Redemption escrita por Marimachan, Ginko13, Fujisaki D Nina


Capítulo 46
Especial V




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VIAGENS AO CENTRO DA TERRA PODEM FAZER VOCÊ PEGAR FOGO - LITERALMENTE OU METAFORICAMENTE

― Espera aí. Deixa eu conferir se a Dango já chegou. ― Satoshi parou e sacou o celular antes que ele e os amigos entrassem na barulheira que estava o bar.

― Por que você faz tanta questão dela vir hoje? ― questionou Kari. ― Assim, nada contra, mas já fazia séculos que uma das suas irmãs não vinha com a gente.

― Ela está muito estressada por causa do novo emprego. Parece que o chefe dela é um pé no saco. Resolvi trazê-la para relaxar antes que... ué. ― Satoshi arqueou uma sobrancelha ao receber uma nova mensagem, justamente da irmã da qual falava.

“Não vou poder ir, muito trabalho. Divirtam-se vocês.”

― Ela não vem? ― Kari perguntou novamente, agora um tanto surpresa, bisbilhotando o celular do amigo por cima do ombro.

Sem que nenhum dos dois notasse, Misha soltou a respiração em alívio. Tudo bem que hoje era seu dia de ficar sóbrio, mas ficar perto de Dango, embriagado ou não, não lhe parecia uma boa ideia nos últimos tempos.

― Que chato. Mas tudo bem, eu bebo o dobro por ela. ― A garota do grupo deu de ombros, pronta para entrar no bar, mas Satoshi continuava a encarar o celular com a mesma expressão.

Kari estranhou, geralmente ele não perdia a chance de fazer uma piada com a baixa resistência de Dango ao álcool.

― O que foi?

― Nenhuma advertência, nenhuma lembrança do horário de voltar pra casa... ― Ele suspirou, estranhamente sério, voltando a guardar o telefone. ― Esse trabalho tá mesmo fodendo com ela.

Os outros dois apenas se entreolharam sem saber o que responder, mas acabaram não precisando falar nada, já que o humor de Satoshi voltou assim que entraram no bar. Depois ele se preocuparia com a irmã, agora era hora da farra.

― Vou pegar uma mesa! ― Kari avisou por cima do barulho.

― Falou, a gente vai pegando as bebidas! ― quem declarou foi Misha, indo junto do amigo até o balcão.

Com sorte conseguiram um lugar naquela bagunça e uma garçonete bem avantajada veio atendê-los.

― O que vão querer? ― perguntou profissionalmente, mas seus olhos passeavam pelos dois homens.

― Duas garrafas de sakê ― Satoshi fora quem pedira primeiro.

― E uma soda ― concluiu o outro.

A garçonete assentiu e se virou para pegar as bebidas. Para o azar ― ou não ― de Satoshi, que estava aproveitando aquela visão privilegiada do traseiro da moça, ela foi rápida e logo depositou o pedido na frente deles ― agora permitindo que eles tivessem uma ampla visão de seus seios sobressaltados no decote profundo.

Ele e Misha já estavam para voltar para a mesa quando Satoshi percebeu algo na garrafa que a garçonete fizera questão de entregar a ele: uma marca de batom.

Sorriu travesso.

― Pode ir na frente ― declarou dando um tapinha no ombro do amigo e virando-se novamente para a moça, que agora o olhava também, sorrindo.

― Sortudo. ― Misha riu baixo e pegou as duas outras garrafas para ir se encontrar com Kari.

Andou um pouco, procurando pela amiga, mas quando passou por uma porta estreita, que dava para a saída dos fundos do bar, acabou encontrando outra pessoa.

Sabe, quando você cresce procurando três cabeças prateadas na brincadeira de esconde-esconde, você acaba se acostumando a localizar aquela cor de cabelo em qualquer situação. E no momento havia uma sentada nas escadas da porta, de costas para ele, que parecia tremer.

Olhou para dentro do bar e para as bebidas em suas mãos e se decidiu. Passou com cuidado pela porta e foi se aproximando devagar, até confirmar o que já suspeitava: era Dango ali. E ela estava... chorando?

Era evidente pelo modo como ela fungava e passava as mãos pelos olhos, além de explicar porque os ombros tremiam.

Aquela visão incomodou um pouco o rapaz. Não se lembrava nunca de ter visto Dango chorar daquele modo. Na verdade, ele nunca a tinha visto chorar.

― ... Dango? ― chamou de forma suave.

A garota pulou no lugar, interrompendo seu choro para olhar pra trás e ver quem a descobria naquele momento tão frágil. Misha pôde ver o quanto os olhos dela estavam úmidos e vermelhos.

― Ah, é você. ― Fungou, voltando a abaixar o rosto e limpando os olhos com mais força agora, como se tentasse esconder as lágrimas.

― Está tudo bem?

— “‘Está tudo bem'? Sério, imbecil, não tinha merda pior pra perguntar?!" — repreendeu-se mentalmente.

― Tá, tá, eu vou ficar bem. ― Ela tentava respirar e falar normalmente, mas era evidente que não conseguia conter o choro.

― Hm... Ei, você quer que eu chame o...

― Não! ― Virou-se desesperada para o rapaz. ― Por favor, não diga ao Satoshi que estou aqui. Prometa.

― Tá, eu prometo. ― Misha até ergueu as mãos em defensiva.

Dango pareceu relaxar um pouco com sua resposta, mas foi apenas por um instante, logo ela estava cabisbaixa outra vez, embora parecesse se esforçar para não voltar a chorar na frente dele.

― Melhor você entrar ― aconselhou-o.

― Você também devia.

Ela negou com a cabeça.

― Eu quero ficar sozinha um pouco. Já, já vou pra casa. ― Dango tentou sorrir, mas não conseguiu manter a máscara quando seus olhos voltaram a marejar. ― É só esperar que isso passe.

Misha se viu num impasse: nunca vira Dango tão abalada, por isso não sabia se aquela vontade de conforta-la era devido aos novos sentimentos que não queria assumir; ao mesmo tempo, era por causa deles que pensava ser melhor se afastar da Sakata.

Mas ao ver Dango naquele estado... Ah, qual é, qualquer um que visse uma garota chorando daquele jeito e desse as costas não tinha coração!

Olhou uma última vez para o sakê em suas mãos. Kari que o perdoasse.

Surpreendendo Dango (e um pouco a si mesmo), Misha sentou-se do lado dela na escada e falou, antes que ela pudesse abrir a boca mais uma vez:

― Chorar sozinha não faz bem.

Aquela frase pareceu dar a Dango mais vontade de chorar. Ela sabia que Misha estava certo e a verdade é que gostaria sim de conversar com alguém, mas Souichiro só poderia lhe dar apoio pela tela de um celular, Sakura estava viajando também e ela não queria que sua mãe ou irmãs soubessem ainda.

