Lionhearted escrita por Karenina


Capítulo 1
Passado




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—s.m.: é uma caixa vermelha empoeirada repleta de brinquedos da velha infância. é o álbum da adolescência. São memórias com pessoas as quais não converso desde muito. é onde se perpetuam bons amigos. Lugar no qual os erros deixam manchas. é o que nenhum ser irá mudar. é o pai da nostalgia.

é o pilar que sustenta o futuro.

J.D.

 "todas as famílias felizes são parecidas;
cada família infeliz é infeliz de seu jeito."
 Liev Tolstoy

Os pais o chamavam de Leãozinho, por conta dos cachos que mais pareciam uma juba, especialmente de manhã quando acordava. Ele era o segundo filho de quatro, sempre rindo até mesmo quando estava mal-humorado, reclamando por conta do barulho que seus irmãos faziam quando queriam roubar os biscoitos amanteigados que ainda estavam esfriando.

A diferença de idade entre eles era pouca assim como na aparência; crianças de cachos loiros, os outros diziam. Às vezes corriam pela praça de Honnleath e brincavam com a estátua que ficava ali, jogando pipoca para atrair os pássaros e a menor correr até eles assustando-os e os fazendo voar em direção ao céu infinitamente azul. Dos quatro ele era o tímido, mas sempre sorridente; nunca desistia, nem mesmo quando perdia consecutivamente no xadrez.

Naquele dia, brincando com gravetos fingindo que eram espadas derrotando dragões e salvando pessoas de magos ruins os quatro imaginaram o que queriam ser. Algo além de passarem o resto da vida sob o mesmo céu infinitamente azul que agora observavam enquanto estavam sentados no cais de madeira velha.

“Um gato!”, a caçula falou, antes de miar alto várias vezes.

Todos riram, menos ele.

“Um Templário.”, falou confiante sem um tremor sequer na voz.

O outro irmão olhou para ele fingindo respeito disse: “Ser...”, acenando com a mão antes de empurrá-lo em direção ao lago e rir quando viu a expressão furiosa no rosto dele ser arruinada pelos fios loiros que caiam pelo rosto.

A irmã mais velha apenas observou, curiosa com a resposta dele. Enquanto eles caminhavam de volta para casa, para ajudar a mãe nas tarefas domésticas e o pai na fazenda, a irmã mais velha se aproximou dele.

“Falava sério quando disse que quer ser um Templário?”

“Sim”, ele afirmou com a cabeça.

“Eu vou te ajudar, assim como eles dois também.”, ela disse. Ele quase sentia pena dos mais novos se a resposta que saísse da boca deles fosse um não. Teimosa, assim como ele.

Ele sorriu em resposta.

“Ser...”

Ela curvou a cabeça, antes de dar um soco de leve no braço dele e gritar para os dois irmãos que estavam atrás se apressarem.

“Shhh!”, ele chiou antes de olhar para o horizonte. Mas sem que a irmã notasse, ele sorriu pelo apoio.

 

Um. Ele podia sentir o calor do verão em volta dele. Dois. Ele podia escutar o silêncio apenas interrompido pelo canto das cigarras e o ritmo das minúsculas ondas que batiam no cais. Três. Ele podia sentir a umidade do ar e assumir que mais tarde iria chover. Quatro. Ele estava decidido e com saudade. Cinco. O barulho dos irmãos avisava que mais uma vez eles o tinham encontrado. E eles sempre o encontravam.

Era verão, cinco anos depois de ter feito a promessa a si mesmo. Durante cinco anos ele tinha aguentado longas horas sufocantes em torno do barulho dos irmãos. Em meio ao calor, quando os quatros estavam entediados, eles escapavam em direção as florestas para caçar ninhos de passarinhos, nadar no lago, ou se deitar por horas na margem, vendo o sol passar vagaroso sobre suas cabeças, imaginando o dia de amanhã. Ele treinava com uma espada de madeira, não mais um graveto, observava os templários treinarem na Chantry, brincava com os irmãos fingindo que ele era um templário que tinha que achar um mago fugitivo. A caçula sempre reclamava. No inverno, não tinha muito que fazer na fazenda. Os caçadores partiam para a floresta em busca de caça ou seiva; os pássaros da praça partiam para o norte, Antiva, Rivain, Tevinter. Embora os dias ficassem mais curtos e frios, ele não negligenciou seu treinamento. Os outros dois mais novos, se entediavam com maior frequência e irritavam os pais. Então os quatro se escondiam dos pais em algum lugar, atuando seus papéis para ninguém e comendo amoras selvagens.

