O Espelho de Delfos escrita por Paulo


Capítulo 4
Uma visita inesperada


Notas iniciais do capítulo

Henry está mais envolvido nessa confusão do que imagina. Tudo à sua volta parece desandar e não há outras alternativas a não ser chorar, mas tudo muda quando ele recebe uma visita durante a noite.



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Ao contrário do que Meredith ordenou, Henry não se sentou. Ficou encarando as labaredas da lareira arderem.
Amassou a carta e jogou no fogo. As chamas lambiam as bordas da carta e o fazia lembrar de como desejava que tudo voltasse ao normal. Parecia que fazia semanas que essa confusão começara, mas eram​ apenas dois dias.
O silêncio era desconfortante, o clima parecia mais frio que o normal, não sabia as horas mas já era bem tarde. Sua mente estava à mil. Pensamentos e mais pensamentos de como consertar essa bagunça passaram diante de sua cabeça. Vislumbres de sua mãe veio a tona, não conseguindo mais suportar, desabou em lágrimas. Joelhos tocando o chão frio de madeira, mãos cobrindo o rosto iluminado apenas pelo fulgor das chamas. Que postura, pensou, antes, se seu pai o visse assim Henry sabia exatamente o que ele lhe diria. Diria que o mundo não merecia suas lágrimas, que ninguém é culpado por nada, que apesar dos problemas ele estaria junto dele para sempre. Sua mãe, faria um delicioso chocolate quente, com marshmallow, lhe daria um abraço apertado, um beijo na testa e um sorriso bem largo. Ele dormiria em paz, e na manhã seguinte estaria feliz. Mas agora, estava sozinho. Estava sem os pais, estava com a proteção de Meredith, mas até quando? Estava com Charlie, mas até quando? Logo estaria sozinho, cavando a própria cova.
—  Eu não consigo! - exclamou Henry aos soluços. —  É demais.
—  Calma, Henry. Nós vamos resolver esse problema, você não vai e não precisa passar por tudo isso sozinho. - falou Charlie indo em direção a lareira onde Henry ainda estava ajoelhado.
Henry deu graças aos céus por ter Charlie alí perto. Levantou-se, enxugou as lágrimas e deu um grande abraço no amigo.
Meredith estava sentada na poltrona vermelha observando a cena. Ela sabia o que Henry precisava, e ele precisava do amigo, então não se intrometeu.
—  Meredith, creio que seja melhor conversar sobre isso amanhã. - falou Charlie. —  Henry não está em boas condições. Tudo que ele precisa é de um bom descanso.
Ela encarou Henry que estava com os olhos inchados e avermelhados, realmente Charlie tinha razão, pensou.
—  Tudo bem, todos nós precisamos de um bom descanso. Podem ir. Vou tratar de fechar a casa, não queremos uma visita inesperada durante a madrugada.
Henry e Charlie foram para o quarto de hóspedes, nele havia duas camas preparadas para os dois. O lugar era simples, por incrível que pareça. A parede era composta por uma pintura branca com tiras verdes, havia uma escrivaninha na direita, perto da cama de Henry, um guarda roupa de madeira na esquerda. Mesmo cansado Henry não conseguia fechar os olhos. Viu que Charlie adormeceu rapidamente, então tinha que tentar. Fechou os olhos e não os abriu mais. Ficou pensando em tudo. Lembrou-se de quando tinha doze anos e estava apresentando um projeto no seu colégio, estava muito nervoso mas este se desfez quando viu seus pais. Tudo o que ele queria naquele momento era um abraço bem apertado deles dois. Ele não podia aceitar o fato de sua mãe e seu pai estarem mortos. Tudo aconteceu muito rápido naquele dia, nem conseguiu pensar direito em todos os acontecimentos. Uma breve chama de esperança aqueceu seu coração solitário, ele podia sentir que sua família não estava acabada, ele sentia que não era o fim.
Um clarão tomou conta do lugar, Henry tinha a vista ainda embaçada. Conseguiu ver um bonito céu sem nuvens, um sol quente refletindo em uma lagoa que estava um tanto distante dele.
Lagoa? Pensou.
Henry demorou um tempo para perceber que não estava mais no quarto em que estivera dormindo, estava agora em uma floresta rodeada de árvores muito grandes. Andou por bastante tempo até ver uma árvore maior que as outras, ela parecia aquelas árvores de natal, só que sem nenhum enfeite. Um pinheiro! Atravessou a árvore, andou mais um pouco e avistou uma paisagem pontilhada de construções que lembravam a arquitetura grega. Havia um pavilhão, um anfiteatro, uma arena circular, colunas de mármore branco reluzindo ao sol, uma quadra de areia próxima, e canoas que deslizavam no lago que viu mais cedo.
Andou mais um pouco e viu casas enfileiradas em um formato de U, Henry pensou
nos mitos gregos, em que no Olimpo, os lugares onde os deuses sentavam-se eram exatamente iguais como casinhas estavam. A cada casa que passava por frente havia um desenho diferente, alguns até intimidadores e outros irreconhecíveis.
Ele viu uma casa, uma casa não. São chalés! Tudo bem, viu um chalé cor de vinho, escuro, com desenhos de parreiras por toda a parte. Outro velho, com a pintura descascando e um cajado com duas cobras entrelaçadas acima da porta. Outro chalé de cor rosa pastel, com cristais pendendo das janelas. Havia vários canteiros de rosas - sem espinhos - das mais variadas cores por perto, e estas se aninhavam nas paredes. Um perfume suave e adocicado estava por toda a parte. A cada passo que dava, Henry encontrava mais um chalé. Viu um chalé negro, com chaminés no telhado.

