Mente de Coordenadora Pokémon escrita por Kevin


Capítulo 15
Conversas Confusas


Notas iniciais do capítulo

E ontem tivemos um probleminha de postagem... Na parte da tarde quando vim postar o portal estava com problemas. Mas, estamos aqui com a conclusão de nosso ataque terrorista de Dove... espero que gostem!



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Era um ambiente silencioso e estranhamente quieto. Nove horas da manhã necessitava ter uma pequena movimentação de pessoas pelo corredor, ou ao menos a mesa do café da manhã necessitava estar desorganizada, já com quase nada disponível para a primeira refeição do dia.

Deveria, mas a verdade era que o ambiente estava silencioso e quieto pelas atividades do complexo e do ginásio estarem suspensas por duas semanas e a única não interna do ginásio era Mirian que permanecia como convidada de Sabrina, afim de evitar contato com outras pessoas enquanto se refazia do ocorrido a três dias.

Ainda assim, o responsável pelo café da manhã manteve a qualidade e quantidade da comida, talvez por ser uma tarefa que estivesse fazendo no automático, ou talvez porque tentava manter-se ocupado afim de esquecer os últimos acontecimentos.

 

— É quase reconfortante que com todo o acontecido eu possa acordar após as oito da manhã. -

 

A voz invadiu o ambiente tentando fazer uma piada que nem ele mesmo achava graça. Allan nunca foi bom naquilo, sempre ficando em situação embaraçosa ao tentar. Mas, por mais que não soubesse o que dizer, ficar calado seria mais constrangedor.

Mirian não respondeu nada, limitando-se apenas a virar-se para ele e acenar com a cabeça como se aquilo fosse uma tentativa de bom dia. No entanto, sua expressão acabou deixando sua tentativa completamente falha.

 

— Onde vai? -

 

Allan não estava usando seu costumeiro traje social de grava preta fina, muito pelo contrário, trajava algo que Mirian só conseguia definir que ele ia para algum tipo de exploração. Mas, se as roupas não te indicassem isso, a mochila de viagem nas costas indicaria que algo o jovem assistente do ginásio estava de partida.

 

— Brincar de pique-pega. -

 

Ele disse com um sorriso nervoso enquanto ia até uma parede e retirava a mochila deixando-a encostada ali preparando-se para tomar o café da manhã.

 

— Bem... - Mirian sentiu que ele não contaria o que ele iria fazer. - Não acha que deveria ficar e ajudar Sabrina? -

 

Mirian olhou para Allan servindo-se de suco e algumas bolachas enquanto parecia ignorar a fala da menina. Pareceu abrir a boca para dizer algo, mas acabou por desistir. Ela podia ver a tensão que estava nele.

 

— Ela já se recuperou e tudo o que vai acontecer na cidade pelos próximos dias, se não semanas, só podem ser feitas pela líder do ginásio e não por seu assistente. - Allan virou-se para Mirian sorrindo e largando tudo na mesa e correndo para sua mochila, abaixando-se para pegar algo dentro dela. - Enquanto ela tiver todas as atividades burocráticas da cidade e da liga para fazer, ela estará bem. -

 

Allan voltou-se para Mirian e estendeu para ela um livro e uma caneta surpreendendo-a que sequer se lembrava que quando chegou ali o garoto comentara estar lendo seu livro e que havia um quase combinado de falarem sobre ele. Certamente nenhum dos dois estava bem para ter uma conversa tão trivial sobre qualquer literatura. Mas, um autógrafo não seria tão incomodo para nenhum dos dois.

 

— Será um prazer! -

 

Mirian sorriu pegando o livro e indo até a mesa para poder apoiar-se, sempre fazia uma dedicatória especial para cada um de seus leitores, por mais cansativo e difícil que fosse. Mesmo quando já começava a pensar que talvez só assinar seu nome fosse mais fácil. Queria ser o tipo de escritora que se importava e retribuía o carinho dos leitores. Mas, o que escrever para o jovem no meio daquilo tudo? Sua mente demorou alguns instantes para conseguir pensar em procurar por algo que já houvesse escrito já que não conhecia muito de Allan e não estava com o humor muito bom para criar algo bonito.

 

— É uma pena que não tivemos oportunidade de conversar sobre o livro. Adoraria ter a opinião de alguém com sua visão. - Comentou Mirian ao decidir o que escrever. - Vou deixar meu e-mail, talvez possamos nos corresponder. –

 

— Depois de conviver com você por esses dias acabei tirando a principal dúvida que eu tinha. Que parte era real, que parte era inventada e a que foi omitida. - Allan sorriu. - Mas, faça-me um favor... Só escreva sobre esta parte depois que eu pegar Dove. -

 

Mirian estava apoiada na mesa começando a escrever e acabou parando de imediato ao escutar aquilo. Não fez esforço para tentar conter sua reação ou qualquer coisa do gênero, virou-se para ele de imediato com os olhos arregalados tentando ver se aquilo era outra tentativa falha de piada ou não.

A tensão havia ido embora e o rosto que forçava um sorriso agora mostrava o tom sério que normalmente apresentava. Allan não estava brincando, ele realmente iria atrás de Dove.

 

— Ela matou dezenas de pessoas! – Disse Mirian alarmada.

 

— 157 para ser mais exato. - Disse Allan.

 

— E ainda assim vai atrás dela? - Mirian parecia não acreditar no que estava ouvindo.

 

Allan pareceu ponderar a fala de Mirian e indicou apenas um talvez com a cabeça e voltou a se aproximar da mesa retomando seu café, deixando Mirian a olhá-lo como se esperasse que ele explicasse aquilo ou talvez que com apenas seu olhar ele desistisse.

 

— Se isso é pelo que ela fez com a Sabrina... –

 

— Senhorita Sabrina! - Allan corrigiu-a rapidamente. - E não é só por isso. -

 

Mirian viu ele desistir do que estava comendo, deixando transparecer o quanto estava mal com tudo aquilo.