Mas naquele dia, daquele verão em que ele iria começar seu treinamento, ele estava novamente no cais do lago, aproveitando os poucos segundos de silêncio.

“Pronto?”, a irmã mais velha perguntou.

“Uhum.”, ele disse.

Em um instante, a mais nova o abraçou. O irmão retirou uma moeda do bolso e entregou a ele. “Para dar sorte.” E sorriu, antes de abraça-lo.

“Obrigado.”, ele olhou para a moeda na mão, sorrindo antes de guardar no bolso.

Deslizando pela Chantry, silenciosa após os cânticos matinais, o capitão Templário olhou para ele dando-lhe um respeito que raramente é dado para pessoas da idade dele.

Ele ainda se lembra da conversa do capitão com os pais dele.

A casa onde eles moravam era pequena, mas confortável e o capitão conversou sobre o segundo filho.

A mãe, vestida com roupas simples, servia chá quente e os famosos biscoitos amanteigados. Escondidos, os quatro observaram a conversa.

“Então ele sempre quis ser um Templário?”, o capitão disse com a voz baixa.

“Sim”, a mãe dele confirmou. “Desde sempre, Criador eu não sei de onde ele tirou esta ideia. Mas sim.”

“O treinamento é difícil”, o capitão declarou.

“Imagino, Ser.“, a mãe dele falou.

“Mas eu acredito que ele conseguirá se distinguir. Eu o vi junto com os outros irmãos. Eu acho que ele será um bom Templário.”

“Espero que sim. A princípio achava que era algo passageiro, sabe? Eu não sei se você tem um filho, mas acho que deve ter uma noção sobre está em uma encruzilhada.”

“Hm...”

“De um lado, eu quero algo que o faça feliz; de outro, eu sinto tristeza, saudade. Meu filho indo para longe.”, ela sorriu. “Mas nenhum outro caminho me faria tão orgulhosa quanto este.”

Do lugar onde estavam escondidos, os três irmãos assentiram um para o outro. A mãe deles tinha razão. Ter um Templário na família seria incrível.

“Como ele é realmente?”, o capitão perguntou.

“Ele tem talento, não?”

“Mas como ele é?”, o capitão repetiu.

A mãe assumiu uma expressão pensativa. “Como ele é? Determinado, tímido, sério, teimoso para não desistir de uma ideia facilmente. Ligado aos irmãos. Os quatro... “

“Os quatro estão ouvindo cada palavra do que dizemos.” O capitão disse.

Os quatro pularam surpresos. O capitão olhava diretamente para onde eles estavam escondidos. Eles se encolheram, segurando a risada com a mão na boca.

A voz do pai deles estalou enquanto ele balançava a cabeça em negação. “Mia! Branson! Cullen! Rosalie! Venham aqui!”

Relutantes, os quatro apareceram na frente dos pais e do capitão e se aproximaram em resposta ao olhar do pai.

“Você sabe o que significa ser um Templário?”, o capitão perguntou. Ele devia ser velho, mas sua aparência não dizia quanto.

“Proteger pessoas.”, Cullen respondeu.

“Isso. Magos, outros Templários, pessoas comuns. Nós protegemos todos eles.”

“Deve ser difícil proteger tanta gente.”, Branson falou, antes da irmã mais velha lhe dar uma cotovelada.

“Sim, mas ainda assim, gratificante.” O capitão então se ajoelhou diante dos quatros. Ele disse gentilmente: “É um caminho longo, difícil e muitas vezes você terá que fazer decisões sem arrependimentos futuros. Muitos outros mais novos do que você começaram o treinamento, mas eu confio em você, garoto. Eu vejo grandes coisas em seu futuro.”

A última frase veio à mente enquanto ele se despedia e ia para longe junto com o capitão e outros Templários que estavam de passagem pela cidade.

No lombo do cavalo, enquanto ele se afastava da família, não olhou em nenhum momento para trás, mas para frente. Nenhum dos outros tinha percebido aquele olhar, exceto o capitão. Ele reconhecia, após tantos anos como Templário, tentando seguir o meio termo entre fé e política, paranoia e lucidez, o bem e o mau, em meio a pequenas lutas. Ele tinha visto aquele olhar outras vezes, muito outras vezes. Ele viu este olhar em um mago, sem nenhuma mana, inabalável, ao encarar os arcos de bandidos que queimaram uma pequena aldeia até o chão. Ele conhecia o olhar de alguém que defenderia o que é certo apenas com uma faca nas mãos.

