Lionhearted escrita por Karenina


Capítulo 4
500 segundos antes da Primavera


Notas iniciais do capítulo

Peço desculpas pela demora. Meu computador quebrou e tive que começar a história do zero devido a perda de todos os meus arquivos. Provavelmente, eu vou reescrever este capítulo novamente (pela terceira vez)



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Ferelden era linda naquela época do ano. O que se tornaria uma contradição, pois todo o país ainda se encontrava entre comuns e nobres, a fronteira com Orlais ainda tinha aqui e acolá suas desavenças, nada muito grave. A turbulência política criou uma certa onda de preconceito e uma trégua que não ia além de algumas caretas. Porém também foi uma época de paz após tantos conflitos abertos e para cada um do país, foi um momento de calma antes da tormenta que foi a Blight e que quase varreria o continente se não fosse pela heroína de Ferelden. E para Cullen, o momento antes de um pesadelo que se estenderia ao longo dos anos.

Cold blows the wind to my true love,

And gently falls the rain.

I never had but one true love,

And in greenfell he lies slain.

No primeiro dia da primavera, Wintersend, Greenfell fervilhava com mercadores, com os versos do chant of light e crianças comemorando o feriado, a celebração do Criador. Os Templários estava pelo menos por um dia no ano, e Cullen agradecia por isso, livres de treinamentos com espadas ou de qualquer outra responsabilidade. Em uma das mãos, ele tinha uma carta de Mia e mais uma vez a mente dele estava dando voltas quanto a resposta que ele deveria escrever. O vento, ainda frio trazia os sons das crianças gritando misturada com o som dos mercadores, as notas de alguma rabeca e de alguma cantiga em uma doce voz.

Naquela manhã, ele se escondeu em uma das torres do mosteiro, onde alguns passarinhos insistiam em fazer ninho mesmo com todos os esforços para expulsa-los de lá. Ao redor dele, inúmeras bolas de papel, resultado das tentativas de resposta a carta. Tão absorto ele estava que não viu o homem parado a porta o observando com os olhos atentos e os braços cruzados. O cabelo e a barba escura tinham fios grisalhos, os olhos eram de um azul profundo. Não tinha uma armadura, apenas uma roupa simples, mas elegante – calças grossas, botas para cavalgar e casaco de linho.

“Achei você. ” Ele falou, tirando Cullen do transe. “Estou surpreso que não tenha me percebido aqui. ”

Cullen levantou a cabeça e olhou em direção ao visitante. Demorou alguns segundos para se lembrar de quem era. Ele se levantou rapidamente para cumprimentar o amigo.

“Rein... quero dizer, Ser... Eu... desculpe. ” Cullen evitou olhar para ele e Reinhardt não pode deixar de sorrir enquanto batia levemente no ombro do rapaz. “Há quanto tempo está aqui? ”

“Não se preocupe com os títulos e patentes. Reinhardt está de bom tamanho. ”  Ele deu alguns passos em direção a uma das janelas com as mãos cruzadas nas costas, evitando as bolinhas de papel... “Não muito tempo. Você parecia tão concentrado e não quis atrapalhar. ”

“Escrevendo uma carta para minha irmã. ”, ele explicou. “Achei que ela gostaria de saber que meu treinamento acabou e fui colocado em um círculo. Kinloch. ”

“Diga o que quer dizer. ” Reinhardt virou o rosto para observá-lo com um sorriso. “As coisas importantes não precisam de floreios. ”  O sorriso se desfez e ele olhou para fora, um olhar perdido em algum pensamento. “Kinloch, hum? Bom trabalho, garoto. ”

“O que te incomoda? ”, Cullen perguntou, curioso. “Você não é o Knight-commander do círculo de...”

“Ostwick? Não a muito. Meu filho está no meu lugar. Minha filha também, ela é um mago. “

“Oh. ” Ele retrucou. “Não...”

“Tudo bem. ” Ele replicou rapidamente. “ Ela deve ter a sua idade agora. Eu lamento por ela, sabe? Há muito que não a vejo. Não ser mais Knight-Commander me fez pensar. ”

“Pensar? ” Cullen se encostou na parede próxima a janela o observando atentamente. O homem ali a frente dele, não era mais o mesmo homem que o recrutou anos atrás. Parecia que ele tinha envelhecido uma década em poucos anos. Mas o que mais o chamava a atenção era a sensação de perda que estava presente em seus olhos. Era como olhar para um mar profundo e saber que poderia se afogar facilmente.