 

— Apenas um gênio conseguirá capturar outro. - Allan disse deixando Mirian confusa. - Eu admiro a Senhorita Sabrina e faço de tudo para servi-la e protege-la. Sou quem sou hoje por causa dela e não posso admitir que alguém faça algo tão vil com ela e saia impune. -

 

Mirian escutou Allan começar a desabafar e apenas sentou-se segurando o livro que deveria autografar. Allan parecia tão irritado naquele momento que não acreditava que ele até estava sorrindo a minutos atrás, ele realmente estava esforçando-se para esconder o que estava sentindo.

 

— Ela drogou-a podendo ter causado uma espécie de overdose dependendo da dosagem e manipulou-a enquanto estava drogada como se ela e seus pokémon fossem apenas armas. Ao final, não fosse por você Sabrina seria incriminada. - Allan deu um sorriso nervoso. - Por sinal, ainda há investigações para saber se ela realmente não sabia de nada. Por isso, Sabrina terá de comparecer a todos os compromissos da liga e da prefeitura para poder mostrar que não tinha nada com o ocorrido. Mas, assim que isso terminar Senhorita Sabrina vai caçar Dove. No entanto, isso pode demorar e por mais que eu admire-a, Senhorita Sabrina não tem como pegar um gênio em fuga com semanas de vantagem. -

 

Gênio? Mirian percebeu o uso da palavra de uma forma quase que pessoal. Ela sabia que Allan era inteligente, mas de longe pensaria que ele era considerado gênio. Assim como sabia que Dove era inteligente, mas não conseguiria pensar nela como gênio. No entanto, sendo dito por Allan, era difícil não pensar que só um gênio para fazer aquela bagunça toda na cidade, sozinha. E, desta forma, era difícil não concordar que só mesmo outro gênio para pegá-la.

 

— Mas, como eu disse não é só pela Senhorita Sabrina. - Disse Allan. – Dove e eu éramos amigos de infância. –

 

— O que? -

 

Mirian ficou surpresa com aquilo.

 

— Quando me tornei treinador ainda fiz mais um ano na escola e ela sempre questionava-me porque eu ia jogar minha vida fora com isso de pokémon. Estudávamos em uma escola durante um período e em outro participávamos juntos de um programa para jovens superdotados. Quando nos despedimos eu sempre soube que a encontraria novamente em um momento em que sua genialidade estivesse sendo usada, mas nunca desta forma. -

 

Mirian ficou pensativa, mas não conseguia seguir uma linha de pensamento claro. Allan parecia ter muitos motivos para perseguir Dove, mas não parecia prudente fazê-lo. A menina parecia não se importar de causar a morte das pessoas que de alguma forma a feriram e Allan, apesar de seu ar sério e toda a habilidade que demonstrava de se organizar e conter a crise que poderia ter se instaurado no ginásio durante o incidente, não parecia ser o tipo e pessoa que mataria se fosse preciso.

Mas, o que realmente ela sabia de Dove ou Allan? Dove se mostrava uma menina gentil que diz ter sido presa por ter se defendido de um pokémon que tentou ataca-la, adaptou-se rapidamente ao ambiente da prisão evitando a maior parte dos males que ocorriam naquele local e por fim havia fugido arquitetando um plano de vingança onde mais de duzentas pessoas, que ocultavam suas identidades, mortas.

Allan por outro lado era analítico e passava um ar de sabichão. Sabia como gerir um ginásio pokémon sozinho, executando tantos as atividades da liga quanto as política da cidade. Ele não havia apenas contido a crise no ginásio, mas ao tentar colaborar com as investigações, assim como Sabrina faria se estivesse em condições, acabou por seguir a pista certa e se tornar um dos coordenadores da solução do problema. Infelizmente, não a tempo de salvar a todos.

 

— Vou confessar que já não sei bem porque vai atrás dela, mas que ainda acho loucura. -

 

Mirian comentou voltando a escrever no livro.

 

— Eu sei que não é muito fácil de entender os motivos pelo qual vou fazer isso. - Comentou Allan. - Mas, é algo que eu tenho que fazer ou mais gente vai se machucar. -

 

Mirian olhou para ele e sorriu. Ele poderia estar muito irritado com tudo que ocorreu, mas não parecia estar sendo movido somente por vingança, ou pelo menos ele queria acreditar nisso e Mirian parecia acreditar nele também.

 

— Boa sorte! - Disse Mirian estendendo de volta a Allan.

 

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Meu nome é Mirian Miller e me tornei uma Coordenadora Pokémon para conquistar uma taça em homenagem a minha. No entanto, fui tão mal em minha jornada que acabei presa acusada de ser caçadora ilegal e falsificadora. Depois de sair da prisão, retomei minha jornada para descobrir as pessoas que armaram para que eu fosse presa.

O problema é que tudo de ruim que vivi na prisão seguiu-me até Saffron e a cidade virou palco de uma vingança da qual até os inocentes foram vítimas. Como eu lido com isso? Chorando a morte dos meus amigos.

Por que uma coordenadora vive esse tipo de coisa?

 

 

Mente de Coordenadora Pokémon
Episódio 15: Conversas Confusas

 

 

Terrorismo. Assim era chamado o incidente que ocorreu na cidade de Saffron durante o Festival dos Milhões. Se havia outra explicação quem sabia guardava para si, afinal sequestro, chacinas e bombas espalhadas pela cidade não poderiam ter uma explicação diferente de atentado terrorista.

Começou com um burburinho, sabe-se de que canto do mundo, que ganhou os ouvidos dos políticos da região. Estado emergência foi decretado, uma barreira foi levantada em volta da cidade para que ninguém entrasse ou saísse até averiguarem. Assim o Festival dos Milhões de Saffron teve um fim prematuro naquele ano e provavelmente para os anos seguintes.

Existia uma outra teoria que fora mantida em segredo pela Oficial Jane que estava em comando. Uma que lhe foi passada por uma testemunha onde a riqueza de detalhes só deixava em dúvida o paradeiro da culpada que fugira com facilidade grande da cidade. Mas, a testemunha tinha credibilidade duvidosa por ser uma ex-detenta, mesmo que inocentada.