Não era que ela precisava, mas sim que se sentia sozinha.

Ainda mais depois do que aquele...

Pensar nisso não foi boa ideia, lágrimas voltaram a escorrer quentes pelo seu rosto e ela não conseguia contê-las. Mandando tudo às favas, Dango se permitiu chorar e recostou a cabeça no ombro do moreno, para sentir um mínimo de apoio.

Já Misha, sentiu todos os seus músculos enrijecerem. Era ridículo se parasse pra pensar no tempo que conhecia Dango. Não era a primeira vez que encostava nela, menos ainda em uma mulher!

“Droga de sentimentos.”

Deixou tudo isso pra lá, no entanto, ao perceber que a albina continuava a soluçar baixinho e ousou pousar sua mão direita no ombro dela, em um gesto silencioso para conforta-la.

Até que era bom ter Dango tão próxima assim. Os cabelos brancos tinham um cheiro bom de baunilha que ele nunca perceberia à distância e de perto ela parecia ser ainda menor, não só em altura.

O que faltava para tornar aquilo perfeito era ela estar nua, não chorando.

Eles deviam ter passado uns cinco minutos ali, com Dango soluçando cada vez menos até parar completamente e deixar seu rosto secar pela brisa da noite, enquanto continuava apoiada em Misha.

― Você promete não contar pro Satoshi?

O rapaz estranhou.

― Eu já prometi.

E foi aí que seu momento de encanto se quebrou, quando Dango se desencostou dele e o fitou séria, embora com os olhos castanhos ainda vermelhos e tristes.

― É outra coisa.

Misha titubeou por uns segundos, mas acabou assentindo.

―Tudo bem, prometo...

Ela suspirou, como se o que estava para dizer fosse muito complicado.

― Você... se lembra do Sugaya?

Claro que Misha se lembrava do sujeito infeliz que teve de assistir desfilando pra cima e pra baixo com Dango na festa de aniversário de Satoshi, duas semanas atrás. Ele, na verdade, era mais um dos motivos que faziam o moreno querer bater a cabeça numa parede ao ver Dango com outros olhos.

― Sim. ― Uma resposta monossilábica pra não correr o risco de xingar o desgraçado em voz alta.

― Pois então, ele... ― Os olhos de Dango pareceram se encher de água mais uma vez, mas ela não iria chorar de novo. ― Ele...

― Dango? ― A figura de Satoshi apareceu do nada na porta estreita. ― Então você veio mesmo. Por que disse que não? O Sugaya está aqui te procurando, sabia? ― Parou de falar e só então reparou que Dango não parecia muito bem e que além disso, sua irmã não estava sozinha. ― Misha? Espera, o que ‘tá acontecendo?

Nenhum dos dois teve tempo de responder, pois um cara alto, de cabelos e olhos negros chegou na porta logo em seguida.

― Dango! ― exclamou Sugaya, parecendo aliviado por encontra-la, até notar a outra presença sentada na escada. Seus olhos iam dela para Misha até que sua expressão se fechou. ― Então é assim? Um errinho e você já corre para os braços de outro?

― Errinho? ― Satoshi não estava entendendo nada, mas seu semblante já ficava mais sério.

Misha mirou Dango de esguelha e percebeu a raiva que começava a nascer nos olhos castanhos. Coisa que Sugaya não pareceu perceber, porque continuou falando.

― Eu não acredito que é isso que você chama de dar um tempo. Ou será que isso é só uma vingança? Nunca pensei que você fosse o tipo de mulher que se rebaixaria ao nível de- POW!!

Parece que nem mesmo seis anos de namoro prepararam Sugaya para reconhecer os passos pesados e os punhos estralando que Dango mandava em sua direção antes de aplicar-lhe um soco no rosto belamente formado.

― Mas heim?! ― Agora que Satoshi não estava entendendo nada mesmo, mas não era tão suicida ao ponto de mexer com a irmã quando ela estava no modo "Mayah".

Sugaya foi jogado ao chão pelo impacto. Quando se ergueu um pouco, gemendo, ia abrir a boca para contestar o comportamento da albina, mas o olhar seco e raivoso que ela lhe oferecia o fez se calar.

― Eu não estou nesse nível, eu não estou no seu nível. Nós não estamos dando um tempo, eu terminei com você. E você perdeu de vez a sanidade se acha que pode me acusar de qualquer coisa DEPOIS DO QUE ME FEZ!

― O que foi que ele fez? ― Satoshi não conseguiu se manter calado ao ouvir aquilo. Olhou para a irmã e depois para Sugaya, com raiva. ― O que foi que você fez?!

Conhecia sua irmã. Conhecia muito bem. Se ela ficasse só gritando e te atirando coisas era apenas porque você conseguiu irrita-la (o que não era muito difícil); mas para Dango partir pra violência física, com aquele tom seco... Aquele desgraçado precisava ter feito algo muito sério.

Vendo que nenhum dos dois iria responder, Satoshi agarrou Sugaya pela gola da roupa, voltou a ergue-lo, mas não o soltou, olhando bem no fundo dos olhos negros.

― Que merda que você fez?! ― questionou novamente.

― I-isso é só entre eu e ela ― defendeu, tentando não mostrar o medo que quase o fazia mijar nas calças.

Dango não era a única assustadora quando brava...

― Não tem mais nada entre eu e você ― Dango declarou categoricamente.

― E qual o motivo disso? ― Satoshi perguntou para a irmã, mas sem largar o cara.

A garota, por sua vez, sentia seu estômago embrulhar, ao mesmo tempo que seus olhos voltavam a arder ao pensar no porquê acabara com um namoro de seis anos naquela noite. Não queria contar para sua família, não ainda, precisava de um tempo para que ela mesma tivesse absorvido a ideia e não desmoronasse na frente deles quando fosse dar a notícia.

― Dango! ―seu irmão exigia.

Ela apertou os olhos, suspirou e olhou séria para Satoshi.

― Primeiro, larga ele.

― Só depois que eu decidir que não tenho nada pra resolver com ele. Então fala.

― Eu mesma já resolvi, você não precisa se meter.

― Eu mesmo vou julgar isso!

― Satoshi!

― Fala logo, cacete! ― Ele já estava ficando com raiva da irmã também. ― Por que diabos você terminou com um cara com quem estava há seis anos e planejava se casar?!

Dango se calou, os olhos arregalados. Como ele podia saber?

― Eu vi as revistas de casamento na sua bancada ― explicou como se lesse pensamentos. ― Então quer me fazer logo a porra do favor de me dizer o que caralhos ele fez, pra eu saber o quanto tenho que ficar com raiva de mim mesmo por ter te deixado nas mãos de um idiota durante seis anos?