E assim continuou, viu vários chalés de diferentes cores e tamanhos, mas
não sabia onde estava, a única coisa que sabia era que estava em uma colônia de férias, igual a que ele foi em julho do ano passado. Henry por um momento ficou cansado de andar, queria descansar, mas sabia que estava em um sonho profundo. Mas mesmo assim teve a vontade de mergulhar naquele lago refrescante ou até tentar canoagem. Mas uma coisa era totalmente estranha naquele lugar, se era mesmo uma colônia de férias, onde estavam todos? Não avistou ninguém, estava deserto, mas mesmo assim estava impecável.
Mas logo percebeu que não estava só, pois uma garota estava se aproximando dele.
Ela possuía cabelos ruivos  cacheados, sardas pelo rosto e olhos tão verdes quanto as folhas do pinheiro. Usava uma blusa branca com um macacão jeans azul, e podia ser notado que suas calças estavam rabiscadas com o que parecia ser canetas hidrocor. Ela chegou mais perto de Henry e falou:
—  Henry é você?
Henry ficou paralisado, não conseguia falar. Como ela me conhece? Pensou. Mas
consegui dizer um razoável “oi”.
—  Meu nome é Rachel, estava esperando por você - ela falou em um tom misterioso.
Ele ainda estava tentando entender tudo, se acalmou, respirou fundo e falou:
—  O que você quer comigo?
—  Calma, não precisa ficar com medo, eu não vou te machucar -falou mostrando calmaria na sua voz.
—  E como eu sei que não vai?
—  Acredite em mim, se quisesse você já estaria no chão. - deu uma risadinha fofinha para Henry que não ficou nada à vontade.
— Então... - falou tentando mudar de assunto - O que você quer comigo?
—  Bem, temo dizer que corre perigo e que sua vida vai mudar...
Mas antes que Rachel terminasse de falar Henry a interrompeu:
—  Eu sei, eu sei, sou um bruxo certo? E fui acusado de roubar um espelho mágico que
protege o mundo mágico.
—  Não só o mundo mágico, mas o mundo todo! - ela falou ainda mostrando calmaria,
mas falando seriamente com ele.
—  Enfim... Ainda não disse o que quer comigo - Henry falou tentando voltar ao assunto quando um silêncio envolveu a conversa.
—  Bem, sabe onde nós estamos? - ela voltou ao estado sério e misterioso.
—  Não tive a oportunidade de saber.
—  Estamos em um local onde semideuses ficam. Um local próprio para eles, um lugar
seguro de monstros onde eles podem controlar e dominar seus poderes, o Acampamento Meio Sangue. Sabe do que estou falando?
—  Claro que não - ele falou como se fosse óbvio.
—  Sabe pelo menos o que são Semideuses?
—  Acho que sim, tive aula de história e acho que meu professor falou sobre isso.
—  Então...? - Rachel bateu continuamente o pé direito no chão esperando a resposta.
—  Semideuses são filhos de deuses gregos com humanos, por isso o prefixo "semi". Meio deuses
e meio humanos. Mas isso não existe!
—  Como sabe que não existe?
—  Porque isso é matéria de história e a maioria dos assuntos são apenas mitos ou lendas.
—  Mitos e lendas podem existir sabia? Então fique sabendo que realmente eles existem
e estamos em um local cheio deles. - Rachel falou, erguendo os braços.
—  Cheio? Mas as únicas pessoas aqui sou eu e você.
—  Isto é apenas um sonho, eu te chamei aqui para te dar um breve aviso. E fique sabendo que os filhos de Hípinos quase nunca me fazem um favor, eles são um bando de dorminhocos.
—  O que? Aviso? - Henry perguntou.
—  Vocês tem que vir aqui. Há uma profecia que poderá ajudá-lo a encontrar o Espelho de Delfos. Pergunte a Meredith, ela sabe onde o Acampamento fica, Chris me disse que seu serviço já acabou por hoje, me desculpe.
—  Meredith? Como assim? - Henry perguntou confuso.
Mas antes que pudessem dizer mais alguma coisa, tudo começou a ficar embaçado. Henry sentiu seu corpo se erguendo, logo não tocava mais o chão. E com um brilho forte, acordou.
Por algum motivo estava deitado no chão, levantou-se depressa e viu que Charlie não estava no quarto. Andou até a cozinha e encontrou Meredith sentada à mesa com uma caneca grande de café. Seus olhos estavam fixados em um jornal, não notou a sua presença até ele pigarrear.
—  Ah, oi Henry. Bom dia. - ela falou olhando de relance para Henry.
—  Bom dia, Mery. Onde está o Charlie? - perguntou curioso juntando-se a ela.
—  Charlie foi para o colégio, saiu bem cedo. - ela continuava a ler o jornal em mãos, ainda não encarando-o.
—  Charlie foi para o colégio? Mas como ele consegue fazer isso? - Henry perguntou perplexo.
—  Ele é um garoto esperto. Vai superar.
Henry ficou abismado, não imaginaria que Charlie ainda tivesse paciência para voltar para o colégio. Depois de tudo que aconteceu na noite anterior, pensou que jamais voltaria.
Apesar de suas dúvidas, sabia que não poderia fazer nada sem um bom café da manhã. Serviu-se de torradas e um suco de amoras silvestres que estava sob a mesa, devorou duas fatias de bolo e alguns biscoitos amanteigados. Não sabia de onde veio essa fome toda e apesar de estar satisfeito, ainda faltava alguma coisa.
Os olhos negros de Henry avistaram uma manchete na página detrás do jornal que Meredith continuava a ler desesperadamente.