Mirian não conseguiu salvar seus amigos da explosão, chegou ao quarteirão onde Hina, Beta e Drun estavam aprisionados no momento da explosão. Berrou desesperada e precisou ser apagada pelo Houndoom, que a carregava, para que ela não entrasse nas chamas, acreditando que ainda poderia fazer algo. Quando recobrou os sentidos estava na companhia de um Blue em estado de choque em um lugar que ela não reconhecia. Ali a Oficial Jane pediu para ela narrar tudo o que aconteceu do momento que inicio da perseguição da menina loira.

Dez vezes o relato foi repetido. Por dez vezes Mirian precisou parar de falar relembrando a morte de seus amigos, sentindo-se impotente e um tanto quanto culpada. Imaginava se poderia tê-los salvo se tivesse se esforçado mais. Por dez vezes quis gritas e atacar os policiais que recolhiam seu depoimento e ao mesmo tempo interrogavam-na. Não bastava odiar a polícia por conta de tudo que lhe havia acontecido, agora ela tinha a certeza da força policial ser incompetente.

A oficial em comando também escutou Aries e ao final chamou os três em reservado dando-lhes uma notícia nada agradável de que não iriam atrás de Dove. Chefe de Polícia de Kanto estava convencido que era terrorismo e o exército já estava acionado e muitas medidas estavam sendo tomadas. A televisão já vinculava tudo como terrorismo e todos esperavam por algum grupo criminoso, talvez a Equipe Rocket, assumir a orquestração do atentado. Qualquer coisa diferente disso não seria aceito ainda mais onde a culpa recaia toda em cima de uma garotinha de 15 anos de idade.

Para ninguém da inteligência antiterrorista existia a possibilidade de isso ser obra de uma única pessoa querendo vingança. Para nenhum dos poucos políticos vivos de Saffron era admissível que aquilo não fosse tratado como atentado ou verbas para reconstrução e normalização das atividades jamais seria repassadas. Para ninguém da força policial seria admissível que uma adolescente tivesse detonado metade da força policial local em uma noite.

Sendo assim, outras pessoas seriam dadas como cumplices a começar por Sabrina que poderia ter se drogado posteriormente, tendo assim um álibi. Blue e Mirian que acabaram levando a polícia por caminhos de identificar as bombas também seriam suspeitos, pois poderiam apenas estar tirando a atenção das pessoas que estavam em fuga. Até mesmo Aries estaria como suspeito por ter aparecido do nada na cidade, onde questionariam se ele não estaria escondido todo esse tempo.

Seguir pela linha da verdade levava os inocentes e quase heróis a serem os culpados. Ainda assim existia um último por menor que deixava a todos em cheque, nem todos os alvos de Dove morreram. O esquadrão antibombas da polícia ainda conseguiu desarmar duas bombas, salvando cerca de 15 pessoas. Desta forma, ao aceitar o que Mirian contava aqueles sobreviventes passavam a ser acusados de exploração sexual de menores e entre políticos, milionários e policiais, os sobreviventes teriam recursos para forjar provas e fazer Mirian voltar a ver o sol nascer quadrado.

 

— Não existe justiça nesse mundo! -

 

As lagrimas voltavam a tomar conta de seus olhos. Era dor, culpa e remorso como nunca sentira antes. Na noite anterior demorara tanto para conseguir conter o choro que não se lembrava de realmente ter parado antes de dormir e, ainda assim, tinha certeza de ter sonhado que chorava.

Para Mirian Miller, uma jovem de 16 anos, era difícil lidar com todos os últimos eventos e manter o controle emocional, havia acompanhado de perto algo que chamavam de atentado terrorista, mas que no final era apenas uma vingança doentia de alguém que ela odiava e que na verdade parecia apenas tê-la defendido por tanto tempo. Havia perdido três amigos preciosos sem conseguir fazer nada para salvá-los e o pior é que sentia que se fosse mais forte, poderia ter feito o salvamento.

Salvar Drun teria sido o seu melhor ato de retribuição. O jovem careca e musculoso arriscou a vida dele para impedir que ela fosse roubada. Sabia dele apenas que era esforçado, dedicado as artes marciais e a seu estranho código de honra de defender o mais fraco e ir atrás do mais forte. Não conhecia nada da vida dele para ter direito de chama-lo de amigo, mas queria ter podido retribuir a altura a forma como ele a tratou quando ainda eram completos estranhos. Se ele salvou uma completa estranha, porque ela não pode salvar um amigo?

Não teve coragem de ir ao enterro do mestres de artes marciais. Como encarar todos aqueles discípulos e amigos de Drun sem acreditar que um daqueles olhares era acusador? Como encará-los sem ter conseguido fazer tudo o que podia? Mas, seus restos estavam no dojo e provavelmente lá ficariam por muito tempo, suas cinzas ali olhariam para os alunos dia após dia. Se em algum momento tomasse coragem ela poderia ir prestar sua homenagem.

Mas, o mesmo não se aplicaria a Beta. Seus restos também foram cremados, mas foi levado pela comunidade LGBT para sua antiga cidade para que pudessem prestar homenagens lá e espalhar as cinzas, caso a família não o quisesse guardar.

Desde que conhecera Beta, Mirian podia dizer que aquela era uma pessoa bem resolvida e não conseguia imaginar como foi difícil que ela transformou-se naquela pessoa que apesar de arisca, estava disposta, sempre, a ajudar as pessoas. Para Mirian ajudar beta naquele momento teria sido irônico e ao mesmo tempo recompensador já que a nutricionista estava sempre tentando ajudar a coordenadora a encontrar-se e amadurecer. Se havia alguém a quem Mirian devia era a Beta e agora jamais poderia pagar sua dívida com ela.

Ainda assim, não ter conseguido salvar Hina doía mais que todos os outros juntos. Havia levado Hina ao Hannay e a esquecido lá. Era inevitável não pensar que ao lembrar dela teria conseguido manter Dove longe e assim ela estaria viva. Mas, a verdade era que Dove a acharia em qualquer lugar.

Hina era a pessoa alegre e disposta a ver bondade em todos. Fazer amigos era a coisa que ela mais queria e por vezes Hina chamou Mirian de amiga e por vezes Mirian sentia que talvez ela fosse a única amiga que Hina conseguira ter por ela mesma e sem que o irmão acabasse atrapalhando a amizade.