A pequena resistência às emoções daquela noite que Dango construíra após desafogar-se com Misha, simplesmente caíram por terra. Seus olhos voltaram a arder, embora nenhuma lágrima saísse. Abraçou a si mesma, tentando se dar alguma proteção, quando enfim não pôde conter a verdade que Satoshi tanto queria.

― Ele estava me traindo.

Sugaya reparou que o aperto em sua gola havia diminuído após a declaração de Dango, e Satoshi também tinha os olhos vidrados na irmã naquele momento. Com muito cuidado, ele tentou dar um passo para trás, mas a força voltou aos punhos que o seguravam e então sentiu um puxão que o fez ficar cara a cara com os olhos âmbares, nos quais parecia conseguir ver uma caveira ao fundo daquele olhar preguiçoso.

― Você está morto ― Satoshi declarou como se desse uma notícia qualquer, antes de também enterrar um soco no rosto perfeitinho de Sugaya.

(...)

Olhou para o relógio de parede no lado oposto ao que estava.

21:30 hrs

Por mais bem pago que fosse para ser quem era, nenhuma quantia pagaria o quanto ele odiava aquela parte em especial de seu trabalho, e menos ainda o fato de provavelmente ter de agir com muita cautela quando chegasse à mansão, caso não quisesse ser expulso de seu próprio quarto quando chegasse em casa e encontrasse Mayah dormindo, para a qual prometeu que iria chegar mais cedo.

Bufou irritado, virando a página ― uma entre cerca de 20 ― do requerimento que precisava assinar ― um no meio de uma pequena montanha.

Naquele dia pretendia passar boa parte do dia em sua sala, fazendo aquela merda, para justamente naquele horário já estar em casa há muito tempo, talvez até quem sabe largado em sua cama, sendo muito bem cuidado por sua esposa, obrigado. No entanto, no início da tarde foi obrigado a deixar a sede para uma operação emergencial no interior da cidade ― um assassinato de um dono de fazenda muito rico ―, que lhe custou o resto do dia inteiro. Tinha chegado de volta a sede havia pouco mais de uma hora e ali estava ele, se obrigando manter-se atento à leitura ― embora confessasse que sua mente distraí-se muito fácil quando se lembrava do sorriso sacana que recebera de sua mulher ao se despedirem no hall, com ele prometendo que conseguiria chegar mais cedo naquele dia.

Esforçando-se para espantar os pensamentos nada inocentes que lhe vinham, forçou-se a voltar para o parágrafo em que estava, mas fora interrompido antes de continuar, por uma batida na porta.

― Entre ― permitiu, rezando à Kami para que não fosse outra emergência.

Logo viu um dos soldados do 13º esquadrão adentrando a sala e pondo-se de joelhos, de cabeça baixa.

― Com sua permissão, Comandante. O vice-comandante disse que ainda estava na sede ― pediu, para em seguida levantar-se com o gesto de permissão para tal.

― O que houve, Ikaya?

― Acabo de trazer quatro jovens que se meteram numa briga no Pub dos Strauss.

Gintoki fez uma careta de leve confusão. Geralmente não se envolvia pessoalmente com aquele tipo de coisa, os capitães de esquadrão é que lidavam com aquele tipo de caso.

― E por que não os levou até Miyuky?

― Bem, senhor. Eu os levei, mas ela me disse que era melhor o senhor resolver isso, porque bem... as pessoas envolvidas...

― Nem precisa continuar ― interrompeu muito sério, largando os papeis de lado e levantando-se.

― Aonde estão? ― perguntou já saindo da sala e caminhando pelos corredores.

Ikaya o seguia de perto.

― Na sala da capitã ― respondeu, internamente lamentando por aqueles jovens.

Demorou apenas alguns poucos minutos para chegarem à dita sala. Gintoki abriu a porta com certa violência e entrou sem qualquer outro aviso. Olhou então em volta e ali encontrou dois de seus filhos, Misha e o namorado de Dango, sentados pelas cadeiras espalhadas, enquanto a morena de olhos azuis, trajada com a túnica da Shinikayou, recostava-se à mesa.

― Tente não arrancar a porta da minha sala, Comandante ― ironizou.

Esse, por sua vez, ignorou o comentário.

― O que diabos vocês têm na cabeça? ― perguntou diretamente aos quatro jovens, numa falsa calma admirável, mas nenhum deles respondeu.

Satoshi, com alguns poucos hematomas pelo braço e um fino filete de sangue escorrendo dos lábios, fulminava Sugaya com os olhos, e ele tinha certeza que se Dango não estivesse segurando o braço dele, o gêmeo já teria partido pra cima do outro; essa última, por sua vez, agarrava com força o antebraço do irmão, embora não encarasse nada além do chão; Misha escorava os cotovelos sobre as coxas, também encarando o piso, embora parecesse muito mais concentrado em algo do que a albina, que parecia apenas fugir do olhar do pai; Sugaya encarava o armário, raivoso, repleto de hematomas, com uma considerável quantidade de sangue escorrendo pela boca e nariz, que parecia quebrado.

Gintoki deu alguns passos à frente, se aproximando do filho.

― O que diabos você pensa que está fazendo? ― voltou a questionar, agora diretamente para o albino, numa ainda perigosa calma. ― Pelo que me lembro, eu lhe avisei o que aconteceria caso se metesse em mais alguma confusão dessas.

― Nem sua pior ameaça me faria deixar de arrebentar esse desgraçado ― respondeu com raiva, ainda encarando o adversário, com os punhos fechados. Dango pôs mais força no aperto.

― Satoshi, já chega. Por favor ― pediu baixinho, ainda sem coragem para encarar o pai.

― Ohoo ― exclamou ironicamente o mais velho. ― E o qual foi o motivo para você arriscar sua vida descompromissada, de farras, se metendo em uma briga com o namorado da sua irmã?

― Ex ― voltou a se pronunciar, ainda baixo, a garota.

― Como? ― pediu para que a filha repetisse, levemente confuso.

― Ex-namorado ― repetiu, com raiva, esforçando-se para não voltar a chorar; embora agora o sentimento que a tomasse não fosse mais a decepção, mas sim verdadeiramente a raiva que a tomara minutos antes da briga começar.

― Ok...

E então encarou mais uma vez Satoshi, e parou para observar o ódio que faiscava nos olhos âmbares. Pouquíssimas vezes vira aquele sentimento tão ardente no olhar do filho, e por alguma razão aquilo passara a lhe agradar menos ainda.

Sentindo a ira lhe subir antes mesmo de qualquer coisa, voltou-se para encarar o ex-genro. E então, rapidamente, olhou Dango, que agora observava o pai atenta e temerosa, já pressentindo o que estava prestes a acontecer. Só então Gintoki pôde enxergar os olhos vermelhos da filha: olhos de quem havia chorado muito.

Foi tudo tão rápido que até mesmo Satoshi levantou-se de sobressalto, esbugalhando os olhos para cena que presenciava naquele instante.