 ☩☩☩

 Ela não era ninguém.

Seu nome era um empréstimo dado por antepassados que não eram dela. Ela era adotada por um Bann das Free Marches. Os criados a chamavam de she-devil, tendo um caráter tão forte para alguém com tão pouca idade. Assustada, durante dois meses quase não se ouviu sua voz quando chegou à casa dos Trevelyan, e sempre se escondia em armários para espiar o mundo do lado de fora.

Ela chegou segurando a mão de Reinhardt Trevelyan, mais uma das muitas órfãs surgidas entre as rivalidades de Orlais e Ferelden. A cara suja, resgatada dos escombros de uma vila qualquer perdida na fronteira que foi queimada até o chão por bandidos. Pequena e estranha, tinha um cabelo cinza, assim como os olhos, que ela deixava solto em grandes cachos, aparentemente sem dar atenção para os sons e comentários de desaprovação dos criados e do resto da família.

Frequentemente, ela andava descalça pelas salas da casa, dançando em meio a poeira do quarto vazio com o cachorro – se é que podia se chamar de cachorro, quando mais parecia um lobo por conta do pelo e do tamanho. Às vezes ela desenhava sobre cavaleiros Templários e dragões, enquanto o cão deitava do lado dela como se a entendesse.

No verão, ela escapulia da casa e descia as ruas em direção a praia. O gosto do sal nos lábios, o cheiro da maresia no nariz, catando conchinhas e construindo castelo na areia. Seu irmão muitos anos mais velho que ela, Ivan Trevelyan, as vezes a buscava, levando-a nos ombros de volta para casa. O Bann, era viúvo e nunca tendo amado nenhuma outra mulher, cuidava dos dois filhos com a ajuda dos criados.

A casa trazia lembranças de sua esposa que ele as vezes olhava com um sorriso cheio de saudade. O pesar nunca o deixava, sempre um companheiro constante. Os dedos de um capitão Templários as vezes dedilhava o piano em uma canção que ela não conhecia.

O irmão dela também tinha saudade. As vezes, no pé da janela, olhava para o jardim, para as flores. Então ela se aproximava dele, o abraçava e entregava algum desenho que ela tinha feito. Então, a saudade passava e dava lugar a risadas. Então ela começou a sentir saudade também, quando Reinhardt ficava semanas fora de casa resolvendo assuntos da Ordem, ou quando Ivan fazia o mesmo.

Ela sempre estava presente nos bailes de verão que uma tia dela fazia. Dançava e ria antes de ir para algum lugar distante e aproveitar o silêncio. Nos dias comuns, quando caia a noite, ela se aproximava de Reinhardt e dava um beijo na bochecha. Ela nunca dormia sem um copo de chá, as pequenas pétalas de flor flutuando no chá rico e escuro.

Durante a satinalia, ela dançava na neve, comia pedaços de maças carameladas com mel, biscoitos amanteigados e escutando histórias até tarde, conversando e rindo, comendo amoras selvagens e um pedaço de torta.

Enquanto crescia, ela percebia a névoa nos olhos cansados de Reinhardt; as chaves que ele se lembrava de estarem em outro lugar, a noção dos dias escapulindo pouco a pouco.

Aos treze, ela entrou na sala escura, iluminada apenas pela chama da lareira. Reinhardt estava na penumbra, sentado em frente ao fogo. Havia uma garrafa de malte o lado dele. Ao ouvir o som da porta se fechando, ele se assustou. Se levantou subitamente. “Minha luz.” Ele falou, “ Estava perdido em pensamentos.”, ele sorriu. “ Território inexplorado da minha mente.”

“Me chamou?”

“Sim.”, o sorriso fraquejou. “Se junta a mim?”

Ela se sentou em uma cadeira perto do fogo. Havia documentos e cartas em uma mesa. Junto da garrafa, um livro.

“O que está lendo?”

Ele olhou de relance para o livro. “Alguma escrita ridícula sobre magia por parte de algum religioso da Chantry.” Ele passou os dedos sobre a capa. “Para não esquecê-las. As palavras. A voz, o olhar, as lembranças de quem amei e ainda amo.” Ele continuou. “E se lamentar. Se lamentar de que tenho que te mandar para um círculo.”

E então ela se tornou O mago.

Não começou com um incêndio, nem com morte. Ela descobriu magia ao respirar entre as mãos para esquentá-las; Um pequeno sopro que se transformou em um pequeno whisp e que se manteve em volta dela, brilhando esverdeado ao som da música. Ao brincar com os feixes da luz de inverno que surgiam pela janela e com as pontas dos dedos criar pequenos flocos brilhantes. Pequenas crianças do fade, com curiosidade sobre este lado do véu, a pequena inocência da descoberta.

