As duas semanas se seguiram com muita troca de farpas entre os dois, mas nenhum tocou nos assuntos desconfortáveis. Allena continuou comendo no quarto de Willian, no entanto, dia sim e dia não, ele saia pela tarde e só voltava depois de meia-noite, causando curiosidade na mesma. Ela queria perguntar, mas da última vez que se intrometeu, as coisas não terminaram muito bem.

Olhou para Willian que terminava o almoço atentamente, observando como seus cabelos negros eram bagunçados, e grande o suficiente para cair sobre seus olhos, e, como seu nariz empinado combinava perfeitamente com a moldura de seu rosto. Ela tinha que admitir, ele era um garoto bonito.

— Você é tão branco que consigo ver suas veias daqui, sabia? – comentou como se não quisesse nada. – Deve ser porque você sempre está andando por aí com roupas de quem vai para enterros.

— Melhor do que andar por aí como se estivesse trabalhando no circo. – Willian serviu Allena e sentou-se, percebeu que a garota mantinha seus olhos ainda fixos nele, deixando-o um pouco sem graça. – O que foi? Perdeu alguma coisa na minha cara?

— Não é nada, só reparei que você é um rapaz muito bonito. – nesse momento, Will quase se afogou com o suco que bebia. Como ela podia dizer algo como isso tão naturalmente como se fosse um “bom dia”?

— Uma pena que não posso dizer o mesmo. – mentiu, nunca diria que achava Allena bonita, mesmo usando aquelas roupas esquisitas e tendo um cabelo que só de olhar o irritava.

— Will malvado como sempre, desse jeito você parte meu coração. – disse em um falso choro, para logo sorrir. – Além disso, não me espere para jantar, vou comer fora.

— Eu não faria janta hoje mesmo, de qualquer forma, isso me deixa menos preocupado.

— Oh, então quer dizer que se preocupa comigo, que amor! – provocou com um tom de voz meloso.

— Vá para o inferno!

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Allena entrou naquela residência tão conhecida por ela. Apesar de tantos anos terem se passado, os móveis, o pequeno jardim, até mesmo o cheiro de chá de hortelã que o lugar tinha era o mesmo. Amava aquele lugar mais que tudo, mesmo que significasse que sua existência fosse indesejada.

— Tia Lena! – ouviu uma voz gritar ao longe no corredor, quebrando sua linha de pensamentos. – Eu ‘tava com saudade de você! – exclamou o pequeno garotinho, que pulou nos braços de Allena depois de correr até ela.

— Que abraço gostoso! – assim que soltou o menino, Allena percebeu que ele se parecia muito com Willian, só que loiro. – Pode me levar até a Vovó Cecília, Enzo? – perguntou, recebendo um aceno positivo.

Andaram pelos pequenos corredores, onde a cada criança que encontrava, Allena parava para abraçar, fazendo Enzo ficar emburrado, já que o mesmo tinha muito ciúmes. Assim que entraram em uma porta indicando “diretoria”, uma senhora terminava de costurar uma fantasia de coelho.

— Vejo que a senhora conseguiu terminar as fantasias, vovó! – Allena foi em direção da mulher, onde lhe deu um abraço caloroso. – Eles ensaiaram direitinho?

— Ah, minha filha, parece que todos possuem seu talento, incluindo o talento de deixar qualquer um maluco! – comentou sorrindo, deixando mais visíveis suas marcas de expressão.

— Você vai ver vovó, vamos reerguer esse orfanato!

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Willian entrou pela porta dos fundos do famoso restaurante Imperium Park, indo em direção ao vestiário para colocar sua roupa de garçom. Fazia um ano que havia sido contratado, e, nesse pouco tempo, era considerado um dos melhores empregados, sendo sempre elogiado pelo seu serviço e competência. Havia conseguido um trabalho noturno para poder se manter no dormitório e pagar seus gastos, já que não recebia dinheiro da sua família, tendo que se virar o quanto antes.

— Bem-vindo, Willian! – cumprimentou um rapaz moreno, entregando um bloco nas mãos de Will. – Vamos que hoje temos muito trabalho, o restaurante está lotado, mano!

— Ok, ok, já entendi, Pedro.

Assim que Willian entrou no salão principal, observou que havia pessoas de grande porte, então começou a acomodar os clientes, inclusive juntando mesas ou providenciando cadeiras. Ele também anotava os pedidos dos clientes, e servia-os depois de esclarecer sobre os pratos constantes do menu.

Quando Will voltou para a cozinha pegar mais pedidos, ele se assustou ao ver a quantia de pratos para apenas uma mesa, fazendo-o pensar quem seria os seres a bater o record de fome de Allena.

— Ei, cara, pode deixar que eu levo esse pedido. Qual mesa? —   disse ao mesmo moreno que o cumprimentou.

— Mesa 36. – respondeu já entrando na cozinha.

Willian ficou curioso com a possível pessoa mais gulosa que Allena, então decidiu confirmar, só não esperava que a pessoa fosse a própria Allena Lion. Pior, uma Allena loira vestida de Alice com cerca de dez monstros fantasiados de coelho. Ele estava dando quase meia volta quando ouviu seu nome em alto e bom som.

— O que faz aqui, Will? – perguntou a garota sorridente assim que ele se aproximou.