Sugaya estava encostado contra a parede, respirando rápido, o medo expresso de forma muita clara em seu olhar; enquanto Gintoki se mantinha ereto, muito mais ameaçador do que qualquer um dos quatro tivesse visto algum dia. A lâmina de uma de suas espadas desembainhadas estava perigosamente próxima ao pescoço do moreno.

― Pai! ― Dango exclamou estridente; ele, no entanto, a ignorou.

Ao falar, sua voz saíra com uma calma gélida de cortar a alma de qualquer um em vários pedacinhos, e de dar vontade a todos ali presentes de fugir da sala.

― O que você fez? ― questionou diretamente à Sugaya.

― E-eu... eu cometi um erro, Gintoki-san. E...

― Um erro? – Satoshi o interrompera. ― UM ERRO?! SEU CANALHA DESGRAÇADO FILHO DA PUTA?!

Estava prestes a avançar sobre o outro novamente, mas fora segurado por Miyuki e Misha.

― Pare com isso vocês dois! ― Dango fora quem pedira quase desesperada, caminhando em direção ao pai.

― Você fique aí ― ordenou à albina, que paralisou no mesmo instante apenas pelo tom usado.

― O que você fez? ― repetiu, ainda mantendo Sugaya contra a parede, mas agora encostando a lâmina na pele suada do jovem.

Esse engoliu em seco.

― E-eu... e-eu... Eu traí a Dango ― declarou de uma vez, rezando todas as orações de que se lembrava, pedindo a Deus que ele saísse vivo daquela.

Gintoki sorriu.

Um sorriso assustador o bastante para o rapaz prender a respiração a ponto de começar a arroxear.

― Você não fez isso ― afirmou, pressionado um pouco mais a lâmina, fazendo com que um fino filete de sangue escorresse. ― Eu confiei em você. Permiti que você frequentasse a minha casa e te entreguei a minha filha. Você não foi louco o bastante para fazer isso.

― Sim, ele foi! ― se meteu novamente Satoshi, ainda sendo segurado pela capitã. ― E já estaria morto se não tivessem me interrompido!

― Não seja idiota ― Myuki se pronunciou finalmente. ― Você só iria obrigar seu pai a te prender por isso.

― Foda-se! ― respondeu irado.

― Não seja idiota. Ela tem razão ― concordou o comandante. ― Por que você me obrigaria a te prender por esse assassinato se eu mesmo posso executá-lo? ― Sorriu sinistramente. ― Vantagens de ser quem eu sou ― baixou a voz, aproximando seu rosto do outro. ―: eu não vou precisar pagar por este crime.

E, sem dúvidas, Sugaya viu a luz no fim do túnel naquele segundo. Fechou os olhos, estava apenas esperando a dor dilacerante antes de sentir sua cabeça ser arrancada.

Ela, no entanto, não veio.

― Pelos céus! O que você pensa que está fazendo, homem?! ― a voz de sua ex-sogra ecoou abismada.

Sugaya abriu os olhos e então viu a morena segurando o braço armado do esposo, o encarando pasma.

― Estou executando um assassinato ― explicou muito tranquilamente, enquanto ignorava o horror nos olhos de Dango e sua mulher, e até a surpresa nos de Satoshi e os outros presentes, como Kari, que havia acabado de chegar junto de Mayah.

― E por que diabos você está fazendo isso?! ― exasperou-se a mulher.

Quando estava prestes a se deitar ― obrigando sua memória a lembrar-se de acabar com o marido por tê-la deixado esperando para nada ―, recebeu a mensagem de seu filho mais velho, dizendo que havia se metido numa briga e estava a caminho da sede da Tenshouin Shinikayou.

Imediatamente voltou a se vestir e saiu em disparada para o lugar, já imaginando o quanto teria que interceder pelo filho para que Gintoki não tomasse as medidas drásticas que havia prometido tomar meses antes, caso Satoshi voltasse a se encrencar daquela maneira.

Assim que chegou ao portão da sede encontrou Kari, também vindo apressada, após saber pelo dono do bar que o companheiro havia se metido em confusão, e para sua surpresa havia sido ela a mandar a mensagem e não o próprio filho ― aparentemente Satoshi deixara seu celular com ela após ter decidido ir se engalfinhar com a garçonete do bar.

― Gintoki! ― chamou, agora firme, arrancando a katana das mãos do esposo. ― Pelo amor de Kami, o que está acontecendo aqui?

A morena observou a situação como um todo, onde Sugaya agora desmontava sobre a cadeira, ofegante, e os outros ainda tentavam processar toda a sequência de acontecimentos.

― Por favor... ― Dango pediu com a voz fraca, os olhos voltando a marejar. ― Por favor, já basta...

― Querida, o que...? ― Mayah voltou-se para a filha, largando a arma sobre a mesa de Myuki, mas logo interrompeu-se quando viu que ela negava, mais uma vez encarando o chão, mas agora as lágrimas pingando no piso encerado.

Automaticamente, Gintoki e Satoshi abandonaram as áureas assassinas, passando a observar a albina, e buscando palavras para pedirem perdão pela atitude de ambos, o que provavelmente só ajudou a piorar o estado de espírito em que ela já devia estar antes.

― Mayah, leve-os pra casa, por favor ― pediu, agora num tom muito mais ameno.

A morena, entretanto, o encarou, temerosa em deixá-lo ali sozinho com Sugaya; mas vendo a filha mais velha fungar, decidiu-se.

― Me dê suas espadas ― pediu categoricamente, estendendo as mãos.

― Eu não vou ma...

― Sakata Gintoki, me dê suas espadas agora mesmo ou eu juro que as uso para te castrar.

Em meio a uma careta originada pela ideia da ameaça, em desagrado ele entregou a espada ainda embainhada em sua cintura, assim como a bainha da que antes usava para tentar matar Sugaya. Mayah então embainhou essa última e voltou-se para Kari.

― Pode levá-las, por favor, Kari? Acho melhor você e Misha dormirem lá em casa por hoje.

― Sim, senhora ― concordou pegando as armas e pondo-se à porta para sair.

A mais velha então virou-se para Dango, pegando em sua mão e a envolvendo pelos braços.

― Vamos, querida ― chamou baixinho; a albina fungou novamente, mas concordou em um aceno com a cabeça. ― Vocês dois também, venham.

― Acho que vou ficar para fazer companhia ao papai na volta pra casa ― declarou Satoshi encarando firmemente o ex-cunhado.

Sua resposta, contudo, foi sua mãe lhe pegando pela orelha repleta de brincos com a mão livre, o arrastando à força sala à fora.

― Miyuki, caso Gintoki extrapole novamente, esqueça que ele é seu chefe e deixe-o inconsciente no chão da sua sala ― fez o pedido, enquanto arrastava o filho e guiava a filha.