Ao pensar que Dove com apenas uma semana de amizade sacrificou-se na prisão, Mirian se martirizava por não ter sido amiga de Hina ao ponto de sacrificar-se por ela naquele momento. Martirizava-se por a última lembrança que Hina teria dela antes de ter morrido era que foi esquecida no hotel.

 

— Não existe mesmo! -

 

Sobressaltou-se com a voz. Estava no quarto, trancada e sozinha, mergulhada em seu choro e não deveria ter como alguém entrar sem que a porta metálica fosse aberta e um barulho fosse feito. Mas, ao virar-se para porta, constatou que ela ainda estava fechada, mas que a pessoa estava dentro do quarto.

Cabelos pretos, olhos frios e o quimono rosa. Não fosse a expressão um tanto apática de seu rosto diria que era a mesma Sabrina de todos os dias e que ela não parecia ter se abalado com o corrido.

 

— Como entrou sem abrir... a Teleporte. - Mirian preparou-se para questionar como a líder do ginásio fizera para passar pela porta sem abri-la, mas então acabou por se lembrar dos poderes psíquicos. - Não sabia que isso realmente existia. –

 

— Existe, apesar que para você isso não faz diferença. - Comentou Sabrina, quase que imóvel. - Além disso, estou projeção e não teleporte. -

 

Mirian franziu o cenho sem entender nada do que Sabrina havia dito a ela. Fez menção de pedir uma explicação, mas pareceu tão sem importância naquele momento que resolveu simplesmente fechar os olhos e voltar a deitar-se sobre o travesseiro. Ficou ali esperando que Sabrina se cansasse e fosse embora para poder voltar a chorar em sua intimidade e privacidade.

 

— Eu me perguntava o porquê de não ter colocado a mochila nas costas e acompanhado Allan em sua caçada. -

 

A voz de Sabrina soou tão perto que mesmo querendo ignorar a ideia de que ela iria atrás de uma psicopata para tentar vingar seus amigos, não pode ignorar a proximidade da voz.

Abriu os olhos e quase surtou ao entender o que Sabrina falava sobre projeção. Sabinra estava em pé, próxima a ela, com a cama vazando seu corpo. Era como se ou ela fosse uma holografia, ou seu corpo intangível.

Assustada a menina saiu da cama às pressas tentando se manter afastada da imagem de Sabrina que a olhou sem esboçar muita reação diante do susto.

 

— Já que está de pé e cheia de energia, venha ao meu consultório. Temos um assunto pendente. -

 

Mirian viu a imagem de Sabrina desaparecer em pleno ar e piscou algumas vezes perguntando-se o que havia sido aquilo.

 

<><><><>

 

Uma hora. Este foi o tempo levado por Mirian para se convencer de que Sabrina realmente havia estado em seu quarto, de alguma forma não física e mandado ela ir ao seu consultório. Tomou banho para tentar tirar um pouco a cara de choro e se locomoveu pelo ginásio, sem ter certeza de para onde deveria ir. Só mesmo após ir a recepção e pegar instruções sobre o dito consultório foi que ela teve condições de seguir até a porta de aço que não tinha nenhum dizer que poderia indicar que ali era um consultório.

Bateu duas vezes com punho direito enquanto conferia se sua roupa estava legal. Calça jeans preta e uma blusa branca com alguns detalhes rosa. Era uma das suas últimas roupas limpas, após ali tinha que segurar um pouco sua onda de tristeza e dirigir-se a lavanderia, se conseguisse encontrá-la.

 

— Boa tarde! Entre, sente-se e sirva-se! -

 

A voz acolhedora fez Mirian ficar um pouco perplexa, mas seu total desconserto surgiu após dar um passo para dentro da sala. Era uma sala com ar antigo, tapete escuro, mobília de mogno incluindo estantes, escrivaninha e mesa de chá com cadeiras. Por sinal, havia chá realmente servido, com uma Sabrina relaxada em uma cadeira apreciando o que havia em sua xícara.

Mirian ainda olhou para os lados, percebendo uns quadros, fotografias e uma espécie de divan. Mas, após ter visto como Sabrina estava, não conseguiu prestar atenção em mais nada.

A líder de ginásio que passava o ar de uma mulher séria, fria e poderosa agora parecia uma jovem curtindo um dia preguiçoso de chuva. Era um moletom preto com vermelho, pantufas em seus pés, cabelo preso em rabo de cavalo, claramente para evitar ter que pentear. A expressão leve, apesar de um tanto abatida, ainda completava a ideia de que talvez Sabrina não era a mesma cosia.

 

— Batalharemos amanhã? -

 

Sabrina levantou a sobrancelha sem compreender a pergunta da jovem a sua frente.

 

— Tipo... Sei que devo-lhe uma batalha pela minha estadia no ginásio e que pretendo honrá-la. No entanto, precisarei de meu Farfetch’d para poder realiza-la, já que minha Audino ainda se recusa a sair da pokebola. - Explicou Mirian. - Imaginei que havia me chamado para a batalha. -

 

Sabrina segurou uma risada deixando Mirian mais assustada do que desconsertada. Nunca imaginara Sabrina rindo, uma vez que não conseguira vê-la sorrir em nenhum momento.

 

— Eu vou supor que é o que acontece quando você está a muito tempo sem comer e sofrendo com pressão. - Disse Sabrina deixando Mirian ainda mais desconsertada. - Só te chamei aqui para te agradecer e fazê-la comer algo. São quatro da tarde e pelo que me falaram você mal tomou café da manhã. -

 

Mirian respirou fundo tentando relaxar. De fato não tomara café direito e não fora almoçar. Ficando muitas horas sem comer, podia não sentir fome, mas começava a ficar distraída e as vezes presa em algum tipo de pensamento que para ela poderiam ser apenas minutos, mas na verdade passavam-se horas.

Caminhou pela sala até sentar-se na cadeira e viu Sabrina servir um chá em um bonito bule de porcelana. Perguntou-se como ela poderia saber aquele detalhe sobre ela, já que era uma coisa que descobriu no início de sua jornada e mesmo tendo replicado isso em seu livro, não era algo que poderia ser deduzido sobre ela.