“ Em como as coisas se transformam. Em como tudo invariavelmente se transformar. ” Reinhardt balançou a cabeça tentando afastar um pensamento e se virou para Cullen. “Deveríamos descer? Tenho um presente para lhe dar. ”

Surpreso, Cullen abriu os olhos e o acompanhou na descida das escadas. “Um presente? ”

“Surpreso? Não deveria. Foi eu quem lhe colocou na Ordem, e quem está orgulhoso por saber que chegou ao objetivo desejado. ”, Reinhardt esboçou um sorriso amigável.

“Eu... Quero dizer, não era a sua obrigação. E ainda sinto que estou em dívida, mesmo após todos esses anos apenas por ter me aceitado. ”

Reinhardt inclinou a cabeça, o observou por alguns segundos e permaneceu em silencio. Ambos caminharam até o estábulo enquanto os mais velhos observavam cada detalhe do mosteiro com curiosidade, como quem queria guardar cada parte daquele momento.  Quando chegou ao cavalo, um imenso cavalo branco de guerra, ele mexeu nas fivelas que prendiam um grande pacote fino e longo, enquanto seus olhos viajaram para adiante, para um Templário velho, parado que olhava para o céu enquanto murmurava coisas sem sentido. Reinhardt o encarou com pesar, o rosto em uma expressão triste. Ele desviou o olhar de volta para o pacote e o entregou a Cullen.

“É uma espada. Lamina de obsidiana e detalhes em osso de dragão. ”

Cullen enrubesceu ao abrir a flanela vermelha e encontrar a lamina. Ele ficou sem palavras diante do presente, e tudo que saiu de seus lábios foi um agradecimento em meio a tropeços.

“Me pergunto qual critério você vai utilizar quando apontar esta lamina para decidir o que é certo e errado. ”, Reinhardt disse enquanto o observava com um sorriso melancólico.

“Hum? ”

“Rutherford, me escute. ” Ele colocou uma mão no ombro do garoto. “O mundo está prestes a mudar. Um dia te disse para não ter arrependimentos e agora eu torço para que não os tenha. ” Havia uma urgência ali. Em cada uma de suas palavras.  O sino do mosteiro tocou, chamando Rutherford para a oração na Chantry. Reinhardt abaixou a mão e deu um sorriso torto. “ Vá, antes que alguma senhora em cambraia venha em sua busca. Que o Criador lhe acompanhe em seus passos em seu novo caminho. Adeus, Rutherford. ”

 

Havia tanto que ele gostaria de dizer, voltar atrás e não ter colocado o garoto nesse caminho. Talvez de todos os meus erros, te colocar na mesma vida que a minha foi o pior. Enquanto andou por Greenfell, ele concluiu que a Ordem tira, tira e tira enquanto puder: sua vida, suas memórias, seus sentimentos, lhe coloca em uma coleira e lhe deixa faminto por poder.  Que assim fosse. E então ele sorriu, o sorriso de um louco que aceitava seu destino amaldiçoado mais uma vez.

Cullen Rutherford foi o último a quem ele devia um adeus nessa vida.

****

“ A escolha é sua, Rutherford. ”

Cullen não dormia profundamente fazia vários anos. Ele costumava sonhar com pesadelos, mas certos sonhos as vezes retornam como avisos, um mecanismo que a mente simplesmente diga que não é tão difícil se esquecer de fatos passados, em meio a uma existência tão copiosa.

De repente, ele estava de volta a Kirkwall, dois vidrinhos de Lyrium a sua frente e as palavras de Cassandra ecoando em sua cabeça. Não precisava esperar, não devia nada a ninguém. Sentou-se na poltrona que um dia pertenceu a comandante Meredith, segurou um dos vidros nas mãos, azul brilhante. Se bebesse, ele continuaria em Kirkwall e não seguiria Cassandra em direção a só o Maker sabia de volta a Ferelden. Se bebesse, provavelmente ele subiria a dose de um para dois, depois para três e provavelmente morreria em alguns meses em uma overdose, sufocado com o próprio vômito.