“Você sabe, meu trabalho envolve levar magos para círculos. Agora eu sei o que causo a outra pessoas. A dor, a dura e afiada dor. E não desejo para ninguém.”

Se instalando confortavelmente na cadeira, ela esperou que ele continuasse. Os olhos distantes. “Se eu pudesse, te ajudaria a fugir para algum lugar... Qualquer lugar, mas... Quantas regras da ordem estaria infligindo? Além do mais, os criados sabem e fofocariam sobre de tal forma que nem mesmo eu poderia controlar.”

“Eu sei”, ela disse. “E entendo.”

“Sophie Trevelyan. Você sempre será minha luz.”

Não haveria mais praias, nem conchas ou castelos, nem natais rindo até tarde ou bailes de verão. Ainda avia porém os pés descalços e o cabelo solto. Os livros e aulas de magia sempre parecendo um novo mundo a ser descoberto.

Reinhardt não era mais o capitão da torre e o posto foi assumido pelo irmão dela.  Não havia amigos, eles sempre pareciam distantes a olhando com desprezo, acreditando que ela era a protegée de Ivan. Todos a olharam assim por um tempo, e mais uma vez ela se calou perante o mundo. Um dia, porém, alguém novo chegou. Seu nome era Richard. Entre um olá e outro, eles contaram suas próprias histórias. Ele a ensinou como fazer dobraduras de papel; pequenos pássaros que voavam em direção a um infinito céu azul em direção ao sul no inverno; para Ferelden, uma terra que nunca mais tinha visto e nem se lembrava direito, para alguma vila ao sul de Redcliffe, Ostagar e Korkari Wilds.

As vezes se sentavam na janela e observavam a neve cair, enquanto bebiam alguma cerveja roubada dos Templários. Outra coisa que ela fazia escondido era treinar com uma espada do mesmo jeito que Reinhardt tinha ensinado desde que a achou. No futuro, ela seria Knight-Enchanter se assim pudesse

Ela imaginava que veria o mundo novamente, por trás da jaula de grades bonitas.

E então, seu amigo foi transferido para outro círculo. Ela não soube o porque, mas em meio a sensação de ser abandonada, ela buscou lembrar das dobraduras de papel e das bebidas roubadas. Esperava que ele estivesse em um bom lugar, tanto quanto Ostwick.

Os dias se tornaram rotineiros; o cotidiano, automático. Não havia tempo para lamentar, aulas para assistir, pesquisas a fazer, treinar, magia para controlar, crianças para cuidar.

☩☩☩

Aos 18, ele foi assignado a Kinloch Hold, a torre dos magos de Ferelden. Ele escreveu uma carta aos irmãos: Diga a Rosalie que o treino valeu a pena;

Aos 18, ela recebeu uma carta juntamente com lamentações de seu irmão que a chamou ao escritório e a abraçou. Reinhardt tinha morrido. Ele preferiu morrer com o resto de suas memórias que não foram tomadas pelo Lyrium do que perecer sem elas. Mas ela não pode se lamentar pois no outro dia era seu Harrowing.

☩☩☩

Aos 18, ela passou pelo Harrowing e pelas semanas de luto; Em meio a Blight, Kinloch Hold caiu. Ele passou pelo que pareceu semanas de tortura pelas mãos de Uldred.

☩☩☩

Aos 19, o cabelo dela era curto, a tristeza era presente. A esperança se foi; Ele foi para Greenfell, a paranoia em torno de magos era presente. A esperança se foi. Ele foi transferido para Kirkwall.

☩☩☩

Aos 27-28, o círculo de Kirkwall caiu. Mas uma vez ele se viu em meio a uma bagunça entre magos e Templários; Ela viu Ivan sair de seu posto e temia seguir pelo mesmo caminho do pai. A Guerra veio, mas Ostwick assumiu neutralidade.

☩☩☩

Aos 29, tentando juntar os pedaços de Kirkwall, Cassandra o chamou para Haven. Inquisição; ela foi chamada pelo Primeiro Encantador para Haven. Conclave.

☩☩☩

 A esperança tinha ido há muito tempo para os dois; Ele estava lutando contra demônios caindo do céu, andando por uma terra coberta de cinzas; Ela também estava lutava contra os mesmos demônios, correndo pelo fade coberto de ruinas de uma explosão.


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