"Ministério está em Ordem, não há com o que se preocupar!".

—  Eles estiveram bem ocupados, não é? - falou Henry olhando para o jornal.
—  Eles precisam fazer isso, o próprio ministro não quer que a população entre em pânico. - falou Meredith encarando o garoto.
—  O que eles sabem, digo, os que lêem esse jornal? - perguntou apreensivo.
—  Poucas coisas, levado em consideração o que tem ocorrido. Leônidas não quer uma rebelião para com o ministério, então ele só dá o que as pessoas querem ler.
—  Então, você está me dizendo que ninguém sabe que o Espelho sumiu? - Henry perguntou confuso.
—  Os que devem saber, sabem. E os que precisam saber, apenas acham que sabem. - Meredith falou olhando Henry pelos óculos prateados.
Ele não sabia até onde aquela conversa ia chegar, ou qual o propósito de Meredith falando aquelas coisas sem sentido. Henry não sabia no que mais acreditar, em uma hora quase fora morto por ter "roubado" o Espelho, e agora ela diz que esse roubo não foi noticiado? Não é a coisa mais simples de se explicar. Mas ele tinha convicção, que uma boa parte das pessoas sabiam desse acontecimento, ele tinha quase certeza de que a qualquer hora, alguém entraria pela porta da casa e o levaria preso por tê-lo roubado.
—  E o que o Acampamento Meio Sangue tem a ver com esse desaparecimento? - perguntou depressa.
Meredith encarou a parede branca como se visse um fantasma, engoliu com dificuldade o gole que deu no seu café, dobrou o jornal e colocou sob a mesa.
—  O que você sabe sobre o Acampamento? - os olhos cor de âmbar encarava os de Henry.
—  Sei que isso tudo está interligado com o desaparecimento do Espelho, caso contrário, eu não saberia disso. Sua vez. - ele falou tomando mais um gole do seu suco de amoras.
—  Como você tem conhecimento do Acampamento? - perguntou Meredith esquivando-se do questionamento de Henry.
—  Eu não conhecia mas ontem, uma menina falou comigo e me contou que há uma profecia e que você sabia.
—  Quando e onde essa menina veio falar com você? - ela perguntou erguendo-se e tirando a mesa.
—  No meu sonho. - Henry falou tentando ser o mais breve possível.
Meredith saiu em direção a sala que foram na noite anterior, Henry foi atrás.

 

Por que Meredith o estava evitando? Por que deixá-lo na escuridão? A única coisa que ele queria era respostas.

 

—  Você quer respostas Henry? Então está bem, eu vou lhe dar.


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Notas finais do capítulo

Espero que gostem. Está começando a ficar mais complicado, não é?



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