― Com todo o prazer! ― declarou animada com a ideia.

Logo foram deixados apenas os quatro na sala: Miyuki, seu aposto, seu comandante e o jovem que agora tentava controlar sua respiração.

O prateado voltou a encarar seriamente o moreno. Aproximou-se.

― Agora escute bem, seu desgraçado canalha ― começou em tom baixo, mas perigoso. ― É bom você nunca mais me obrigar a sequer cruzar com você no meio da rua ou te garanto que não terá tanta sorte com Mayah aparecendo pra salvar sua pele. Eu confiei minha filha a você seis anos e você foi um maldito filho da puta! Então é melhor realmente sumir dessa cidade, antes que eu mude de ideia e te faça uma visita, levando a Morte pra te conhecer pessoalmente ― ameaçou ainda no mesmo tom, mas visivelmente controlando sua ira. ― E não se atreva a se aproximar da Dango novamente ou, eu juro, acabo com sua raça.

― Vou providenciar minhas passagens ainda hoje, senhor! ― declarou assustado.

Gintoki virou-se para ir embora. Sugaya parecia ter entendido perfeitamente, mas não conseguiu evitar a vontade absurda que o dominava. Sem pensar duas vezes, voltou-se rapidamente para o rapaz e desferiu-lhe um murro que jurava não se lembrar de usar tanta força com alguém antes. Depois de tantos golpes que provavelmente já havia levado de seu filho, uma espada na garganta e agora aquele soco, não se admirou do jovem ter caído inconsciente na cadeira.

Satisfeito pelo feito, caminhou em direção à saída, mas não sem antes ordenar.

― Ikaya, você fará uma pequena viagem de bate e volta ― disse, para espanto do soldado. ― O próximo trem é em uma hora. Escolte-o até Mirivill, última estação antes de Edo. Avise ao responsável pelo trem que ele só deve descer na próxima estação. A família dele que mande as coisas depois.

E então abandonou o cômodo, pegando seu celular e discando.

― Kondou? Boa noite. Estou enviando uma visita a vocês. ― Sorriu sinistramente. ― E diga ao Shouyou que faço questão dele ir recebê-lo pessoalmente.

(...)

O caminho até em casa foi silencioso (ainda mais depois que Mayah soltou a orelha do filho após deixarem a sede da Shinikayou), o que foi bom para não se arriscarem a acordar algum dos outros moradores, que poderiam já estar dormindo.

Mayah ascendeu apenas a luz do hall, o que a possibilitou notar que a luz do escritório de seu esposo estava acesa, indicando que Soujirou e Hiyori (irmã mais nova de Sakura, melhor amiga de Dango) ainda estavam acordados fazendo o trabalho para a escola. Não deu tanta atenção a isso, porém, mais concentrada em se virar para os jovens que a acompanhavam.

— Satoshi, vá tomar um banho para lavar essas feridas. Depois eu faço os curativos necessários – disse baixo para o filho, apesar do tom firme.

Satoshi assentiu, sem falar mais nada ou olhar para ninguém, apenas rumando para seu quarto e assim para seu banheiro.

— Agora. – Ela fitou os outros. – Quem vai me contar o que aconteceu esta noite?

Kari e Misha se entreolharam, ambos olhando para Dango logo em seguida, sem saberem o que dizer, e Misha, o quanto deveria dizer.

— Eu conto. – Até mesmo Mayah ficou surpresa quando a própria Dango declarou. Passando uma mão pelos cabelos, ela tentou sorrir para tirar a atenção de seus olhos ainda vermelhos. – Não era como eu queria, mas depois de tudo isso, acho melhor que a senhora pelo menos saiba por mim.

— Tem certeza que tá bem pra isso? – A preocupação era perceptível no tom de Misha e no olhar que ele fixava na Sakata; o que provocou um sorrisinho sacana em Kari.

Dango assentiu, mirando-o agradecida.

— Estou sim, obrigada. E... – Desviou o olhar, um tanto envergonhada pelo que revelaria. – Obrigada por ter ficado comigo antes.

Assim como Kari, Mayah arqueou uma sobrancelha, muito interessada em saber o que a filha queria dizer com aquilo.

— Vamos então. – Por isso mesmo pegou-a pela mão e a guiou em direção à cozinha, para tomarem algo quente enquanto conversavam. Deixando pra trás os dois jovens: um que ainda manteve os olhos em Dango enquanto se afastavam e a outra que o encarava com o mais sacana dos sorrisos.

Quando mãe e filha sumiram pelo corredor, Misha enfim pareceu notar o olhar de Kari sobre ele.

— Cala a boca. – Foi tudo o que disse antes de dar as costas para ela e seguir para o quarto de Satoshi, onde eles dormiriam.

— Eu nem disse nada ainda. – Ela tentou fazer-se de ofendida, mas a vontade de segui-lo para extrair mais informações foi maior.

Enquanto subiam as escadas, Misha aproveitou os dois segundos que teve de paz antes que a amiga começasse a falar.

— Então... Quando foi esse “antes” que a Dango estava falando?

— No bar – Misha respondeu de uma vez. – Eu a encontrei chorando por causa do Sugaya antes do Satoshi chegar com ele, e fiquei lá com ela já que ela não parecia bem – concluiu, chegando à porta do quarto de Satoshi e entrando, deixando uma Kari pensativa para trás.

— Ah, então foi por isso que você sumiu com a minha bebida! – deduziu.

— É, foi mal, mas eu não podia deixar ela sozinha lá – falou rápido, já ajeitando o colchão com cobertores, onde sempre dormia quando ia ali.

Kari encarou o amigo por um instante antes que seu sorriso sacana voltasse a se abrir. Ela recostou-se no batente da porta, cruzando os braços.

— Quer dizer então que você ficou consolando a Dango antes do Satoshi chegar, é? – Seria impossível seu tom ficar mais sugestivo que isso. Misha fez que nem ouviu. Ela, no entanto, não se deu por vencida, ajoelhando-se ao lado do colchão. – Qual é, ainda não vai admitir?

— Não tem nada que admitir, Kari. Para de encher a porra do saco – resmungou Misha, abrindo o lençol para se deitar. – Anda, vaza daqui e vai pra cama.

— Então tá. – Deu de ombros, mas ainda sorrindo debochada. – Mas não vai conseguir esconder por muito mais tempo ― concluiu levantando-se e então caminhando em direção ao banheiro.

Arrancou a regata fina que usava, expondo a tatuagem trabalhada cortada apenas pelo feixe do sutiã vinho.

— Aonde você vai? ― ele perguntou apenas para confirmar, porque já sabia a resposta.

— Tomar um banho – respondeu a garota, tranquilamente.

Misha não conseguiu evitar a careta em desagrado que lhe tomou o rosto.