 

— Como funciona isso de poderes psíquicos? - Questionou Mirian agradecendo com um sorriso e pegando a xícara para experimentar o chá. - Lê mentes, teleportar-se, move objetos com o pensamento? A projeção de você no meu quarto era algo só na minha cabeça? -

 

Sabrina esboçou um início de gargalhada, mas pareceu se conter bebendo um pouco de seu chá. Pareceu pensar em um monte de coisas, pois demorou com a xícara na boca e na visão de Mirian o chá não estava tão quente ou tão gostoso para ela demorar tanto bebendo.

 

— Cada ser humano tem uma habilidade especial que se manifesta de diversas formas. Alguns passam a vida toda sem descobrir suas habilidades ocultas. A minha e a maioria das pessoas que fazem parte deste instituto, anexo ao ginásio, é possuir uma mente ampliada. Seja por ser um gênio como Allan, sensitivo como alguns outros, intuitivo como meus seguranças ou que realmente possuam poderes psíquicos como eu. - Sabrina começou a dizer. - Sou uma das maiores psíquicas que o mundo tem notícia, isso porque posso fazer muitas coisas que envolvem tanto afetar a pessoa mentalmente como afetar a matéria. Isto é, muitos tipos de poderes mentais existem, mas ou ele atua sobre a mente de outra pessoa ou atua sobre a matéria. No caso, a projeção que viu deveria ser do campo da matéria, apesar de ser muito mais simples ser mental. É algo que ainda estou desenvolvendo e você era a melhor pessoa para testar. -

 

— Acho que entendi. - Disse Mirian pensativa. - No caso, a projeção mental seria direta na minha cabeça. Mas, você fez uma material usando manipulando luz e som. -

 

Sabrina engasgou com o chá e olhou para Mirian sem acreditar no que havia acabado de escutar. Ela realmente havia teorizado em cima de uma explicação básica que havia acabado de ouvir? Sabia que a menina era criativa, o livro mostrava que ela conseguiu pegar sua história real e transformar num conto de aventura envolvente. Mas, não a ponto de explicar algo como aquilo.

 

— Kenan tem razão, você é interessante! - Sabrina comentou. - Mas, está certa! Simplificando é um jogo de manipulação de luz e som. Já que você é resistente a poderes mentais. Como teve essa ideia? -

 

— Como? - Mirian sentiu-se perdida e até conferiu se realmente estava tomando o chá e comendo os biscoitos. - Kenan? Imune a poderes mentais? - Mirian pareceu entrar em parafuso. - O que tem Kenan com tudo isso? –

 

Sabrina olhou-a entrando em parafuso. Era nítido que Mirian estava a poucos passos de realmente ter um ataque devido a tudo que passara nos últimos dias e uma conversa onde ela ficava cheia de dúvidas e questionamentos parecia não estar fazendo bem.

 

— Acho que precisarei começar bem do princípio. - Comentou Sabrina suspirando conformada. - Uma das minhas habilidades psíquicas e poder encontrar uma pessoa procurando-a mentalmente. Não é fácil, preciso ou eu consiga cobrir o mundo todo, ainda mais quando nunca a vi. Mas, Kenan Kornox meses atrás procurou-me para que eu achasse você e sua mãe. Ao que parece ele tinha algo para entregar a sua mãe e ambas estavam desaparecidas. Ele não sabia dizer muito de sua mãe, mas falou muito sobre você e seguindo o que ele falou consegui achar pistas que me levaram a uma prisão num local escondido em Kanto onde você estava prisioneira. –

 

Sabrina pode ver nas feições de Mirian que ela estava surpresa e parecendo associar o que escutava com acontecimentos dela mesma. De fato, Mirian lembrava-se perfeitamente de Kenan contado que procurava sua mãe para entregar a nova Fita da Vida e que por não a encontrar mexeu os pauzinhos descobrindo o que havia acontecido. Agora ficava claro que os pauzinhos mexidos eram os poderes de Sabrina.

 

— Antes de passar essa confirmação para Kenan eu fui até o local confirmar que você estava lá. Inicialmente eu ia simplesmente fazer isso como Líder de Ginásio, já que a prisão dizia ser apenas para meninas que cometeram crimes ligado aos pokémon. Descobrir porque estava lá, quais acusações e tudo mais. Mas, tentando organizar minha ida acabei lendo a mente de uma pessoa que só pensava em Gaiola das Loucas. Eu já tinha captado isso na mente de muitas pessoas aqui em Saffron, nas reuniões tediosas de políticos e empresários, mas nunca me interessei em saber o que era, até entender que aquilo era no presídio. Acabei visitando o local de forma clandestina, oculta pelos poderes psíquicos dos meus pokémon e a achei lá. Tentei retirar de sua mente as informações que precisava, mas ai vai uma coisa interessante, não conseguia ler sua mente. -

 

Mirian pareceu surpresa.

 

— Eu não sabia dizer o motivo, então li a mente de outras pessoas confirmando o motivo do qual diziam que você foi levada para lá e então comecei a procurar o que era a Gaiola das Loucas. Quando finalmente entendi, resolvi acabar com aquilo. Saí do presídio e voltei no dia do evento, de forma clandestina, e comecei a colher informações para acabar com aquele absurdo. - Sabrina pareceu ponderar com a cabeça. - Naquele dia acabei te ajudando durante um dos eventos. -

 

Mirian assentiu com a cabeça. Ela sabia exatamente o momento em que foi ajudada. Um dia ela havia passado pela primeira fase de sobreviver ao ataque de um pokémon, estando na segunda fase ela não conseguiu vencer sua adversária na apresentação e como consequência o pokémon dado como parceiro atacou-a, como sempre acontecia. Mirian iria parar na enfermaria devido a agressividade e tipo de pokémon que atacava, mas por algum motivo o pokémon no momento de um golpe que a machucaria seriamente ficou paralisado. Mirian aproveitou o momento e atacou o pokémon com toda a força que tinha batendo com ele no chão diversas vezes.

 

— Sabe que só paralisei ele por alguns instantes, né? A selvageria foi sua. -

 

A voz de Sabrina assustou naquele momento. Selvageria. Nunca havia pensado daquela forma, mas a verdade era que bater com a cabeça do pokémon no chão, diversas vezes, gritando e urrando, era realmente selvageria. Sua vida estava em jogo, sua integridade e muitos outros, mas não imaginava que era capaz daquilo e até ali, não sabia ainda como.

