As Crônicas dos Amaldiçoados, Caimitas escrita por Elias Pereira
Inglaterra, Londres, abril de 1871
Acordei assustado com alguém mexendo em mim. Era um policial me cutucando com o porrete dele.
—Levanta! – Ele falava rispidamente. Minha visão ainda estava meio turva.
Levanto de vez ao lembrar o que aconteceu, sinto meu rosto doer. Caim, ele matou Joseph. O policial me impede de ficar de pé me empurrando de volta para o chão com seu pé.
—Parado mestiço! Não se mexa demais ou mato você! – Ele apontava o porrete para meu rosto.
—O que eu fiz agora? – Olho tentando não chorar. – O assassino fugiu e você quer punir a mim?
—Parece que o assassino aqui é você. – Ele olha para uma faca ao meu lado.
Fico em choque quando vejo a arma que matou Joseph ali. Fecho as mãos e sinto pegajosas, ao olhar noto que estavam sujas de sangue. O sangue do cabo da faca.
—Ele é fraco demais para matar qualquer um. – Era a voz do doutor, ele subia as escadas, vindo em minha direção. Olhava-me friamente por trás daqueles óculos. – Provavelmente o assassino fugiu. – Ele falava como se fosse um problema casual, sem importância. – Ele matou o meu mordomo, o único preto que prestava nessa Inglaterra. Terei que arrumar outro.
—Alguma suspeita? Alguém que queira causar mal a você? – O policial se afasta de mim e olha para o doutor agora.
—Não que eu me lembre. – Ele empurra os óculos com o dedo indicador. – Mas avisarei se tiver noticias, deixe-me a par das investigações.
—Irei sim. – O policial dá uma última olhada para mim e segue descendo as escadas. – Levem o corpo quando terminarem as fotos! – Ele fala para mais alguns policiais que eu não conseguia ver dali.
—Tyler! – O doutor olha para mim. – Limpe a sujeira lá embaixo quando terminarem tudo.
Eu olho para ele. Eu teria que limpar o sangue de Joseph. Pela primeira vez comecei a sentir ódio daquele homem. Levanto e caminho descendo as escadas. O doutor continua me olhando um tempo e segue para seus aposentos. Desço os degraus devagar, minha cabeça doía muito. Olho para o corpo de Joseph sendo ensacado, o ar cheirando a pólvora queimada devido as câmeras. Sigo dali para a área de serviço.
Quem era esse Caim? Minha mente não conseguia processar outra coisa. O homem surge do nada e me diz aquelas coisas. O que quer comigo? Entro no armário das vassouras e fecho a porta atrás de mim recostando-me nela.
Deslizo até o chão onde fico sentado olhando a escuridão apenas. Enterro a cabeça entre os joelhos. A única pessoa que queria meu bem agora está morta, eu começo a chorar. Eu sabia que a partir daquele momento, minha vida se tornaria o verdadeiro inferno.
Limpo o rosto e pego um balde e o esfregão. Encho com água em um barril que ficava do lado de fora e caminho até o saguão principal. O balde pesava então tive dificuldades para andar. Quando cheguei às escadas o corpo já tinha sido levado, deixou apenas uma enorme e fedida poça de sangue.
Jogo um pouco da água e começo a esfregar. O piso de madeira tinha absorvido aquele liquido e criado uma mancha. Continuei esfregando com força e limpando o esfregão no balde. Fiz isso por quase uma hora até que consegui tirar o máximo possível, mas ainda assim permaneceu a mancha.
Peguei o balde com água suja e segui até a rua onde joguei fora o liquido meio preto, meio vermelho. Ao voltar para casa o doutor estava parado no andar de cima me observando.
—Tyler! – Ele fala friamente. – Suba! – E segue andando dali.
Apoio o esfregão na parede ao lado da escada e subo descalço atrás dele. No andar de cima noto que as portas de seu aposento estavam abertas. Entro devagar. Ele estava sentado a uma mesa.
—Você sabe ler. Não sabe? – Ele falava sem tirar os olhos do livro.
—Sei sim, senhor. – Respondo sem levantar a voz.
—Joseph me ajudava em alguns procedimentos às vezes. Quando havia necessidade. – Ele tira os olhos do livro e me observa. – Quero que você leia todos esses livros. – O doutor aponta para uma pilha a sua direita, tinha cinco livros grossos empilhados. – Todos os dias de manhã antes dos seus afazeres você passará uma hora lendo. Irá auxiliar-me quando houver necessidade. Entendeu?
—Sim senhor! – Repondo e observo os livros. Eram sobre anatomia e procedimentos cirúrgicos.
—Pode ir agora! – Ele volta o olhar para seu livro. – Termine o que tem que fazer e prepare o almoço. Não temos mais um mordomo para isso.
Sinto raiva pela forma dele falar de Joseph, mas sai dali e fechei a porta atrás de mim. E assim passou-se um ano inteiro. Eu servindo de mordomo, auxiliava em cirurgias básicas já que não tinha lido ainda todos os livros dele, mas fui aprendendo aos poucos sobre o uso dos equipamentos e os órgãos do corpo humano.
Eu acabei me adaptando a essa vida, e então foi ai que tudo começou a ruir.
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