— Qual'é?! Eu to aqui, sabia? – indignou-se levemente. – Vocês vão mesmo ficar se pegando no banheiro enquanto eu tô aqui? – reclamou rabugento.

Nunca se importara muito com aquilo, mas naquele dia em especial estava mal-humorado o bastante para tal. Ainda mais quando queria estar fazendo mesmo com outra pessoa...

— Aproveita e vai consolar ela mais pouco. – Virou-se para o amigo, enquanto desabotoava a calça jeans, sorrindo maliciosamente.

O moreno apenas rolou os olhos, enquanto observava a amiga entrar no banheiro e se trancar lá dentro.

— Puta merda, quanta consideração – ironizou, já destapando-se e se pondo de pé.

Não ia ficar ali para correr o risco de ouvir os dois "se divertindo" amistosamente. Por isso mesmo, o moreno saiu do quarto, com intenção de ir para qualquer lugar desde que saísse dali. Ele não chegou a dar tantos passos, porém, pois logo no encontro entre seu corredor e o principal encontrara Mayume, que com uma jarra em mãos voltava para seu quarto.

― Oh, olá, Misha-nii ― cumprimentou sorrindo docemente, o que o levou a sorrir também.

― Hey, boa noite Little Fairy ― respondeu ao cumprimento.

― Você está com cara de quem quer bater no Satoshi ou na Kari ― constatou imediatamente após ser cumprimentada.

Misha riu.

― Nem sabia que eu tinha essa cara ― comentou divertido. ― Mas sim, é exatamente o que estou com vontade de fazer. Com os dois. ― Suspirou, desistindo de ficar meio puto, levando-a a rir, o que o fez se acalmar um pouco mais.

Mayume tinha aquele efeito sobre as pessoas.

― Acabei de vir da cozinha, ― ela se pronunciou após alguns instantes, tornando sua expressão chateada. ― e a Dango-nee contou o que aconteceu. Nunca imaginei que o Sugaya-san seria capaz de uma coisa dessas ― concluiu o comentário um pouco mais séria, demonstrando decepção.

― Sim ― concordou, voltando a sentir a irritação lhe subir. ― Ele foi um grande filho da puta idiota ― xingou com ferocidade, esquecendo-se momentaneamente a calma que havia adquirido com a conversa anterior.

― Parece que não é só na Kari e no Satoshi que você quer bater. ― Ela sorriu num misto de compressão e divertimento.

― Não nego que gostei da surra que ele levou. Se não fosse o Satoshi, eu mesmo teria o feito. ― Ele continuaria, mas parou de falar no instante em que enxergou o sorriso matreiro nos lábios da Sakata mais nova, finalmente percebendo a revelação que acabara de fazer. ― Hã... eu vou descer ― anunciou, se virando na direção contrária, se preparando para fugir.

― Ignorar os fatos, não os altera ― a albina se pronunciou antes dele dar o primeiro passo, fazendo-o olhá-la de volta. A mais nova sorria tão doce quanto lhe sorrira ao cumprimentarem-se. ― Foi o Shouyou-sensei que me disse isso uma vez. ― Fechou os olhos, aumentando o sorriso. ― Então, como ele está sempre certo, porque não conversamos sobre o que você está tentando ignorar? ― Abriu os olhos, voltando a encará-lo gentil.

Misha suspirou mais uma vez na noite, vencido pela jovem, e a acompanhou até o quarto que ela dividia com Soujirou. Os próximos 15 minutos seguintes seguiram-se com Mayume ouvindo atentamente tudo o que o melhor amigo de seu irmão dizia.

Misha não era dado a sentimentalismos ― muito menos os românticos ―, e nem a ficar falando sobre isso com qualquer um que fosse. Nunca fora. Menos ainda por ter crescido ao lado de duas pessoas completamente desapegadas àquele tipo de coisa. E por esse fator é que o moreno não creditava que estava falando sobre sentimentos com uma garota quatro anos mais nova que ele. Se Satoshi e Kari um dia ficassem sabendo disso, com certeza não deixariam passar; ele próprio estava achando aquilo uma piada de mal gosto, mas desistiu de tentar colocar alguma vergonha na cara. Por isso mesmo, decidiu contar tudo de uma vez.

Nas últimas semanas que se passaram parecia que estava lutando contra um dragão para ignorar e não admitir toda aquela porra. Então, ele podia não admitir naquele momento, mas falar tudo o que vinha guardando para alguém parecia deixá-lo um pouco menos irritado com tudo. Mais ainda quando esse alguém era uma ouvinte tão agradável quanto Mayume.

Somente após ouvir tudo o que o outro tinha a dizer, fora que a mais nova finalmente se permitira pronunciar-se de modo mais completo.

― Não vejo porque complica tanto isso ― comentou tranquila, ainda de seu modo gentil.

― O que quer dizer? ― Olhou-a levemente confuso.

― Você se apaixonou pela Dango. Ponto. Isso não é algo do que você tem que se envergonhar ou sentir receio. ― Sorriu. ― Acho muito plausível, na verdade, porque a Dango-nee é uma mulher incrível e vocês se conhecem desde crianças. Talvez o sentimento não tenha surgido antes pelos simples fato de você não ter se atentado aos detalhes que o fizeram se apaixonar, e agora os percebeu. ― Deu de ombros rapidamente.

― Então você acha que eu devo nutrir isso? ― questionou meio hesitante.

― Acho que deve deixar as coisas acontecerem e fluírem normalmente ― corrigiu. ― Não ignore seus próprios sentimentos, mas também não se force a “investir” nisso agora. Até porque, não acho que ela vai estar com cabeça pra um novo romance por enquanto ― concluiu pesarosa. ― Mas não ignore-os! ― Voltou a afirmar convicta.

― Ok, ok. Entendi. ― Levantou os braços em rendição, sorrindo levemente divertido. ― Aceitar meus sentimentos, mas sem forçar a barra ― concluiu, resumindo o que a albina queria dizer.

― Isso aí! ― concordou animada, piscando com um olho só para o outro.

― Cara... ― começou recostando-se na cabeceira da cama da menor, fechando os olhos e fazendo uma careta. ― O Satoshi vai me matar.

O comentário levou a jovem rir até ouvirem batidas na porta. Aparentemente Soujirou terminara o trabalho, e agora voltava para o quarto. Isso levou o moreno a levantar-se, agradecer à Mayume pela conversa, e então voltar para o quarto do amigo, onde os outros dois terminavam de se vestir.

Ele agora parecia ter um bom e longo caminho a percorrer. Só de pensar que uma hora ou outra teria que admitir aquilo para Satoshi, já tinha vontade de desistir.

Mas bem, ele nunca fora alguém que desistisse fácil do queria, certo?

Dois meses depois...