 

— Acabado aquilo eu passei a informação para Kenan que pediu dois meses para retirá-la de lá antes da denúncia, ou as pessoas poderiam tentar apagar os vestígios e pôr um fim na sua vida e nas das demais detentas. – Sabrina pareceu encerrar aquele assunto fazendo um gesto com as mãos rodando uma ao redor da outra. – Quando a vi na academia de pokémon lutadores a reconheci e tentei ler sua mente, mas não consegui novamente. Então trouxe-a para cá no intuito de estudar o que impedia de eu lê-la. -

 

— E conseguiu descobrir em meio a tudo isso? - Perguntou Mirian. – Eu tenho poderes psíquicos também? -

 

Sabrina riu quase que de forma debochosa fazendo Mirian revirar os olhos imaginando que todos pareciam gostar de rir das coisas que ela falava.

 

— Cada pessoa tem algo que a torna única, habilidades especiais que afloram em determinados momentos. No seu caso eu não teria percebido não fosse Dove me drogar e forçar a sequestra-la. Eu tentei por duas horas de várias formas possíveis dominar sua mente e coloca-la sobre o meu controle. Mas, não consegui. Acabei manipulando seu corpo fisicamente e a trouxe para cá. – Sabrina pareceu abaixar a cabeça um tanto quanto constrangida. - Sim, eu sabia tudo que estava fazendo, apesar de não ter controle. A droga me induzia a obedecer Dove e mesmo minha mente lutando contra, ela sabia dizer as coisas que me faziam ceder. -

 

— Céus... Deve ter sido uma experiência horrível. - Comentou Mirian.

 

— Sim! Por isso eu te agradeço pelo que fez e pelo que contou a Oficial Jane e por ter deixado ela continuar com a farsa de terrorismo. Eu não conseguiria provar que não estava ajudando Dove, pois sabia o que estava fazendo. – Sabrina voltou a olhar para ela. - Mas, não vamos falar disso. Vamos continuar. Eu pude descobrir o que te faz resistente aos poderes mentais, o que te faz especial. -

 

Mirian olhou para ela sem saber o que dizer. Queria ter dito que não foi uma opção que ela escolhera e sim fora forçada a fazer, já que a verdade afetaria mais gente inocente, incluindo ela mesma.

 

— O que me faz ser imune? - Questionou Mirian por fim para espantar aqueles pensamentos.

 

— Resistente, não imune. - Disse Sabrina colocando mais chá em sua xicara. – Sua mente funciona de forma diferente, o que faz a manipulação ter que ser diferente. –

 

— Minha mente é diferente? - Questionou Mirian. - Eu tenho alguma doença ou problema? -

 

— Não acho que seja doença. Problema talvez, mas não a ponto de ser ruim! - Comentou Sabrina. - Mas, você é como uma cachoeira distorcida. Uma cachoeira normal flui com a água caindo de cima para baixo, em uma velocidade e pressão. Então essa seria a mente humana, correndo numa direção com determinados tipos de ligação. No entanto, a sua cachoeira vai em várias direções ao mesmo tempo. Um caos de pensamentos. -

 

Mirian riu de imediato, realmente as vezes ela achava que seus pensamentos eram um caos.

 

— Qualquer pessoa que use a poderes mentais que já tem experiência em manipulação mental, seja de leitura ou outro qualquer, já conhece os caminhos da mente humana padrão. As vezes a pessoa resiste porque tem uma força de vontade incrível, ou possui uma mente forte que resisti a ser controlada. As vezes até tem fluxo invertido ou padrão diferente. Mas, seu caso é que no espaço de sua mente existe vários pontos por onde o pensamento passa fragmentado, em diferentes ondas de frequência e tamanho e com intervalos de tempo distintos. - Sabrina fez uma pausa para ver se Mirian estava entendendo. - Ler ou manipulá-la mentalmente é improvável porque sua mente muda forma, local, tempo, tamanho e frequência dos pensamentos aleatoriamente. Se não podemos focar em algo, já que ela alterou o padrão, como podemos manipular? -

 

— Pique pega? - Perguntou Mirian tentando simplificar.

 

— Sim! - Sabrina pareceu aceitar bem a ideia. - Para um psíquico seria como brincar de pique pega. Acredito que até para você... Eu diria que sua mente é um caos ordenado. -

 

Mirian pareceu não entender. Mas, lembrou-se que ela falou que aquilo era algo que a fazia especial.

 

— Como uma mente caótica pode ser especial? Tirando o fato de ser resistente aos psíquicos que tecnicamente nem devem haver tantos? - Mirian pareceu tentar entender. - Eu não entendo. -

 

— Mirian... - Sabrina pareceu pensar antes de responder. - Sua mente têm uma habilidade de sobrevivência. -

 

Mirian e ficou encarando Sabrina por alguns instantes, sem saber o que ela queria dizer com habilidade de sobrevivência da mente. Desviou o olhar tentando deixar isso de lado e percebeu o relógio parado próximo a escrivaninha marcando quatro e meia da tarde. Realmente precisava começar a comer algo, mesmo que fosse aqueles biscoitos.

 

Sobrevivência. Se perguntarem o significado desta palavra para qualquer pessoa a resposta será ato de manter-se vivo. Vai variar as palavras, vai variar a ênfase que a pessoa der, mas definitivamente não existe outra referência a não ser relacionado a vida.

Sobrevivência é uma virtude de se manter vivo!” Essa foi a frase que Sabrina destacou na sua rápida esquisita explicação de como eu tenho me mantido viva até hoje e como isso realmente me afeta.

De acordo com ela, as pessoas costumam adaptar-se ao meio que estão de diversas maneiras, o que fica muito evidenciado na personalidade e suas capacidades quanto mais pressionados e estressados ficam nesses ambientes. Essas mudanças bruscas são a tentativa desesperada da mente sobreviver e quando elas não conseguem é quando se entregam a depressão ou explodem em violência descontrolada. No geral, quando se acostumam a nova situação as pessoas acabam por voltar ao seu normal ou se a pressão for grande demais seu normal é alterado para sempre. Eu não funciono assim de acordo com ela.

