As Crônicas dos Amaldiçoados, Caimitas escrita por Elias Pereira


Capítulo 3
Abril de 1871




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Inglaterra, Londres, abril de 1871

  O céu estava nublado naquela manhã, assim como quase todas na verdade. Eu tinha oito anos de idade. Caminhava pela rua observando os vendedores gritando seus produtos, frutas, peixes, tortas. Aproximei-me lentamente de uma senhora com maçãs, estiquei minha mão suja, peguei uma e corri.

  -Ladrão! Pega! – Gritava aquela senhora.

  Eu corria por entre becos e vielas, animado, pois finalmente teria o que comer dentre três dias de fome. Mas, dobrei uma rua errada e acabei me esbarrando com um policial. Aquele homem branco me pegou pelo pescoço.

  -Maldito mestiço. – O guarda me acertou com um soco no nariz, senti o osso quebrar e o sangue descer.

  -Esse bastardo me roubou. - A senhora chega ofegante e fala ao policial.

  Ao ouvir a mulher ele chutou meu estômago e minhas costelas. Quando já estava para apagar o policial me pegou pela camisa, sentia o tecido me sufocando, mas estava sem forças para reagir, apenas fui arrastado dali e arremessado dentro da carruagem que iria me levar à prisão.

  Os cavalos foram então postos a andar. O som dos cascos e das rodas no chão de pedra era a única coisa que eu ouvia além das conversas das pessoas na rua. O chacoalhar da carruagem fazia meu corpo doer, apenas me encolhi em um canto dali e fiquei quieto, esperando chegar ao devido local.

  -Parem. – Ouvi uma voz familiar do lado de fora da carruagem.

  -Senhor? – Era a voz do policial.

  -O garoto que está com vocês me pertence. – Era o doutor que falava, ele me criava naquela época.

—Ele estava criando problemas com os comerciantes, teremos que prendê-lo. – O policial falava impondo a voz dele.

  -Deixe-me levá-lo, resolverei tudo, garanto.

  Um momento de silêncio. O guarda desce da carruagem, eu ouvia seus sapatos no chão vindo em direção ao fundo da carruagem. Ouvia som das chaves no cadeado. Ao abrir a porta eu quase fiquei cego com a luz entrando de vez.

  -Saia Tyler. – Era o meu nome na época. Tyler Jackson. O doutor me chamando era o famoso cirurgião Finley Elliot Todd.

  Eu desci vagarosamente, meu corpo todo doía. Pisei no chão e olhei onde estávamos. Ali era perto da clinica onde o doutor atendia, ele devia está a caminho do trabalho quando me viu. Ele pega meu rosto e olha meu nariz.

  -Certo. – Ele solta meu rosto. – Obrigado pela compreensão policial.

  -Disponha senhor! Mantenha esse mestiço longe das ruas. – O policial segue novamente para frente da carruagem e sai dali.

—Vá para casa Tyler. – O doutor falava sem me olhar. – Cuide desse ferimento e faça todas as suas tarefas, quero tudo limpo. Quando eu voltar conversaremos.

  -Sim doutor. – Eu assenti com a cabeça e segui caminhando dali. Ele seguiu seu caminho também.

  Caminhei vagarosamente em direção a casa, ficava a pouco tempo dali, mas a dor era grande demais para andar. Eu tinha que parar constantemente e me apoiar em algum local para descansar.

  A residência ficava a quase tinta minutos a pé dali, levei mais de uma hora para chegar. Era uma casa grande, um quintal cheio de árvores e com uma fonte. Empurrei o portão, fechei novamente e segui até a entrada principal. Ao passar pela porta de madeira fui recebido pelo mordomo, Joseph. Ele era um homem negro, cabelos grisalhos. Vestia terno e usava luvas brancas.

  -Arrumando problemas novamente Tyler? – Ele tinha uma voz dura e falava formalmente, mas somente quando o doutor estava presente. Agora era uma voz cuidadosa.

  -Eu não como há três dias Joseph. – Falava com rouquidão. – O doutor não trabalhou esse três dias e aproveitou para aumentar a dose da punição.

  -Venha comigo! – Joseph caminha para uma porta à esquerda, o sigo até a cozinha.

  O homem tira as luvas e coloca em cima do balcão, ele corta um pedaço grande de uma torta de carne e me serve em um prato. Eu comia aquilo como se fosse algo mandado por Deus.

  Por mais que eu vivesse com o doutor, era Joseph que cuidava de mim. Ele me ensinou a ler e escrever, a cuidar de mim mesmo. Termino de comer e solto um suspiro satisfeito.

—Me deixe cuidar desses ferimentos. – Joseph se aproxima com uma caixa onde guardava medicações, agulhas, linhas. Tudo que fosse útil.

  Ele toca em meu nariz e me encolho de dor. Ele analisava o ferimento, tirou minha camisa suja de sangue e observa os hematomas na costela, no peito e na barriga.

  -Te fizeram um serviço completo dessa vez. – Ele coloca meu nariz entre os polegares. – Vai doer.

  Eu fecho os olhos esperando a dor e quando ele força o osso a voltar para o lugar eu deixo escapar um grito baixo.

  -Pronto. – Ele pega alguns unguentos na caixa, passa num pedaço de tecido e limpa meu rosto. Ao terminar ele solta meu queixo. – Tome um banho e vá fazer suas tarefas antes que crie mais problemas.

  -Obrigado Joseph! – Sorri para ele e sai dali.

  Subi as escadas de madeira, meus passos ecoando pela casa vazia. Eu observava as pinturas na parede, me causavam certo medo. Caminho até o banheiro onde uma banheira com água fria me esperava. Tiro minhas roupas sujas, fico olhando pela janela, não era possível ver ninguém, apenas as arvores. Suspiro e vou até a banheira. Entro devagar na água. Todo o meu corpo se contraía devido o choque térmico, mas relaxei em alguns minutos e fechei os olhos.

  Lembro que cochilei por algum tempo até que fui acordado com um grito. Era Joseph. Eu sai rapidamente da água, coloquei as mesmas calças com que cheguei ali e corri descalço para o andar de baixo, Tropecei alguns vezes, escorreguei outras. Nos pés da escada tinha Joseph no chão, sangrando e um homem parado em pé perto de seu corpo com uma faca na mão. Ele vestia um terno e um sobretudo, o chapéu cobria seu rosto. Eu fiquei sem reação, em pânico. O homem me olhou e subiu lentamente as escadas, eu fiquei congelado no chão em choque.

  O homem me alcançou e me tirou do chão pelo pescoço. Ele me olhava friamente.

  -Fraco ainda. – A voz dele me causava terror, seu rosto estava sujo de sangue. Ele tinha uma aparência parecida com a dos judeus, mas era tinha algo a mais, algo poderoso nele. – Lembre de algo garoto. Posso garantir que vai lembrar?

  -Eu irei lembrar de você. – Eu falei com ódio agora que o choque passou. – Irei matar você.

  -Agora melhorou. Sinto sua força. – O homem sorri para mim. – Lembre garoto, Lembre meu nome. Caim. – Ele soca meu rosto com força e eu apago ali mesmo.


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