Sentada no sofá da sala de estar, Dango enfim aproveitava uma noite livre de trabalho ou de estudos, apenas imersa numa leitura de Viagem ao Centro da Terra. Apesar de fisicamente improvável, tinha algo na ficção científica de Julio Verne que prendia a albina, impedindo-a de parar de ler e desconcentrando-a de todo o resto. Tanto que não deixou de ler mesmo quando levantou-se para pegar um lanche na cozinha, voltando cinco minutos depois com uma maçã em mãos e sentando-se no mesmo lugar que antes.

Tudo muito bom, tudo muito bem, se não fosse por um pequeno detalhe.

— Dango? — A voz masculina soou próxima ao seu ouvido.

Um grito e um pulo para o lado oposto foram as reações de Dango, e ela teria atirado o livro na cara do homem também se não o tivesse reconhecido rapidamente. Embora isso não tenha ajudado seu coração a desacelerar.

— Deus, Misha... — Suspirou, recuperando-se do susto.

— Foi mal, eu não queria te assustar. — Apesar de dizer isso, dava pra ver claramente que ele segurava uma risada.

— Não, foi culpa minha não ter te visto.

Dango voltou a sentar direito, à uma distância mais segura do moreno, quando algo lhe ocorreu.

— Você não estava aqui antes de eu ir para a cozinha, estava?

E falando em cozinha, para onde teria voado a sua maçã?

Olhando pelo chão, à procura da fruta, ouviu Misha responder.

— Não, acabei de chegar e Rose disse que vai chamar o Satoshi, então estou aqui esperando. A propósito, — Ele pegou a maçã vermelhinha que caíra em seu colo e a estendeu de volta para a albina, com um sorriso divertido. — acho que isso é seu.

— Ah, aí está — a albina constatou o óbvio, sorrindo meio sem jeito e corando levemente.

Ela sequer se deu conta disso; o homem à sua frente, contudo, percebeu, e gostou muito do que viu.

Misha sorriu lateralmente, ainda divertido, mas agora seus olhos fixavam-se nas orbes castanhas femininas, até que sua dona desviou-as, ainda mais constrangida. Uma vontade absurda de descer seu olhar aos lábios claros o tomou, fazendo-o atender a esse desejo no mesmo instante.

— O-o que foi? — questionou sem graça, aumentando o tom rosa em suas bochechas. — Por que você está me encarando desse- — Mas foi surpreendida por algo que nem em mil anos conseguiria prever.

Quando se deu conta, sua maçã já havia caído em seu colo, assim como seu livro, por conta do leve impacto que sentiu contra si, quando o rapaz a tomou num ímpeto, em um beijo sem aviso prévio. Sentia os lábios dele contra os seus, sem reação, de olhos abertos e esbugalhados em surpresa.

Misha, por sua vez, já tinha seus olhos fechados e uma de suas mãos apoiando a nuca de Dango, enquanto a outra encaminhava-se para a cintura. Não demorou muito a pedir permissão de passagem, passando a língua pelos lábios femininos, logo conseguindo-a e então a puxando com firmeza contra si, deliciando-se com a sensação do toque dos dois órgãos papilares, que começavam a se entrelaçar num beijo profundo, embora lento, para maior delírio e apreciação de ambos.

Mesmo sendo quem iniciou o ato, Misha ainda levou uns segundos para processar que estava de fato provando daqueles lábios, com os quais tanto fantasiara durante os últimos meses. E o mais prazeroso era sentir Dango correspondendo.

A garota não fazia ideia do que estava fazendo, uma parte de seu cérebro apitava avisando que aquilo não devia ser assim, mas... Céus, como ele beijava bem.

Nenhum dos dois se incomodaria de continuar como estavam pelo resto da noite.

— MAS QUE PORRA É ESSA AQUI?!

O berro vindo do nada, porém, fez os dois separarem os lábios de supetão, só para darem de cara com um Satoshi boquiaberto e que a cada segundo ganhava um tom de raiva em sua expressão.

— Um beijo? — Misha fora quem respondera calmamente, mas em tom de ironia, um tanto quanto irritado por ser interrompido.

Com sua resposta viu algumas veias saltarem na testa do amigo, que agora decididamente estava ainda mais raivoso.

— E o que diabos você está fazendo se agarrando com a Dango no sofá da sala da minha casa, seu maldito?!

— Você acabou de ver e eu de falar o que estávamos fazendo. Quer que repitamos o ato pra você ter uma melhor visão da situação? — novamente respondeu muito calmo, já com a irritação inicial se extinguindo.

Misha já imaginava que alguma coisa como aquilo iria acontecer assim que Satoshi soubesse que poderia existir algo a mais entre ele e Dango. E, sinceramente, provavelmente aquele era seu maior receio em tentar qualquer coisa com a albina, porque se algum dia tivesse que escolher entre seu melhor amigo e a garota que ele gostava, estaria fodido, em todos os sentidos da palavra.

Talvez fosse por isso que demorara tanto a admitir os sentimentos para si mesmo e tomar alguma atitude, ele não costumava ser tão indeciso. Ainda assim, naquele momento, podia dizer que estava aliviado. Conhecia o amigo bem o suficiente pra saber que aqueles xingamentos, a voz alterada e olhar mortífero que recebia só eram consequências de um chilique momentâneo. Satoshi verdadeiramente com raiva era algo muito mais perigoso e preocupante. E aquele não era o caso, porque se fosse, estaria agora à no mínimo dez passos da Sakata mais velha, pedindo desculpas a ambos.

— Não zoe com a minha cara, seu filho da puta! — xingou indignado, fazendo o outro rir descaradamente. — Você quer apanhar, seu merda? — questionou repleto de irritação, agora mais pelo fato de estar sendo zoado do que pelo beijo em si.

— Quer se acalmar?! — A voz de Dango fora ouvida, quando ela finalmente conseguiu acalmar um pouco o coração, que estava acelerado tanto pelo flagra quanto pelo beijo.

— Eu não vou me acalmar enquanto vocês não me disserem o que caralhos essa porra significa!

— Foi um beijo, Satoshi! Um beijo! Você é cego, surdo ou o quê? Ou você pensa ter visto outra coisa? — agora era a garota que começava a seriamente se irritar.

— Eu vou te dizer o que vi! O meu melhor amigo se agarrando com minha irmã! Foi isso o que vi! — bradou exasperado.

— E daí? — Dango o olhou numa calma gelada admirável, embora a  vontade de dar uns tapas no irmão pussasse em seu peito.

Satoshi chegou a abrir a boca para responder malcriadamente, mas preferiu respirar fundo e encará-los seriamente, de braços cruzados.

— E então? Vocês estão namorando ou o quê? — perguntou sem altear a voz, mesmo que o tom permanecesse agressivo.

— E você por acaso namora todo mundo que beija? — respondeu malcriada, fazendo ambos os homens esbugalharem os olhos, surpresos.

Misha não dissera nada, mas aquela frase o ofendeu de forma bastante desafiadora.