Eu concordei com o raciocínio de Sabrina, mas ai foi meu pior erro. Mas, o que eu poderia fazer se fazia sentido? O problema é que ela acabou de dizer aquilo e pareceu parar de procurar as palavras. Ela disse que minha mente caótica velocista impede que eu seja normal. Na verdade, ela disse que eu sou uma pessoa possivelmente traumatizada com algo desde criança e por isso minha mente fica mudando a forma de funcionar como tentativa de fugir da realidade que estou vivendo e impedindo de piorar tudo.

Eu não posso acreditar ou aceitar o que ela falou, pois se for assim eu nunca fui eu de verdade. Que a Mirian que todos conhecem não passa de um mecanismo de defesa. Eu tentei explicar isso para ela, mas ela disse que eu estava errada e olhando de uma forma errada o que ela estava dizendo. Definitivamente essa líder de ginásio não sabe conversar com as pessoas.

A Mirian com quem estou conversando não é um sistema de defesa ou de mentira, ou mesmo falsa. A Mirian com quem estou conversando é apenas uma Mirian que está sobrevivendo aos incidentes da vingança de Dove.”

Confesso que continuei achando a mesma coisa. Ela estava dizendo que existia uma Mirian dentro de mim que era meu eu verdadeiro e que todo o resto era apenas mecanismo de defesa. E pelo olhar dela, não precisou de poderes mentais para saber disso.

Mas, ficamos caladas acabando o chá e apenas uma na companhia da outra. No entanto, isso tomou conta de minha mente por completo. Como eu poderia ser apenas uma versão minha para sobreviver? Como todo o meu eu de agora poderia ser apenas uma Mirian sistema de defesa?

 

— Eu não consigo agir em jornada como agia em casa. Mas, acredito que a jornada permite que nos descubramos e nos reinventemos. Então esse Mirian aqui pode não ser a mesma de Holy, mas é oficial. -

 

Mirian resolveu quebrar o silêncio, olhando firme para Sabrina que parecia ter se distraído na cadeira, com alguns biscoitos. Ao perceber que Mirian começou a falar ela apontou com o dedo para uma direção que foi seguida por Mirian. Mirian percebeu que Sabrina mostrava as horas, no relógio em cima da mesa.

 

— Seis e meia? - Mirian piscou aturdida, com sorte ela teria ficado presa em seus pensamentos por duas horas, mas poderia ter virado a noite e estar amanhecendo. - Não me pareceu passar tanto tempo... -

 

Mirian estava meio assustada com aquilo. Desde que saíra em jornada perdia-se em pensamentos e quando acordava para a realidade bons minutos passaram-se fazendo-a deixar de acompanhar algo importante. Mas, nunca por horas a fio.

 

— Vou tentar explicar de novo, agora que está “acordada”. Vou tentar simplificar ao máximo. - Disse Sabrina. - O cérebro tem ligações para comandar todo o corpo, inclusive o pensamento. Quando um trauma ocorre, muitas vezes provocado por acidentes físicos, as ligações se desfazem podendo nunca mais se refazerem. Mas, algumas pessoas conseguem algum tempo depois criar novas ligações, por caminhos incomuns para que o comando do corpo e pensamento volte ao normal. - Sabrina apontou para Mirian suavemente. - Sua mente funciona fragmentada, com ligações fragmentadas e aleatórias, como se tivesse sofrido um forte trauma. Isso poderia ser um problema? Talvez, mas você tem plena função do corpo e seus pensamentos. O que significa que isso pouco importaria. -

 

Mirian escutava atentamente tentando se lembrar se Sabrina havia explicado isso no momento que estava perdida em pensamentos ou não.

 

— Pouco importaria se você não tivesse saído de sua zona de conforto. – Sabrina prosseguiu. - Enquanto em casa com as pressões cotidianas ou das quais acabou se acostumando você era uma Mirian. Não havia nada que fizesse sua mente caótica ativar habilidades ocultas. Mas, quando saiu para jornada você passou a se colocar em situações que ou suas habilidades afloravam ou você se daria muito mal. -

 

— Eu me dei mal! - Disse Mirian. - Eu me machuquei e quase me matei diversas vezes. -

 

— Sim e não morreu por conta da sua habilidade de sobrevivência. – Sabrina parou alguns instantes parecendo tentar se lembrar de algo. - Vou supor que o que seu livro tem muito do que viveu. Desta forma, todos os eventos que se machucou e quase morreu foram situações em que você realmente deveria ter se machucado sério ou quase morrido e no entanto, pouco tempo depois estava de pé e seguindo para mais uma encrenca. Acha isso normal? –

 

Mirian ia argumentar, mas parou se lembrando de como conseguia ficar de pé depois de tantos machucados. Nunca fora tão forte ou determinada a ponto de ignorar dor e parando para pensar ela se recuperava mais rápido do que o esperado.

 

— Sua mente caótica se aproveitava dessa infinidade de ligações e comandava o corpo por outro caminho que não fosse exigir tanto. Não sei exatamente essa parte, mas é como se o caminho comum implicasse em dor extrema e cura em velocidade 1, mas outros caminhos lhe permitiriam se curar mais rápido e sentir menos dor ao fazer algo. Eu teria que estudar isso para confirmar, mas vou apenas continuar teorizando. - Sabrina pareceu perceber que estava indo longe e complicando as coisas. - Mas, o resumo é que você se curava mais rápido, ao menos até o ponto de poder voltar a movimentar-se. Assim como resistia aos problemas até o ponto que a mente identificava que você dali já não corria mais perigo. -

 

Mirian lembrou-se da vez em que foi atacada por Spinaraks e resistiu até a chegada de Aries e Angel. Da vez que estava perdida na escuridão e só desmaiou quando chocou-se com o centro pokémon e diversas outras situações. Naquela época ela achava que tinha sido uma gota de sorte numa mar de azar, mas pela visão de Sabrina era a mente usando das diversas ligações para mantê-la de pé até estar segura.

Mirian compreendia que fazia algum sentido, apesar de estar cética quanto tudo aquilo por conta de dizer que existia outra Mirian.