— Eu trabalho aqui, sua malu... senhorita. – por um momento, Willian quase se esquece de seu profissionalismo. Então, começou a colocar os pratos sobre a mesa, sentindo-se desconfortável sobre tantos olhinhos curiosos.

— Crianças, esse é o tio Will, ele é o meu... – Allena por um momento parou, o que ela era para ele? Um parasita? – colega.

Antes mesmo de Willian dizer qualquer coisa, sentiu uma dor alucinante na canela, ele olhou para baixo e encontrou um coelho. Ele havia o chutado.

— Seu coelhinho raivoso! – murmurou, tentando manter a calma. – Segura esse seu filho!

— Enzo, não faça isso, ficarei chateada! – repreendeu, fazendo o menor ficar emburrado.

— Descupa’. – falou estendendo os braços para Allena, que toda derretida o pegou, colocando-o sentado em seu colo. Enzo sorriu sapeca para Willian, o irritando ainda mais.

— Sirvam-se, com licença. – disse Will sorrindo falsamente, enquanto saia.

Willian a cada momento observava a mesa de Allena, pensando em como ela estava comportada apesar de suas roupas, sem dizer daquela peruca loira que não combinava nada com ela.

— Vocês viram aquela esquisitona na mesa 36? —  disse um dos garçons, chamando a atenção de Willian. – Tem alguns clientes reclamando, principalmente das crianças, mas tem outros perguntando se faz parte do restaurante, e se poderiam tirar algumas fotos.

Antes que Will falasse algo, ouviram um tumulto no meio do salão principal, chamando atenção de todos os clientes e empregados do local. As crianças começaram a correr, passando por debaixo das mesas e rodeando o salão, dizendo “Estou atrasado!!”, enquanto Allena tentava seguir cada um deles.

A maioria dos clientes se impressionavam com os pequenos coelhinhos durante sua curta apresentação de Alice no País das Maravilhas, sendo aplaudidos após o término. Allena aproveitando a deixa, pediu um minuto da atenção deles, ganhando até mesmo as dos que ficaram incomodados.

— Primeiramente, quero me desculpar pelo transtorno que causei. – pediu ela, olhando principalmente para Willian, que apenas observava incrédulo tamanha façanha. – E, em segundo, gostaria de pedir a colaboração de vocês para reerguer o Orfanato Merlyn, para que possamos manter as crianças em boas condições. – então todas as crianças se enfileiraram ao lado de Allena e se curvaram junto dela. – Por favor, senhores!

~~

— Eu não acredito que conseguimos toda essa grana!! – exclamava Allena, enquanto levava as crianças para o orfanato junto de Willian, ainda vestida de Alice, mas sem a peruca, tendo Enzo sempre agarrado em si, lançando olhares mortais para o moreno. – Se eu soubesse teria feito isso antes!

— Poderia ter feito em outro lugar, queria me irritar, é? – perguntou indiferente.

— Claro que não! Descobri lá na hora mesmo. Se eu soubesse que você trabalhava naquele restaurante de gente rica, eu teria ido antes comer na sua conta. – sorriu travessa.

— Não pode sair fazendo seu show de circo onde quiser, até parece criança, igual esses seus monstrinhos!

— Ei! Não fale assim das minhas crianças, pelo menos eles são menos irritantes que você!

Nessa altura os dois já estavam em frente ao orfanato, Allena se despedia de cada criança com um abraço, prometendo voltar em breve. Assim que abraçou Enzo, o meu começou a golpear Willian.

— Não ‘vo entregar Tia Lena ‘pa você, ela é minha! Eu ‘vo casar com ela! – Willian apenas ria da situação.

— Como se eu fosse querer essa fantasia de carnaval ambulante.

— Não ‘fala assim dela! – dizia furioso o pequeno.

— Quando você tiver um metro e meio a mais, a gente conversa, tampinha.

— Will, deixa ele em paz! E, Enzo, chega disso, entre antes que a vovó venha te buscar aqui fora. – com um último abraço no menor, Allena e Willian seguiram em direção ao dormitório, os dois, extremamente cansados.

— Quem diria que você era voluntária de um orfanato. – comentou o moreno, após um tempo caminhando.

— É uma longa, ou não tão longa história. – começou a contar, enquanto chutava as pedrinhas que vi pelas ruas. – Sabe, eu vivi naquele orfanato dos meus dois até doze anos de idade, até ser adotada pela família Lion. E, não faço ideia de como eram meus pais biológicos. Minha família adotiva tem procurado eles, por um pedido meu... Só quero saber o motivo de ter sido abandonada. – sorriu tristemente.

Willian ficou surpreso com tal informação. Não imagina que ela tivesse esse passado, e que ainda quisesse saber os motivos de ter sido entregue ao orfanato, mesmo que isso a abalasse profundamente. Ele não queria ver aquele semblante em seu rosto, mas não sabia confortar alguém, ou o que deveria falar nesse momento, então ficou em silêncio, fazendo um leve carinho em seus cabelos espalhafatosos.

— Hey, Michels, o que teremos de segundo round para comer? – perguntou, afastando toda aquele aura melancólica, fazendo Willian revirar os olhos, mesmo que aliviado.

— Eu mereço!