Ele era um covarde, no fim das contas. Estava com medo, mas medo de quê? Havia aceitado esse caminho ao entrar na ordem, agora tinha que enfrentar as consequências. Ele era um Templário, mas acima de tudo, ele queria fazer o certo. Então, o que esperava?

Eu me pergunto qual critério você usará para decidir o que é certo e errado?

Deu um último suspiro. Ele abriu um vidrinho. Observou por alguns segundos, escutando o chamado daquela canção. E então, fez a decisão, jogando os frascos contra a parede.

***

Ele acordou com o som de um clique.

Mas manteve os olhos fechados por alguns segundos, quando ouviu o cantarolar de uma canção enquanto dedos corriam pelos seus cabelos suavemente. Ele ouviu o clique novamente e os dedos se afastaram e implorou mentalmente para que os dedos voltassem. Ao abrir os olhos, a primeira coisa que ele viu foi como o teto de madeira possuía diversos ramos de elfroot pendurados e amarrados com o objetivo de secar as folhas. A segunda coisa foi a calma, um silencio quebrado somente por algum murmurinho distante. A terceira foi a maca onde estava deitado e a cadeira próxima dele e a quarta e última foi Sophie. Ele levou os dedos a ponte do nariz, fechou os olhos antes de olhar para ela, tentando dispersar a névoa em sua mente rapidamente.

Ela assoviava uma canção enquanto picava algumas folhas de alguma erva e colocava em um pote. Cullen não sabia onde ele estava ou como ele veio para aqui, mas ao contrário dele, Sophie parecia naturalmente à vontade ali. Ela levou ao nariz um pedacinho de canela antes de exibir um sorriso nostálgico, o jeito que seu corpo se movimentava e fazia parte daquelas estantes cobertas de vidrinhos com poções e ingredientes para coisas que ele sequer imaginava. Enquanto ele a observava, ele acreditou por alguns segundos que era um garoto novamente, encarando verões em que as coisas eram simples e os dias eram longos e tudo parecia paz.

E então de uma hora para a outra, a paz foi quebrada com um xingamento alto, quando Sophie levou um dedo a boca e Cullen não pode deixar de soltar uma risada baixa. Ela olhou para ele com uma expressão de raiva, o dedo encostado nos lábios.

" Rir porque não foi com você, Rutherford." Ela se virou em direção ao que estava fazendo, pegou um copo e colocou todo o trabalho que tinha feito misturando com água quente que aquecia em um fogão de lenha próximo.

Se arrastando para uma posição sentada, ele imaginava que sofreria algum tipo de dor, quando tudo o que veio uma leve tontura que se dissipou rapidamente. Sophie entregou o copo a ele e fez um movimento com as sobrancelhas para que ele desse um gole.

Cullen bebericou, o gosto era amargo e espumoso e o lembrava um tipo de chá refrescante.

"Que poção é essa?"

" Algo para febre."

"Febre?" , ele perguntou sem entender. Um segundo depois, um clique na mente. “Ah, Febre. ”

Um dos efeitos colaterais pela falta de lírio.  Provavelmente ela devia pensar que era outra coisa relacionada aos ferimentos da luta. Ele deu um murmúrio sonolento.

“O que aconteceu? Por quanto tempo eu dormi? ”

Ela o olhou de cima a baixo. Enquanto ele bebia o resto da poção, lentamente.

“Você esteve desmaiado por dois dias. ”

“Eu não estive desmaiado. ”, ele resmungou em desafio, embora ele soubesse que isto não o levaria muito longe.

“Claro. ” Ela riu, escondendo o sorriso com a mão. “Você desmaiou, Rutherford e pareceu para todo mundo que estava morto. ”

Cullen bufou, esfregando as mãos sobre o rosto.  Olhou na direção de Sophie, envergonhado.

“Estamos nas Crossroads, Comandante. Parece que nossa bagunça chamou a atenção de alguns soldados da Inquisição estacionados nos arredores. Quando você desmaiou, eles apareceram e nos trouxeram para as Crossroads. Por dois dias, eu tive que aguentar um sermão de Cassandra e Solas. Por dois dias, eu tive que ouvir Madre Giselle e ajudei no que pude.

Os ombros dele ficaram tensos, um suspiro cansado escapou de seus lábios e uma sensação de medo o encontrou. “Você... disse... Cassandra? ”, ele falou, pausadamente não acreditando no que ouviu.

