse completamente preto.

— Boa tarde, dona Lili! – ele cumprimentou botando a cabeça pra dentro da casa – Te prometo que é um trabalho direito e seguro! – completou, com uma expressão tão séria no rosto que fez a mulher enquanto era abraçada pela filha que se despedia.

Lá fora um velho Gol esverdeado estava estacionado, com uma moça loira de cabelos curtos que Magali conhecia bem ao volante e um rapaz muito parecido com ela no passageiro.

— Irene? A morena perguntou ao entrar no carro, surpresa.

— Oi Magali! – ela sorriu animadamente – Esse é o meu irmão Bruno. – apontou para o garoto, que acenou brevemente.

— Bom Magali, a Irene e o Bruno são fotógrafos e nós dois somos os assistentes faz-tudo deles! – Do Contra apresentou, com um entusiasmo exagerado.

— O quê? Eu não sei nada de fotografia! – confessou, constrangida.

— Relaxa. O Nimbus também não sabia nada da primeira vez. – a loira ofereceu um sorriso reconfortante.

— O Maurício então, nem comento... – caçoou Bruno.

— Mané... – o roqueiro murmurou, fazendo cara feia enquanto o outro ria. – É facinho, tu pega o jeito rapidão! – completou, apertando rapidamente a mão dela que repousava no banco.

A Menina corou levemente com aquele contato, mas logo reparou que para ele não era nada demais. Ele continuava encarando a rua enquanto o carro se movimentava, absorto em seu próprio mundo. Ela achava engraçado como desde criança ele sempre parecia alheio à realidade, mesmo com as loucuras que aconteciam constantemente naquele bairro.

Pararam na entrada de um dos condomínios no setor de mansões do Limoeiro e ao terem a entrada liberada pelo porteiro, seguiram até um lindíssimo casarão antigo de madeira, que mais parecia uma pequena casa de campo em meio à cidade. Várias pessoas vestidas com uniformes pretos como as roupas deles circulavam pelos jardins, algumas carregando itens de decoração e outras organizando o buffet. As mesas estavam debaixo de um grande toldo, separadas em duas fileiras grandes que deixavam um espaço no meio.

Os quatro jovens desceram do carro e logo uma mulher com aparência de uns quarenta e poucos anos veio cumprimenta-los, parecendo bem estressada. Magali tentou acompanhar as instruções que ela passava à Irene e Bruno, mas se distraiu pela decoração, toda feita com arranjos de lírios brancos e amarelos.

— Te juro que vai ser fácil. – Do Contra sussurrou – Tudo o que a gente tem que fazer é segurar os refletores quando eles pedirem, jogar umas pétalas, essas coisas.

— Então... – Irene virou-se quando a mulher saiu. – Nós vamos fotografar os bastidores primeiro. Você vem comigo para o quarto da dona Celina e os meninos vão ver o seu Antônio. – Magali assentiu, embora não soubesse direito o que aquilo significava.

Enquanto seguiam os longos corredores da grande casa, Irene foi explicando que aquela era a festa de bodas de ouro daquele casal, que renovaria seus votos de casamento. A Moça que falara com eles era a filha mais nova, que estava organizando a cerimônia junto com seus quatro irmãos.

— Vocês devem ser as garotas das fotos! – a senhora sorriu, esperando-as na porta do quarto, obviamente ansiosa.

— Meninas, esta é minha mãe. – a filha introduziu, enquanto sua mãe já chamada as duas para dentro do quarto.

Ela ainda era uma mulher muito bonita, com cabelos brancos que iam até o queixo e caíam levemente anelados sobre seu rosto. Tinha um sorriso doce e olhos castanhos que transmitiam muito entusiasmo. Vestia um roupão branco e calçava um par de chinelos felpudos, mas o cabelo e a maquiagem já estavam sendo feitos.

A loira conversou brevemente com ela para que combinassem algumas poses e partiram para as fotografias. Magali teve se subir numa cadeira para segurar o cabide com o vestido, um lindo tubinho com mangas compridas de renda que ia até a altura dos joelhos, de forma que a luz da janela batesse nele de forma perfeita. Fotografaram a senhora terminando de passar sua maquiagem e fazendo o penteado, tudo isso enquanto ela falava sobre a história de seu casamento e sobre a felicidade que sentia naquele momento.