Ela iria ver só.

Satoshi, por sua vez, após se recuperar da surpresa do questionamento, descruzou os braços, dando as costas a ambos.

— Quer saber de uma coisa? Foda-se. Continuem aí se agarrando que eu tenho mais o que fazer hoje à noite — declarou já calçando os sapatos à porta e então saindo, deixando ambos.

Alguns instantes de silêncio acometeram a sala, até que Misha o cortou.

— E então? Vamos seguir o conselho dele? — Aproximou-se da jovem, sorrindo meio divertido, meio sacana.

Dango, no entanto, encolheu-se brevemente contra o braço do sofá.

— E-eu tenho que ir. — Levantou-se de supetão. — Tchau! — E então saiu às pressas da sala, subindo as escadas com seu livro e sua maçã na mão, deixando um Misha sozinho na sala, com um sorriso ainda divertido em meio ao bico um tanto quanto insatisfeito pela negativa.

Aquilo seria muito interessante...

(...)

Já era manhã, por volta das 8:30. Todos se encontravam à mesa, com exceção de Satoshi, fazendo o desjejum em família, como costumavam serem os domingos. Gintoki conversava com Mayah, decidindo-se se iriam passar o dia em casa ou iriam sair, enquanto seus filhos conversavam entre si e com Rose.

— Bom dia. — Ouviu-se a voz de Satoshi adentrando a sala de jantar, um tanto quanto mal humorado.

— O que foi isso? — Mayah levantou uma de suas sobrancelhas, encarando o filho.

— Isso o quê? — devolveu a pergunta, tentando não parecer malcriado.

Sentou-se em uma das cadeiras vazias.

— Você de mal-humor em pleno domingo de manhã — Sayuri fora quem respondera ao gêmeo, passando geleia em uma fatia do seu pão.

Dango imediatamente ficou tensa, mesmo antes dos olhos do irmão caírem sobre si (olhar que ela se recusou a devolver), pois sabia a resposta para aquela pergunta. Uma pequena raiva borbulhou dentro de si pelo fato do irmão ainda estar encucado pelo beijo que presenciara na noite anterior, mas a albina apenas continuou a comer calada, desejando internamente que Satoshi pelo menos tivesse a decência de não abordar aquele assunto na frente da família inteira.

— Pois é, né — respondeu ele ironicamente, encarando a irmã mais velha do outro lado da mesa. — Existem coisas que nos irritam tanto que nem uma boa transa nos faz acordar de bom humor — complementou sarcástico, fazendo com que Sayuri rolasse os olhos, agora passando a geleia na outra fatia de pão.

— Poupe-nos dos detalhes da sua noite — reclamou sua gêmea ainda entediada.

— E o que diabos te irritou tanto? — Mayah voltara a perguntar.

Dango engoliu em seco, finalmente devolvendo o olhar de Satoshi, seus olhos castanhos arregalados para o irmão em uma ameaça silenciosa para que não dissesse nada. Ela deveria ter sido mais esperta, porém, pois aquele olhar só fez um sorriso meio diabólico nascer nos lábios de Satoshi, antes de ele soltar com certa satisfação.

— Pergunta pra ela. — Indicou a albina, ainda com o mesmo sorriso, o que fez com que todos automaticamente encarassem Dango, curiosos.

Meu povo, se olhares matassem... Mas não matavam, e tendo essa certeza Dango apenas suspirou, tentando acalmar sua mente para que pudesse dar uma resposta decente para sua família.

— O Satoshi está exagerando, como sempre — ela começou. — Ele acabou entrando na sala enquanto eu estava resolvendo um assunto pessoal com o Misha e ele está nervosinho desde então.

— Assunto pessoal?! — irritou-se o outro. — Assunto pessoal o caralho! Vocês estavam fodidamente se pegando!

Nesse momento exato, qualquer movimento à mesa foi imediatamente paralisado. Mayah, Rose e Soujirou encararam estáticos à Dango; Mayume e Sayuri pararam seus pão e garfo, respectivamente, a meio caminho da boca; e o único som ouvido fora o de Gintoki se engasgando com força com o suco que tomava.

— Como é isso aí?! — ele exclamou alto após conseguir sobreviver ao engasgo.

— Foi um beijo! — Dango exclamou, por pouco não se levantando da cadeira em seu desespero para deixar aquilo claro. — Um. Beijo. Que aconteceu uma vez e eu nem sei se significou alguma coisa- mas o ponto agora não é esse! — Ela devolveu a encarada de Satoshi. — Você chamar aquilo de pegação, parece até que nunca se pegou com ninguém na vida pra saber como é. Não é como se nós estivéssemos para fazer coisas impróprias naquele sofá!

— Não interessa do que você queira chamar — devolveu ainda irritado. — Você estava se agarrando com meu melhor amigo, porra! E eu vou acabar com aquele infeliz por isso! — Lembrou-se de Misha e do quanto queria dar-lhe umas porradas.

— Isso já é assunto seu com ele — Dango retrucou, sabendo que Satoshi dificilmente iria mesmo partir pra violência. Se fosse para bater, ele teria socado Misha para longe dela na noite anterior. Tanto tinha certeza desse fato que adicionou a próxima parte. — Até porque, foi ele quem me beijou.

— Por isso mesmo vou pegar aquele desgraçado. Traidor filha da puta — xingou tacando com ferocidade uma boa quantidade de geleia em sua bolacha.

— Satoshi, menos — repreendeu a mãe, se recuperando da surpresa.

— Espera só um segundo — Gintoki voltou a falar. — O que exatamente eu devo pensar sobre isso? — Encarou a filha, suas expressões estavam sérias, embora tranquilas.

Dango abriu a boca pronta para desconversar. Ela não tinha segredos sobre seus relacionamentos para com seus pais, mas discutir o beijo com seu atual crush na frente da família toda era invasivo demais para ela.

Era uma posição totalmente desconfortável!

E ainda assim... quando olhou mais uma vez nos olhos de seu pai, tão receptivo para qualquer resposta que ela tivesse para dar... Dango não pôde fazer nada além de se abrir.

— Sinceramente? — O fato de sua voz não sair chorosa foi uma vitória. — Eu não sei nem o que eu devo pensar sobre o que aconteceu.

— Pois então pense e resolva isso com ele — o pai respondeu, ainda sério, mas agora em um tom de conselho. — E você, — Apontou para o filho gêmeo. — pare de dar chiliques e deixe sua irmã em paz — repreendeu levemente irritadiço.

O albino mais novo, por sua vez, apenas bufou, ignorando a ameaça e se concentrando em seu café, ainda completamente mal-humorado.

Dango, no entanto, tinha uma longa trilha a percorrer para descobrir o significado do que estava acontecendo e o destino que aquele caminho traria.

Mal sabia ela que era o melhor e mais feliz que ela poderia desejar...


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