“Eu sei como se sente, Rutherford. Mas isso fica para amanhã. Sugiro que tome um banho. ” Ela piscou na direção dele antes de apontar com a cabeça em direção as roupas dobradas em uma cômoda próxima. “Roupas limpinhas. Seu ferimento está cicatrizado de forma satisfatória. Eu esperarei lá fora. ”

Ao fechar a porta, Sophie fechou os olhos e suspirou pesadamente antes de seguir em direção a uma grande fogueira onde algumas pessoas se reuniram para conversar entre si, comer carne de carneiro que ela tinha conseguido mais cedo.

Toda a situação era confortável, realmente confortável como não era a muito tempo. E era algo gratificante e aterrorizante ao mesmo tempo, porque ele estava tão pouco acostumado. Ela não pode deixar de sorrir.

“Porque você está sorrindo? ”, Cassandra perguntou enquanto caminhava na direção dela. A pouca luz acentuando os ângulos do rosto dela e a cicatriz profunda em sua mandíbula.

Sophie olhou em direção a alguns que começaram a cantar uma música que ela conhecia muito bem enquanto bebiam cerveja.

“Nada. Talvez pela ironia do momento. Espera que magos cumpram todas as regras da Chantry, e agora ela não quer nada comigo. ”

“Ou comigo embora eu seja o que sou.” Cassandra observou. “Peço desculpas, Arauto. ” Cassandra se afastou e ela tinha certeza que ela foi em direção a Cullen. Era a vez dele ouvir um sermão.

Se aproximou cada vez mais da fogueira, ela se sentou no chão, em uma calçada alta de pedra coberta com musgos, os pés balançando contra a pedra. Ela esfregou a testa retirando alguns fios de cabelo de cima dos olhos enquanto pensava sobre Ostwick. Ela sentia saudade de lá. E enquanto pensava em casa, algumas lágrimas escaparam de seus olhos.

Alguém se aproximou dela, se sentou bruscamente do lado dela. Rutherford.

“Você está bem? ”

Sophie enxugou as lágrimas rapidamente, não querendo que ele as visse. “Sim, sim. Estou bem. ”

Ambos tinham seu próprio passo na conversa e ele não fez mais perguntas. Permaneceu silencioso ao lado dela.

“Trégua, Rutherford? ” Ela estendeu a mão em direção dele.

“Hm? ”

“Parece que estou preso por enquanto com a Inquisição. Trégua entre nós dois então? ”

Cullen olhou na direção dela, desconfiado.  Ela fechou a mão e deu um soco de leve no braço dele. “Estúpido. ”

Ele gemeu de dor, colocando a mão no braço. “é aqui que nós nos separamos, Rutherford.”

“Como? ”

“Cassandra quer que eu vá para Orlais. Madre Giselle quer que eu fale com os Clérigos lá. Deseje-me sorte, Comandante. ”, ela piscou para ele.

Cullen não disse nada, mas ela pode perceber pela tensão na expressão dele que ele tinha um grande esforço para se segurar. “Eu manterei minha promessa, Arau... Sophie. ”

“Eu sei”, ela disse. “Eu sei que vai. ”

Ele deu um sorriso. “Apenas não desista tão facilmente, Arauto. ”

Ela balançou a cabeça. “ Arauto. Ele continuou dizendo que eu sou apenas Sophie Trevelyan, ” ela insistiu, mas como sempre era motivo para discutir. Ela suspirou, mas sorriu. “Obrigada. ”

“Idem. Por salvar minha vida. ”

Olhando na direção dele, ela não pode deixar de ouvir os sussurros de duas garotas próximas deles. Eram os mesmos sussurros que ela ouviu no passado em relação a Theo. Além desses tinha mais um: algum dia eu acho que eles ficarão juntos. Eles são tão lindinhos juntos.

Ela sorriu diante disso. Se afastando em direção dele, ela pulou da calçada e falou alto olhando para as duas.

“Melhor esperar sentadas, senhoritas. ”

Cullen olhou confuso diante da cena. Ela caminhou em direção a um grupo de pessoas que dançavam e cantavam se despedindo dele com dois dedos próximos da cabeça, os cabelos refletindo o brilho amarelo da fogueira e ele não pode deixar de sorrir.  A primavera começava novamente.


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