— O que acham? – ela perguntou, mostrando o resultado final de sua produção. – Sinto que está faltando alguma coisa...

— Hm... Eu tenho uma ideia. – Magali intrometeu-se, depois de algum tempo de silêncio. Corou por conta da atenção que as duas agora dedicavam a ela, mas continuou falando. – Posso roubar um daqueles lírios?

— Claro querida! – a senhora sorriu.

— Já volto! – foi o que a menina disse, antes de sair correndo até o jardim. Encontrou um dos rapazes da decoração, que carregava um enorme vaso com as flores que deveriam colocar nos centros de mesa e lhe pediu um dos lírios amarelos. A ideia era meio óbvia, mas fez toda a diferença. A flor, quando presa no cabelo da senhora, deu um toque especial à produção, tornando-a ainda mais única.

As duas jovens se despediram dela quando as filhas chegaram para a ajudarem com o vestido. Ao voltarem para o jardim, encontraram os garotos adiantando as fotos da decoração. Bruno estava agachado no chão tentando se equilibrar para tirar a foto que queria, enquanto Do Contra segurava o rebatedor de luz da maneira que o outro pedia.

Aquele trabalho era realmente gratificante. Durante toda a festa Magali se sentira parte daquilo, daquele momento único para aquelas pessoas. Eles acompanharam de perto todo o evento, desde a chegada dos primeiros convidados, a entrada das famílias, o olhar emocionado do senhor Antônio quando sua esposa entrou, o corte do bolo, os discursos do casal um para o outro, os discursos dos filhos e netos, os bisnetos brincando pelo espaço, as pessoas dançando, conversando e rindo enquanto a banda tocava canções românticas de várias épocas.

Com certeza não era apenas diversão. Ela se via o tempo todo segurando coisas, tentando organizar as pessoas nas poses, tendo que se esticar, subir em cadeiras, fazer vários esforços para que a iluminação sempre saísse perfeita. Ainda assim, ao fim da festa, se sentia estranhamente recompensada.

— Atenção equipe, hora do descanso! – Bruno chamou, abrindo um sorriso exagerado. – Se vocês dois quiserem, podem ir lá na cozinha beber água e tal. Nós já encontramos vocês.  – cumprimentou, apontando os ajudantes.

Os dois seguiram para entrar pelos fundos da casa. Ao entrarem, encontraram o casal de idosos conversando entre si, aparentemente felizes por terem um momento à sós agora que a maioria dos convidados já havia ido. Eles riam juntos e trocavam olhares apaixonados que fizeram Magali sentir borboletas no estômago.

Do Contra a olhou, sem saber o que fazer, e juntos eles tentaram se retirar sem que os anfitriões os vissem, mas não conseguiram.

— Ei! – chamou o sr. Antônio, fazendo-os congelarem onde estavam.

— Er... Mil desculpas, a gente já ia embora e... – a garota começou, ao ver as sobrancelhas do senhor se arquearem.

— Que isso, rapaz! – ele riu – Vocês comeram pelo menos um pedacinho de bolo?

— N-não... – respondeu Magali, sem graça.

— Tem certeza que querem oferecer bolo pra ela? Essa menina é magrinha mas come até as paredes. – Maurício falou, abrindo um sorriso brincalhão. Magali lhe deu um pequeno soco no ombro, envergonhada.

— Nós fazemos questão! – a senhora continuou – Só não contem pra ninguém que estamos aqui. – deu uma piscadela, enquanto ia até a geladeira e pegava quatro potinhos de bolo. – Querem água também? – perguntou, depositando os potes no balcão para pegar a garrafa. – Vocês dois são um casal muito bonito. – sorriu, vendo-os se servirem.

— Obrigado! – DC abriu um sorriso enorme. – Mas nós não somos um casal. – completou ao levar outro soquinho da garota.

— Que gafe a minha... – Celina respondeu, colocando a mão sobre a boca – Boa sorte na vida, queridos! – prosseguiu, ao ver que eles se preparavam para se despedir.

— É pra deixar bolo pros colegas de vocês, hein? – Antônio brincou, dando risada.

Segundos depois eles reencontraram Irene e Bruno para irem embora. Os dois agradeceram muito pela ajuda e prometeram repassar o pagamento dali a alguns dias. Do Contra desceu junto com Magali quando pararam na casa dela e a menina agradeceu mentalmente por ninguém ter perguntado porque ele fez aquilo.