 

— Supondo que esteja certa, essa última parte não faz sentido. Lembro de situações onde corri perigo e dei sorte. Você diz que a sorte foi eu identificando que esteava possivelmente segura e relaxando. Mas, nessas situações eu não tinha ideia que estaria segura. - Mirian pareceu confusa.

 

— A Mirian de verdade. - Disse Sabrina fazendo Mirian dobrar a cabeça sem compreender. - E se houvesse outra Mirian dentro de você, que toda vez que você está em perigo a ponto de parar tudo em você, ela assumisse sua mente temporariamente. -

 

— Dupla personalidade é demais. - Disse Mirian se levantando. - Ou até mesmo dizer que estou possuída por um espirito. -

 

Mirian se levantou irritada com aquilo e caminhou até a porta para sair. No entanto, ficou parada diante a porta de metal. Não estava gostando daquilo não apenas por parecer absurdo e lunático. Ela havia escrito um livro que estava sendo bem aceito. Seu sonho havia começado a se tornar realidade e se outra Mirian existia dentro dela, poderia não ser a Mirian escritora.

Mas, ficou parada por que havia algo que a perturbava. Na prisão lutou diversas vezes para não revidar as agressões, mesmo as pessoas gritando para ela fazer. No entanto, foi selvagem ao atacar o pokémon durante a gaiola das loucas e nunca entendeu como aquilo aconteceu. Até acreditou que era por sua vida estar em risco, mas quando o fez com Blue por conta de Dove começou a duvidar.

Nunca foi agressiva ou violenta. Quando precisava Mauricio, sem melhor amigo, era quem acaba metendo-se em confusão por ela. Então, o que era aquela raiva e violência que estava vindo de dentro dela?

Sem contar a forma como ágil durante a busca por informações. Determinada, atenta até mesmo aos pokémon que nunca percebera antes.

Outra coisa estranha era não prestar atenção nos pokémon durante a jornada. Em casa Mirian não passava um dia sem assistir apresentações pokémon com sua mãe e com isso tinha um conhecimento vasto sobre pokémon e apresentações, mesmo que não fosse um conhecimento prático, teria que conseguir fazer associações das apresentações que assistiu com as coisas que estava conhecendo em jornada, mas nem isso conseguia. Como se tivesse sido outra Mirian a assistir aquelas coisas, uma Mirian diferente da Mirian em jornada e não apenas uma Mirian evoluída.

 

— Não posso ler sua mente, mas desconfio que começou a pensar em situações que não foi você mesma, né? -

 

— Tente não falar que eu não sou de verdade. - Disse Mirian virando para Sabrina ainda parada junto a porta. - Como existe outra Mirian? Seria um mecanismo de defesa? -

 

Sabrina revirou os olhos parecendo ficar sem paciência. Mirian não se lembrava, mas o termo Mirian de verdade e Mecanismo de defesa eram coisas que a própria Miller havia dito ao tentar entender as coisas que Sabrina tentava explicar.

 

— Vou dar uma explicação quase cientifica desta vez. - Disse Sabrina. - Apesar de ser só uma teoria. - Quando tento ler sua mente existem N fragmentos de pensamentos espalhados mudando de posição e tamanho a todo o tempo. Cada um numa frequência. Curiosamente, existe uma frequência que se repete com mais constância, enquanto as outras ficam cada qual em uma frequência. Eu achava que essa era frequência dominante, devido a quantidade, mas não é. Ela é muito baixa em relação as outras e não parecem várias ao mesmo tempo, mas tem constância em ciclos. Não é subconsciente ou qualquer outra coisa normal, é uma frequência ativa. -

 

Mirian apoiou-se na porta prestando atenção na explicação de Mirian.

 

— Pessoas com distúrbio de personalidade, sendo controladas mentalmente ou possuídas por espíritos tem esse tipo de frequência. Mas, não acredito que é seu caso, pois já lidei com esses outros casos diversas vezes e todas é possível ler. A sua não. - Diz Sabrina. - Por isso eu acho que existe uma Mirian dentro de você perdida. E veja, não estou dizendo Mirian de verdade ou sistema de defesa. Apenas que um pedaço de você devido a sua mente caótica não consegue se manifestar totalmente e constantemente. Só quando a coisa ta muito feia e tudo está entrando em colapso. -

 

Mirian suspirou entendo as falas de Sabrina. O Colapso seria o momento de perigo em que ela trava. Sua mente caótica não conseguiria processar rapidamente o que fazer, por sempre estar criando ligações diferentes e isso a travaria. Fazia sentido. Mas, também faria sentido que para alguém que tem uma mente fragmentada e com padrão aleatório, algo dentro dela ser perdido. Ela poderia enumerar o que não funcionaria direito.

 

— Sua teoria é interessante. Mas, estou satisfeita comigo mesma. - Mirian sorriu. - Não sou perfeita, mas tenho certeza que esse pedaço perdido não deve fazer falta. -

 

— Quer apostar sua vida nisso? - Questionou Sabrina.

 

Mirian franziu o cenho assustada. Viu Sabrina se endireitar na cadeira e levar a mão no cabelo desfazendo o rabo de cavalo. Seu olhar ficou sério e quase parecia ser a mesma Sabrina séria e fria, mas ainda parecia bem cansada.

 

— Terapia do seu eu interior. - Disse Sabrina. - Não posso ler sua mente, mas posso fazer você adormecer e por si própria olhar essa frequência e descobrir o que ela é. - Sabrina parou por alguns instantes. - O risco é ela ser mais forte que você e dominar seu corpo. Então você pode acordar sendo uma nova Mirian, ou você pode ser mais forte que ela é acordar você mesma. Ou ganhar uma parte a mais em você. -

 

— Por que eu faria isso se posso acordar sem ser eu mesma? - Questionou Mirian.

 

— Por que eu tenho certeza que a frequência que capto é Mente de Coordenadora Pokémon! -


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Notas finais do capítulo

Então...
Matei sim! Matei! Matei eles mesmo! Estão detonados!!!
Acho que seles não morressem as sequencias a seguir não iam dar certo...
Espero que me perdoem e curtam!

Especulem!