— E aí, te ajudou? – ele perguntou, assim que ficaram sozinhos.

— Surpreendentemente sim. – ela sorriu. – Quando vocês se conheceram?

— O Nimbus foi contratado pra fazer mágicas num aniversário que a Irene tava fotografando. O Bruno era ajudante dela, mas eles resolveram que precisavam de mais gente... Aí desde então a gente ajuda eles quando dá. – deu de ombros.

— Uau. Eu nem sabia que ela é fotógrafa...

— Acho que ninguém sabe.

— Espera aí que vou pegar umas colheres para a gente comer isso. – apontou os potes de bolo, já entrando na casa. Quando voltou ele estava sentado no muro baixo que circulava o jardim, parecendo bastante cansado.

— Vai cumprir sua promessa? – ele perguntou, lembrando-se de quando ela prometera que tentaria resolver as coisas com Cascão.

— Eu... – ela mordeu o lábio inferior, juntando-se a ele no muro. – Vou. – suspirou pesadamente. – Sabe, ver aqueles dois tão apaixonados depois de tanto tempo... Me fez imaginar se isso vai acontecer comigo... Já se sentiu assim?

— Ahn... Não. – respondeu, depois de parar pra pensar. – Eu nunca consegui acreditar que eu e a Mônica íamos durar muito tempo.

— Sério? – Magali arqueou as sobrancelhas – Eu achei que eu e o Quim íamos ser pra sempre. – sorriu diante daquela memória distante – Depois achei que eu e o Cas íamos durar pra sempre...

— E agora...?

— Eu não sei.

— Mas vale a pena tentar.

— É, vale. – ela respondeu – Nossa DC... Me sinto tão brega falando essas coisas logo pra você!

— Ué, por que?

— Sei lá, você viajou o país todo tocando numa banda e eu aqui falando de casamento e...

— Posso te contar um segredo? – interrompeu, olhando-a de forma muito séria. – Eu fui príncipe de quinze anos uma vez. – continuou, assim que ela assentiu.

— Quê?

— A gente tava na estrada sem dinheiro, daí tocamos num bar e a filha do dono encucou que queria que eu fosse o príncipe da festa de quinze anos dela... Ele ofereceu um cachê, né... – sorriu amarelo.

— Nossa! – ela riu alto – Me senti um pouco menos ridícula agora.

— Mas o resto da viagem foi totalmente rock n’ roll, eu juro! – defendeu-se – Não conta pra ninguém.

— O grande Do Contra também tem vergonha de coisas mundanas como o resto de nós reles mortais! – a garota arregalou os olhos de forma exagerada, deixando-o sem graça.

Ele fez cara feia, mas logo riu. Ainda conversaram por alguns minutos antes de ele decidir ir pra casa. Magali correu para tomar banho e deitar em sua cama para descansar. Havia sido um dia bem agradável, diferente de todas as experiências que já vivera. Pela primeira vez desde que chegara ao Limoeiro conseguira se desligar daquela atmosfera pesada e negativa que a perseguia em todos os instantes.

Talvez fosse a presença de Maurício, ou talvez fossem apenas as distrações que aquele trabalho lhe proporcionara, ela não sabia dizer. Mas lhe fizera um bem danado.

Vestiu seu pijama, escovou os dentes, deitou-se em sua cama e pegou o celular pela primeira vez desde que saíra de casa mais cedo.

Haviam três chamadas não atendidas de seu namorado.

Talvez as coisas pudessem mesmo ser consertadas.


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Notas finais do capítulo

Bom, primeiro gostaria de pedir desculpas por estar soltando o capítulo sem responder as reviews. To bem atarefada essa semana, mas não queria perder o ritmo de postagem (que demorei pra recuperar inclusive). Logo responderei as mensagens maravilhosas de vocês! ♥
Esse foi um capítulo bem gostosinho de escrever, quase uma dimensão paralela, né? Bem diferente do restante da história. A ideia foi essa mesmo, descontrair um pouco.
Gosto muito de escrever o DC aqui na fic. Talvez ele não esteja mais TÃO Do Contra quanto antes, porque a vida adulta às vezes faz a gente deixar de levar as nossas ideologias tão ao pé da letra e eu acho legal explorar isso nele.
Enfim, finalmente o Cas vai aparecer? SIIIIIIIIM
Finalmente!
Kisses ♥



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